Voto De Ocasião



Poderíamos começar falando em tema de ocasião. Mas o voto é mais convidativo. Principalmente porque sou tentado, como já o fiz em outras oportunidades, a te convidar para exercermos um direito negado pela constituição: não votar.

Acontece que nos impingiram a pecha de que a cidadania se defende com o voto. E nos obrigam a votar em quem a gente não escolheu. Pior ainda, nos querem fazer crer que a obrigação de votar é um exercício de democracia e ato de cidadania. Ora, que democracia é essa que obriga o cidadão a fazer algo que, nem sempre, tem vontade de fazer? Que democracia é essa em que o cidadão não tem direito de dizer quem realmente deseja eleger, pois os candidatos nos são impostos pelos partidos? Que coisa é essa em que nem se sabe, exatamente, o que é ser cidadão?

Que democracia é essa em que se fazem leis que favorecem os privilegiados e exploram a população trabalhadora. Que democracia é essa em que os privilegiados se lambuzam num "mar de lama" enquanto o trabalhador, honesto, nem tem o direito de se aposentar? – como a dizer que os malandros estão entre os trabalhadores e não lá nos tantos canais de desvio de dinheiro que não chega aos hospitais ou ao sistema escolar. (Muitos viram uma reportagem na TV, mostrando o drama de alguns trabalhadores mutilados, no nordeste, para os quais se apresentam intransponíveis barreiras para a aposentadoria, enquanto sabemos que existe muito defunto se aposentando, por aí!)

Quem vê os noticiários sabe de que estou falando: hospitais em que morrem dezenas de crianças e velhinhos e os "cara de pau" vêm dizer que são "índices aceitáveis". A inevitabilidade da morte é uma realidade aceitável; mas morrer por falta de atendimento ou falta de recurso no hospital público é assassinato, é genocídio. Pagamos impostos para que haja atendimento e recursos para o serviço público e não para empanturrar as gordas contas de uns tantos larápios dos cofres públicos.

Nas escolas ocorre algo semelhante. Já fazem alguns anos que foi aprovada uma lei que obriga todas as escolas a acolher e dar atendimento cotidiano a todas as crianças que possuem alguma deficiência física ou mental. Nenhuma criança pode ficar sem ir à escola, seja ela cadeirante, cega, deficiente mental, ou seja lá o que for. E, para acolher a essas crianças, todas as escolas precisam se adaptar com instalações e profissionais qualificados. Mas convido os pais e mães e responsáveis por essas crianças a fazer um passeio pelas escolas públicas. Ficaremos ainda mais indignados por ver que ainda existem escolas sendo construídas sem condições de acessibilidade; inúmeras escolas em que foram feitas reformas, dentro da vigência da atual legislação, mas nas reformas não está contemplada a acessibilidade. Isso sem falar de escolas em que ainda não se cogitam reformas para acessibilidade.

Mas os profissionais, com certeza... – o amigo leitor deve pensar que os profissionais das escolas foram treinados com esmero, para trabalhar com essas crianças. Pasmem: aqui e ali são oferecidos alguns treinamentos de 15 ou 20 horas. Outros, mais esforçados fizeram algum treinamento por conta própria. Mas o poder público... Bem, o poder público tem planos...

Podemos, agora retornar ao tema do voto.

Não voto!

Não, voto!

Voto na proposta de levarmos adiante a idéia de liberdade. Levarmos adiante a idéia de que temos direito a dizer não. Levarmos adiante a idéia de boicotarmos eleições até que sejamos ouvidos. Levarmos adiante a idéia de que uma nação anárquica é melhor gerida do que aquela que é rapinada pelos lobos. Pois numa sociedade, utopicamente anárquica, todos terão plena consciência de seus direitos e deveres, sendo o dever de defender o direito do outro a lei mais sagrada.

Em razão disso é que defendo a idéia de que temos que ser mais radicais. Por quê? Entre outros, pelos motivos que mencionei acima: os que fizeram as leis estão preocupados em que elas não sejam cumpridas – se forem cumpridas, que eles sejam os vencedores nas licitações. Os que a deveriam fazer "executar" as leis se fazem de desentendidos... enquanto a população continua sendo vítima. Tem, é verdade, uma campanha, interessante por sinal, para que avalizemos a proposta de que todos os envolvidos em alguma malandragem sejam impedidos de se candidatar. Já é um bom começo.

Mas outros tantos já disseram que essa é uma iniciativa que tolhe os direitos constitucionais de que todos podem ser candidatos. E como não somos nós, o povo que sofre as conseqüências, que fazemos as leis, acabamos sendo vítimas das leis que deveriam nos defender.

E olhamos para a fila de candidatos: aquele é um safado, o outro é um malandro, o outro é sem adjetivação... Bem tem aqueles que são honestos, bem intencionados, altruístas... mas são tão poucos e raramente são eleitos... outros são eleitos, mas, no covil dos lobos, os cordeiros são devorados ou mudam de pele... poucos se salvam!

E continuamos a esperar, como diz a música do Chico Buarque. Nós, como o "Pedro pedreiro" continuamos vendo que o "tempo passa e a gente vai ficando prá trás; esperando, esperando, esperando, esperando o sol". E aí nos vem a angústia de saber que nosso poder, mostrado como tão forte, na realidade é ínfimo: só nos serve para legitimar aquilo que não qeremos. Nosso poder, nosso voto, não tem poder. Ou alguém já viu alguma cois amelhorar a partir do voto? Na realidade o voto só serve de quatro em quatro anos... prá nada.

Neri de Paula Carneiro – Mestre em Educação


Autor: NERI P. CARNEIRO


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