A Reserva Legal No Brasil E O Mercado De Carbono



O avanço da legislação ambiental e das plantações florestais industriais no Brasil demandam a revisão das formas de exigência da Reserva Legal no Código Florestal por haver a necessidade de se ajustar a Lei 4771/1965 ao desenvolvimento da sociedade e as transformações que esse processo envolve. Para enfrentar os desafios impostos pelas mudanças climáticas globais e aproveitar os benefícios que o mercado de carbono oferece para os produtores rurais, essa revisão do Código Florestal ganha tons de urgência. A exigência da Reserva Legal e de sua reposição pelo Código Florestal implica na inelegibilidade dos projetos de recomposição dessas áreas nos termos do protocolo de Quioto, e,portanto, determina que essa atividade não receba créditos de carbono no Brasil, enquanto já remunera o setor rural, por exemplo, na China.

Foi o Protocolo de Quioto, em 1997, que estabeleceu o controle sobre os Gases do Efeitos Estufa GEE, que são: CO2 Dióxido de Carbono; CH4 Metano; N2O Oxido Nitroso; HFCs Hidrofluorcarbonos; PFCs Perfluorcabonos e SF6 Hexafluoreto de Enxofre. Entre 1970 e 2004, a proporção destes gases na atmosfera aumentou em cerca de 70%. No Brasil, as mudanças de uso da terra são responsáveis por cerca de 75% das emissões de GEE, principalmente de CO2, CH4 e N2O.

Para controlar as emissões mundiais, o Painel Internacional das Mudanças Climáticas IPCC (do inglês International Pannel on Climate Change), elencou 7 atividades com grande potencial, 4 delas diretamente relacionadas com o agronegócio: fornecimento de energia; agricultura; florestas e; resíduos. Por conta da abordagem que se faz da questão da Reserva Legal nesse contexto, vamos destacar o potencial da Agricultura e Florestas. O potencial desses dois setores varia de um mínimo de 4,6 GtCO2eq até um teto de 10,6 GtCO2eq, considerando preços de até US$ 100,00 por tCO2eq. Segundo o próprio painel, 65% desse potencial está nos países em desenvolvimento.

Uma das maiores pressões exercidas sobre o agronegócio no momento atual diz respeito à recuperação de Reserva Legal e Área de Preservação Permanente através do plantio de espécies arbóreas nativas, conforme estabelece o Código Florestal de 1965, que foi modificado pela MP 2166/67. Portanto, segundo a legislação brasileira, é obrigatória a recuperação dessas áreas degradadas. É preciso abordar essa questão sob dois aspectos principais: o primeiro referente a essa obrigação legal e segundo referente ao quadro do mercado internacional de carbono.

A obrigação legal de manter a Reserva Legal implica em perdas de ambos os setores, tanto o produtivo como o de conservação. Ao estabelecer um percentual fixo para as áreas de Reserva Legal são ignorados os aspectos locais de qualidade de solos para a produção agropecuária e também as características de relevância das áreas naturais para sua conservação. Por conta disso, ora são obrigatórias as reposições florestais em áreas de alta produtividade realizando perdas de produtividade, ora são liberados desmatamentos em solos pobres, levando a um processo de degradação. Os mercados de compensação da Reserva Legal dentro de microbacias não são suficientes para compensar essas perdas e nem capazes de corrigir as distorções de uso da terra que isso ocasiona.

Por outro lado, ao considerarmos o mercado de carbono do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo MDL, verifica-se que a existência de uma exigência legal para a reposição da Reserva Legal nas propriedades inviabiliza a apresentação de projetos nesse sentido para receber créditos de carbono. A exigência legal da Reserva Legal torna inelegíveis as atividades de reflorestamento nessas áreas, bem como impede, no caso brasileiro, que sejam tomadas medidas adequadas para aumentar a contribuição dessas atividades de projeto para mitigação dos efeitos das mudanças climáticas globais por não haver critério de flexibilização dos usos na Reserva Legal, devendo ser utilizada obrigatoriamente para "reabilitação dos processos ecológicos, conservação da biodiversidade e o abrigo e proteção de fauna e flora nativas" (MP 2166/67).

Desta forma, a exigência da Reserva Legal termina por determinar prejuízos para a produtividade do solo brasileiro e para os esforços de conservação, além de oferecer uma barreira imposta pela Lei 4771/1965 para que a recuperação da Reserva Legal e Área de Preservação Permanente possam ser atividades elegíveis para receber créditos de carbono no MDL. Vale lembrar que existem dois conceitos principais de florestas adotados no cenário internacional, o conceito de florestas da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação FAO (do inglês Food and Agriculture Organization) e o adotado pela Agência Nacional Designada AND, junto à Convenção Quadro das Nações Unidas para as Mudanças Climáticas UNFCCC (do inglês United Nations Framework Convention on Climate Change).

O conceito da FAO diz que florestas são: "porções do território com mais de 0,5 ha, com uma cobertura florestal com mais de 10%, que não sejam prioritariamente utilizadas para a agricultura ou uso urbano." Enquanto o conceito adotado pela Comissão Interministerial das Mudanças Climáticas Globais CIMCG (AND Brasileira), diz que florestas são: "áreas com valor mínimo de cobertura de copa de 30%, estabelecidas em uma área mínima de 1 ha, com árvores de pelo menos 5 m de altura"(Art 3.º, Resolução n.º 2, de 10 de agosto de 2005).

Se adotada esse redação para o uso da Reserva Legal, por exemplo, são tornadas elegíveis atividades florestais, silvipastoris, agroflorestais e de plantio de palmeiras biocombustíveis, fazendo com que a sua recuperação possa ainda receber créditos de carbono. A recuperação de áreas degradadas gera créditos de carbono em três momentos diferentes: reduz emissões do solo ao interpor uma cobertura vegetal; seqüestra CO2 atmosférico no crescimento das plantas e; fornece biomassa e biocombustíveis renováveis para substituir a matriz de combustíveis fósseis (não-sustentável). Também não são excluídas as atividades de conservação, que continuam podendo ser praticadas pelos proprietários rurais nelas interessados.

A recuperação de áreas degradadas foi a única atividade florestal que recebeu até hoje créditos do mercado de carbono junto ao MDL. Para o caso brasileiro, estima-se que a atividade possa gerar, no mínimo, cerca de 6 tCO2eq/ha/ano, a um preço de R$ 25,00 / tCO2eq, são R$ 150,00 / ha/ano, ou um total de R$ 3.150,00 / ha para projetos de 21 anos de permanência. Somente para os 20 milhões de áreas degradadas da Amazônia Brasileira, isso significaria R$ 3 bilhões/ano de investimentos diretos na base produtiva do agronegócio. No Paraná, com mais de 1 milhão ha de áreas de Reserva Legal e APP para recuperação, poderiam ser gerados R$ 150 milhões/ano para os produtores rurais com a flexibilização das regras da Reserva Legal, considerando um valor mínimo para a comercialização desses créditos. Vale lembrar que a agregação de vários projetos individuais em torno de uma iniciativa única, a nível de Estado, eleva a quantidade de créditos e torna o negócio atrativo para os grandes compradores atuando nesse mercado de carbono. Quanto aos projetos de conservação da natureza, uma postura voluntária de utilizar a propriedade nesse sentido, pode receber maior apoio institucional e financeiro de organizações que apóiam diretamente projetos de conservação, e não agem senão como fiscalizadores na Reserva Legal e Área de Preservação Permanente. Com a possibilidade de conversão das áreas, essas organizações podem exercer um papel mais ativo na assistência técnica e financeira aos produtores que considerarem, de fato, sua Reserva Legal e APP como ferramentas de conservação da biodiversidade.

Para conseguir isso, é urgente que se altere a redação do art. 16 da Lei 4771/1965, incluindo no texto que as áreas de Reserva Legal: "...são suscetíveis de conversão para outros usos florestais (conceito de florestas da FAO) ou exploração sustentável através de PMFS, podendo ser então declaradas categorias de Unidade de Conservação de Uso Sustentável, averbada pelo proprietário em cartório...". Além disso, o art. 14 da Lei 9985/2000, também precisa ser alterado, permitindo incluir a Reserva Legal averbada pelo proprietário que desejar investir em atividades de conservação da natureza, entre as UCs de Uso Sustentável. Com isso, ficam garantidos os direitos dos proprietários rurais de utilizar seu potencial produtivo ao máximo e encorajadas as atividades de conservação em propriedades privadas, utilizando incentivos positivos para essa imensa tarefa.

No Estado do Paraná, a Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos, através do Programa Paraná Biodiversidade, promove a biodiversidade local através da criação de corredores para servir de exemplo de práticas que conciliem a conservação com a produção. O módulo de seqüestro de carbono é um projeto de reflorestamento de pequena escala, sob o âmbito do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo do Protocolo de Quioto. Através desse mecanismo, o projeto espera conseguir o pagamento antecipado dos serviços ambientais de retirada do CO2 atmosférico para financiar outros plantios e assim sucessivamente. O projeto inicial envolveu 200 produtores de diversos municípios paranaenses e 400 ha de pastagens, lavouras e áreas degradadas (CHANG, 2006), em APP e Reserva Legal, que devem seqüestrar perto de 100 mil tCO2eq ao longo de 21 anos do projeto. A tonelada de CO2eq pode gerar entre R$ 8 e 35 no mercado de carbono, o que significa uma perspectiva de renda de R$ 3,5 milhões em 21 anos, ou algo como R$ 42,00 /ha/ano para os produtores em créditos de carbono. A exigência da reposição florestal no Código Florestal é um fator que prejudica projetos dessa natureza.

Artigo escrito com Ederson Augusto Zanetti. Engenheiro. Florestal. Mestre pela Universität di Friburg - Alemanha. Professor convidado junto a Harper College - Chicago/USA.


Autor: Robson Zanetti


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