A CRÍTICA DE MERLEAU-PONTY A REDUÇÃO FENOMENOLÓGICA



MERLEAU-PONTY E HUSSERL: HERANÇA E SUPERAÇÃO

Em 1942, Van Breda enviou à Merleau-Ponty um exemplar da sua tese de doutorado defendida em Louvain em 1941, intitulada "A redução fenomenológica na última filosofia de Husserl". Vemos, portanto, que Merleau-Ponty já estava em contato com a perspectiva da fenomenologia genética , a respeito da qual falam estes inéditos, já na época de suas investigações sobre a Estrutura do Comportamento e a Fenomenologia da Percepção.
Segundo Merleau-Ponty, a problemática da redução foi uma questão sobre a qual Husserl se debruçou durante toda sua vida, e ela ocupa um lugar importante nos inéditos . Partindo das vivências naturais e cotidianas, Husserl investigou fenomenologicamente a estrutura intencional da consciência, visando "a conquista de uma nova região do ser até agora não delimitada naquilo que lhe é próprio " . Assim, dirige-se aos "vividos puros" ou à "consciência pura", considerando sob esta perspectiva seus diferentes pólos constituintes, ou seja, de um lado, os puros "correlatos de consciência" e, de outro, seu "eu puro". Para abrir a esfera dos vividos, compreendendo-os como vividos de consciência, Husserl empreende uma caracterização não fenomenológica, atrelada ao que chama de orientação natural. Nela, a consciência, o eu (ou ego) e seus vividos são analisados do ponto de vista do "homem efetivo", considerado objeto real como os demais encontrados no mundo "natural". Este "eu" efetua "atos de consciência" da forma que tais atos, enquanto pertencentes a esse sujeito humano, são eventos da mesma efetividade natural" .
Na orientação fenomenológica, o interesse não se dirige às coisas, mas sim, aos fenômenos, quer dizer, aos múltiplos modos subjetivos de doação dos objetos, que permeiam nossa experiência do mundo, mas permanecem não temáticos na orientação natural. Movendo-se no âmbito dos atos de reflexão a fenomenologia husserliana não se pergunta quanto ao que são as coisas, mas sim, investiga como opera a consciência, ou seja, a fenomenologia parte da consciência pura e se direciona às vivências em geral para apreendê-las "como o ser absoluto que elas são". Tais atos de reflexão, considerados atos de segundo nível abrem o campo infinito do conhecimento absoluto, o que, no dizer do autor, constitui "o campo fundamental da fenomenologia". Tomada como "ser absoluto", a consciência pura ou transcendental constitui a proto-região na qual radicam todas as outras regiões do ser, à qual estas estão referidas por sua essência, e da qual, portanto, todas são por essência dependentes.
Para Husserl é a redução fenomenológica que inibe qualquer interesse voltado ao conhecimento teórico do mundo, sendo a fenomenologia um gênero de conhecimento que não compreende em si a menor opinião sobre o mundo transcendente puro e simples, ou seja, o mundo existente.
A redução fenomenológica constitui o método que permitirá o retorno às coisas mesmas. Por isso, seu objetivo primeiro é mostrar a necessidade de buscar um ponto de partida, um fundamento absoluto, radical, que permita o aparecimento da relação humana com o mundo, tal como ela acontece.
A fenomenologia transcendental de Husserl foi constituída fundamentalmente a partir da idéia de consciência. Merleau-Ponty logo percebeu isso nos seus estudos, porém, não procurou seguir o mestre e sim a sua intenção . Para um entendimento da interpretação merleau-pontyana, a fenomenologia precisa ser entendida à luz do que o filósofo escreveu no Prefácio da Fenomenologia da Percepção e também no ensaio O filósofo e sua sombra. Nesses dois textos, se critica o projeto da fenomenologia transcendental , uma vez que o transcendental implica uma filosofia da consciência reflexiva e com poder constituinte onde a fenomenologia é caracterizada como a ciência das essências, mas, nunca deixa de lado a existência. Trata, portanto, de um relato do espaço, do tempo e do mundo vividos. Trata-se de uma nova maneira de filosofar, pois, depende da articulação com a existência concreta. Essa articulação é o que favorece e conduz a reflexão fenomenológica em direção à existência. A palavra de ordem da fenomenologia, retornar às coisas mesmas, adquire, nesse movimento, um sentido concreto de retorno ao mundo anterior ao conhecimento; a um ponto que, contrariamente a Husserl, não é completamente transparente à consciência.
Para Merleau-Ponty, a relação da consciência com o mundo já pressupõe algo que é percebido, porque se trata de uma tentativa de descrição direta da experiência tal como ela é, mesmo que Husserl em seus últimos trabalhos tenha falado de uma fenomenologia genética e de uma fenomenologia construtiva , mas, também esse autor fez menção, no final de sua vida, ao ?Lebenswelt? apresentado como tema primeiro da fenomenologia. Ao fazer Fenomenologia, Merleau-Ponty reassume ao seu modo, o último Husserl e dessa maneira, entendeu que, para conhecer a Fenomenologia do seu mestre deve-se, em primeiro lugar, não considerar cada uma de suas obras isoladamente, e não ver nelas a aplicação decisiva e um método original a temas diversos, ou uma seqüência de pontos de vista onde se exprimiria de modo sempre novo, uma mesma intuição fundamental. Devemos, ao contrário, ver nela um esforço paciente para levar à claridade uma visão de início obscura, tateante, de modo que as últimas obras são, em grande medida, indispensáveis à compreensão das primeiras. Dessa maneira, ocorre a adoção do Lebenswelt como o ponto de partida da Filosofia em criação, ao mesmo tempo em que há o reconhecimento deste retorno ao mundo da vida como a contribuição mais importante da filosofia husserliana.
Pode-se perceber a extensão da influência fenomenológica, especialmente a do último Husserl , onde o filósofo deteve sua atenção, fazendo do retorno às coisas mesmas o berço do sentido. Ao assumir a fenomenologia como modo de pensamento o fez de forma especial deixando sua marca, retomando e aprofundado a redução que, para ele, em vez de conduzir a um Ego puro, deve levar a um sujeito encarnado, situado no mundo que antecede a reflexão. O aprofundamento da redução por Merleau-Ponty levou-o a um fundamento diverso do husserliano, porém, inspirado, como visto, na teoria posterior de Husserl sobre o mundo da vida, em que se anunciava certa abertura para o mundo exterior , e, também, porque somos do começo ao fim relação ao mundo, afirmará Merleau-Ponty. Essa visão renovada da fenomenologia, percebendo desde cedo que para ela não é o ponto de vista do sujeito que conta primeiro, não se tratando mais do dualismo sujeito-objeto, permitiu ao filósofo eliminar radicalmente as rupturas entre o vivido e o pensado. Para Husserl, ir às coisas é atingir um objeto transcendental , implicado na imanência do cogito, e para Merleau-Ponty é ser-para-o-mundo, numa relação indestrutível com o mundo exterior, que é transcendente.
A noção de Lebenswelt reformulada por Merleau-Ponty deixa de ser concebida como conjunto de estruturas da experiência em correlação implícita com a consciência transcendental e passa a indicar o mundo anterior à atividade constituinte da subjetividade, pátria do ser selvagem. Dessa forma, há uma anterioridade da existência mundana em relação à formulação das essências, as quais exibem os traços invariantes desse mundo. A gênese dos fenômenos não será então remetida por Merleau-Ponty à consciência transcendental; na verdade, para entendê-la, trata-se de buscar o "desvelamento do Ser selvagem ou bruto pelo caminho de Husserl e da Lebenswelt sobre o qual se abre". Desse modo, não é por uma fenomenologia transcendental que se pode esclarecer o sentido dos fenômenos da Lebenswelt, mas sim por uma ontologia que exponha as principais características do ser do mundo sensível.
Merleau-Ponty ao contrário de Husserl, não se afastará do mundo da experiência concreta. Firme, então, nesse ponto de apoio existencial, buscará uma síntese ? não do juízo ? que signifique a superação das dicotomias: para si ? em si, intelectualismo-empirismo, consciência-mundo, da filosofia racionalista, sempre guiada ? nas vertentes realistas e idealista ? por um
Autor: Mauricio Bueno Da Rosa


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