Aprenda A Viver: Filosofia para os novos tempos



Antes de falar da obra em si, quero tomar a liberdade de mencionar seu autor: Luc Ferry. O autor é francês, foi ministro da educação de seu país nos anos de 2002 a 2004 e é um dos principais defensores do humanismo secular. Obra traduzida para 14 países e com mais de 250 mil exemplares vendidos na França.

O QUE É FILOSOFIA?

No primeiro capitulo o autor busca mostrar algumas definições conceituais que serão abordadas ao longo da obra. O que é de fato filosofia? Em que consiste o ato de filosofar? Tal questionamento não é tão simples assim para alcançar uma resposta. "Certamente é por isso que ele se volta de imediato para as religiões que lhe prometem a salvação" (Pág. 20).

Se a pergunta não nos sugere uma reposta direta, porém, a reflexão põe em dois lados opostos a filosofia e a religião buscando a mesma resposta. Por que na história da humanidade percebemos que sempre houve uma necessidade de se buscar a religião? A salvação surge como uma proposta em longo prazo que tranqüiliza o ser humano diante do temor que a vida lhe propõe. Se os mitos buscavam conscientizar nossa ação terrena, a religião busca apontar valores morais para direcionar nossa vida após a passagem terrena. Mas a visão religiosa não é uma visão teleológica, a salvação futura é construída através das atitudes no presente. "Para viver bem, para viver livremente, com alegria, generosidade e amor, precisamos, antes de tudo vencer o medo" (Pág. 22). Se o homem vive com medo, a religião e a filosofia vêm para abordar esta questão, mas elas divergem sobre o caminho a seguir.

O filósofo divergirá das condutas teológicas buscando mostrar que o caminho para a felicidade será uma vida através da ponderação e da reflexão. Enquanto que o fenômeno religioso ocupar-se-á com a salvação, a práxis filosófica chamará a salvação de conquista da felicidade. Qual o fim último do homem?  A busca pela felicidade. A busca da felicidade dar-se-á a partir de três abordagens, chamadas de dimensão filosófica: a inteligência do que é (teoria); a sede de justiça (ética) e a busca da salvação (sabedoria).

UM EXEMPLO DE FILOSOFIA ANTIGA. O AMOR À SABEDORIA SEGUNDO OS ESTÓICOS

Na história da humanidade sempre foi possível perceber nos mais diversos povos a influência do fenômeno religioso. O fenômeno religioso sempre buscou respostas para todos os problemas que o ser humano se interrogava, enfim, a religião tinha respostas. A discussão da filosofia na ágora grega trouxe para as elites um novo desafio frente a proposta religiosa. A proposta salvífica filosófica consiste em: conhecer, justiça e o verdadeiro apego ao saber.

"O mundo é um ser animado, dotado de consciência e razão" (pag. 41), a partir deste ponto de vista a discussão na ágora passa a refletir o cosmos como um grande animal – se antes a ágora era extremante mítica, agora a ágora (a partir dos Estóicos) passa a investigar a ordem cósmica da natureza. A ordem cósmica define o mundo com um grande animal. Este grande animal é capaz de viver numa ordem perfeita. A manifestação da ordem perfeita é a manifestação da natureza do mundo diante de nós. O autor leva em consideração que a manifestação da natureza contém em si algumas causas não naturais, como as catástrofes naturais, por exemplo. Mas é o papel da filosofia investigar a manifestação da natureza de forma.

A outra vertente da proposta filosófica é a questão da justiça. A noção de justiça prevê a idéia de ajustar-se. Ao afinar um violão o músico busca o equilíbrio entre o esticar da corda com a idéia de alcançar o tom desejado. A afinação é um processo de justiça, porque a corda do violão será esticada até possuir o tamanho justo para a afinação. Para compreender a ordem cósmica perfeita é necessário o estado de justiça entre os homens.

O amor a sabedoria completa o eixo aqui discutido. O exercício da razão prevê um comportamento onde o ser humano busca explicações sustentáveis para todos os problemas que o acercam. A salvação filosófica quer libertar o ser humano de seus medos fazendo-o agir para conquistar as glórias. Essa conquista nos remete a filosofia como ação salvífica de si mesma e ou do outro que busca a sabedoria também. Se a concepção mítica tratava seus deuses apenas como um ponto de origem, aqui o movimento filosófico vai buscar olhar para as divindades com um equilíbrio forte entre diversas partes de um todo cósmico mantendo o equilíbrio da ação salvífica.

A VITÓRIA DO CRISTIANISMO SOBRE A FILOSOFIA GREGA

A partir da aceitação do cristianismo dentro do Império Romano (que criticava políticos e filósofos abertamente) dá-se uma nova perspectiva no campo das idéias na história da humanidade – o domínio do cristianismo. O ideário cristão buscou uma personificação do kosmos na pessoa do Cristo. As idéias cristãs começam a influenciar toda uma multidão do mundo ocidental conhecido e aquele que haveria de ser conhecido também, não apenas no campo da fé, mas também na dominação política.

A descrição do evangelista João logo no início de seu Evangelho demonstra claramente uma influência do pensamento do divino ligado diretamente a idéia do kosmos. Ao descrever a infinito onde tudo do verbo há claramente uma tentativa de personificar e concretizar o abstrato. Uma continuação daquilo que os gregos da physis e estóicos fizeram. O logos grego é trazido de um universo impessoal para um campo pessoal, diferente das escolas anteriores. O domínio da razão buscado pelos estóicos é substituído gradativamente pelo uso da fé enquanto agente de condução à verdade.

A condução da verdade por meio da fé reduz a área de atuação da filosofia. Antes a filosofia era um ato que buscava respostas para todos os grandes problemas da humanidade. O domínio das idéias cristãs faz com que a filosofia seja nada mais do que uma serva adicional ao poder de verdade da teologia. As verdades de fé, dogmáticas, devem conduzir o ser a um encontro pessoal com o logos no kosmos personificado e vivo. Os templos religiosos são usados como um meio para difundir tais idéias a todas as camadas da população. O que antes era um privilégio apenas de uma elite pensante, as questões dogmáticas agora são difundias em todos os púlpitos para todos os públicos.

Não é possível tecer apenas uma crítica ao período de domínio do cristianismo junto aos estados. Houve também algumas contribuições dentro do campo da ética que merecem ser nomeadas. Entre as contribuições podemos citar: (a) A idéia do livre-arbítrio; (b) O imperativo interior que está atendo as leis exteriores que regem a vida humana (idéia que será posteriormente retomada e alterada por Kant) e (C) A percepção do ser humano enquanto um ser dentro da humanidade. O problema da humanidade se volta novamente para a questão da imortalidade. O ser que busca suprimir o problema da imortalidade faz uma projeção da crença da paixão, morte e ressurreição de Cristo onde com ele todos nós, seres humanos, conseguiremos a vitória da vida sobre a morte, na ressurreição eterna.

O HUMANISMO OU O NASCIMENTO DA FILOSOFIA MODERNA

A ruptura religiosa proposta pela filosofia moderna nascente quer trazer a salvação ao homem. Parece, por si só, uma tanto que contraditório tal ação. No desmoronar das teorias e da ação cultural medieval, o ideário humanista propõe uma nova orientação a práxis filosófica. A retomada renascentista dos greco-romanos não sugere a tomada do cosmos como algo autoritário e de mediação, mas sugere o saber humano ligado aos fenômenos naturais. Estar ligado não é necessariamente a idéia de pertença a tais fenômenos.

Para o pensador francês Rousseau o ser humano possui uma capacidade de se aperfeiçoar buscando novas soluções ou fazer do mal um projeto. A construção projetada do mal, sugerida pelo filósofo francês, aponta a idéia da construção de códigos que garantam certos encaminhamentos para a sobrevivência da espécie. Esses códigos direcionariam o ser evitando a prática excessiva do egoísmo, portanto algo necessário. O ser humano é em si mesmo um animal desnaturado, o que justificaria o egoísmo e por conseqüência a necessidade das regras. Aqui a palavra desnaturado é tomada como antinatural. A afirmação antinatural de Rousseau é justificada nas ações metafísicas que são tomadas pelo ser humano. Nenhum outro animal, que temos conhecimento, age impulsionado por justificativas metafísicas, apenas o ser humano.

Kant bebe da fonte de Rousseau. Diferentemente do francês, Kant vai olhar para o ser humano  buscando não apenas justificar o egoísmo presente, mas propondo um método para a salvação. O novo ordenamento do cosmos que toma forma a partir do renascimento propõe um olhar diferenciado sobre o ser humano. Se no mundo grego antigo o ser humano é olhando como uma mediação entre os átomos, entre os iguais, agora ele é tomado como fim em si mesmo. O olhar finalista não pretende como em Aristóteles e Epicuro a reflexão sobre o fim da ação humana, mas uma nova proposta de salvação. A virtude humana, em Kant, é voltada para o bem comum, mas o bem comum deve ser visto universalmente onde a ação dos seres é uma ação desmotivada de interesses pessoais. Mas, a natureza humana necessita de regras que garantam uma determinada ordem (diferente do principio de ordem cósmica sugerido na Grécia Antiga) entre os iguais. A idéia de humanidade aqui é uma idéia onde é abraçada a soma dos interesses individuais visando o bem coletivo. Aqui se funda os princípios teóricos largamente difundidos pelos republicanos – o bem coletivo.

Antes de chegar a toda esta discussão proposta por Rousseau e Kant, há outro marco referencial na filosofia moderna: Renè Descartes. O pensador do cogito sugere através da dúvida metódica três idéias que levam o ser humano a uma justificativa de suas ações. As três idéias são: (a) buscar um critério de verdade que seja subjetivo através da dúvida metódica; (b) a rejeição do ideário da tábua rasa e a (c) rejeição da verdade imposta através de critérios de autoridade tradicional. Este último tópico direciona a reflexão para uma nova perspectiva moral, uma perspectiva de rejeição de diversos aspectos vigentes e dominantes das classes intelectuais européias, portanto uma ruptura com o status quo.

A reflexão sobre a contribuição deste período histórico sugere um questionamento importante sobre a epistemologia nascente entre os racionalistas. Se o conhecimento for de fato uma ação construtiva, passiva de transformações, onde estarão fundados os modelos morais? A negação do ordenamento cósmico, e por conseqüência a negação do divino, sugerem uma perspectiva moral deficitária diante da salvação. Para resolver este problema Kant, sugere as ações morais submetidas ao imperativo categórico – um novo modelo de fé. A fé aqui não é tomada como uma relação apenas metafísica, mas sim como uma garantia de ordem diante entre os humanos.

A PÓS-MODERNIDADE: O CASO NIETZSCHE

O autor neste capítulo tenta mostrar o processo de salvação na pós-modernidade. Há um pensamento de salvação em Nietzsche? Apesar de inúmeros pensadores e intelectuais apontarem o contrário, o autor insiste na idéia demonstrando os aspectos que serão descritos para justificar o pensamento da salvação em Nietzsche. Abordará Nietzsche sob a sobra da Pós-Modernidade. Cabe lembrar que o conceito de "Pós-Modernidade" ainda não é um conceito homogêneo, havendo ainda discordância sobre o fato, mas Luc Ferry o aborda como algo aceito.

O período da pós-modernidade é marcado pela crítica ao racionalismo e ao humanismo. Durante o período moderno da história ainda se manteve inúmeras características do período medieval, principalmente os ideários religioso. Não há um corte abrupto. É necessário para a re-organização da sociedade um rompimento de todas as estruturas arcaicas que ainda estão presentes, diria Nietzsche. Estas estruturas estão representadas nos julgamentos ideológicos e nas formas de controle da massa. A filosofia tem um papel fundamental neste reconhecimento, onde caberá a ela a desconstrução de todas as ilusões. Mas, as ilusões não permanecem apenas na religiosidade medieval, mas também está presente das formas políticas atuais.

A filosofia para Nietzsche busca criar novos espaços de reflexão. A origem destes espaços está pautada sobre uma interpretação sensata. Esta interpretação deve despir-se dos conceitos e práticas utópicas que são próprias da democracia. A democracia é uma falsa estratégia onde as massas dominadas reagirão com a intenção de garantir o poder aos seus ídolos. Tudo não passa de uma nova estrutura ilusória para Nietzsche, o homem que não se reconhece como ser pensando é um ser que vive cego  no mundo. O homem contemporâneo, em certo grau, supera os ídolos medievais, mas se deixa conduzir por novos ídolos e nele o destaque ao ídolo do poder. A falsa idéia de democracia se parece viva porque ela promete ao indivíduo a plena igualdade jurídica e política, trancando-o em uma nova ilusão. Na sela trancada o indivíduo não possui uma capacidade cognitiva capaz de conhecer e reconhecer a dualidade entre bem e mal, deixando-se levar pela falsa moral.

"A verdade se afirma quando afasta os erros que se encontram na história da ciência" (pág. 198). Ao buscar o significado da verdade em Nietzsche estará o interlocutor buscando o pensamento da salvação. Esta verdade não é meramente um conceito científico ou um ideal reproduzido por algum discípulo, é mais do que isso. É preciso superar as limitações e ir além daquilo que é sensível sabendo reconhecer os erros das formulações universalisantes. Diante da matemática, que é universalisante é preciso tomar a postura do artista. O artista é aquele que vai abrir as perspectivas da vida, é aquele que consegue transmitir uma mensagem transcendo os limites da racionalidade. Nietzsche não nega a racionalidade, mas aponta que o devemos refletir levando em consideração as forças reativas (intelectuais) e ativas (arte) para num equilíbrio buscar o pensamento da salvação.

Na busca do equilíbrio encontra-se a estrutura do ato moral. A moral não é uma simples aceitação da tradição, caso fosse, seria castradora. A moral sugere um despir-se por completo de toda e qualquer forma de hipocrisia. A hipocrisia moral ocorre quando o indivíduo é incapaz de controlar as forças que habitam dentro de si. Prova que Nietzsche não nega a racionalidade está na afirmação do autor onde ele diz que é necessário domesticar nossas emoções, pois nesta domesticação surgirá então a superação da metafísica e da religiosidade mítica, porque estas formas apenas fazem aflorar a emoção.

A libertação da emoção fará o indivíduo salvar-se do medo que o aprisiona na insegurança. A insegurança é uma forma de algemas que faz o individuo transitar direto do passado ao futuro ignorando a tênue linha chamada de presente. A linha frágil do presente poderá marcar o pensamento da salvação a partir de uma reflexão que busca compreender o mundo como ele é em si. Compreender a realidade sem o uso de falsas idéias que não se condizem.

DEPOIS DA DESCONSTRUÇÃO: A FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA

Os que criticam o pós-modernismo afirmam que nós ainda não superamos a problemática e a conceituação que surge com o iluminismo. Mas a filosofia pós-iluminista segue caminhos diferenciados. Podemos ter ainda os mesmos problemas, mas as soluções exigem dinâmicas diferentes e estas novas dinâmicas nos permitem afirmar que há sim um pós-modernismo. Novas soluções, portanto, novas investidas. Mas este caminhar não é uníssono, há duas linhas conceituais que devem ser respeitadas: a linha da desconstrução que partiu de Marx, Freud e Nietzsche chegando a Althusser, Lacan, Foucault, Deleuze e Derrida entre outros a os tradicionalistas que seguem o caminho da procura filosófica, principalmente a corrente da filosofia analítica e da linguagem. O autor se posiciona nesta encruzilhada propondo uma postura holística ou pensamento alargado, como ele mesmo diz, diante das partes.

Diante das duas possibilidades de reflexão o autor aponta o caminho traçado por Heidegger. O filósofo alemão direciona que nossos atos estão num mundo onde a verdade está no ato de conhecer o mundo da técnica. A técnica é superior aos conceitos metafísicos e ela vai levar o ser humano ao rompimento definitivo do irracionalismo medieval. A técnica seria responsável pela dessacralização em favor do ideário científico. A aplicação da eliminação dos ídolos descrita por Nietzsche aconteceria diante das explicativas empíricas da prática científica, não importando os meios, mas sim o fim, que seria a ciência, portanto é possível afirmar que o mundo caminharia para uma racionalidade instrumental: "o progresso não tem outro fim, além de si mesmo".

O argumento de Heidegger apresenta duas problemáticas sobre a filosofia em si: primeiro, ela vai além das ciências humanas; segundo, é preciso transcender o materialismo. E diante desta possibilidade de discussão o filósofo Husserl fala da transcendência da imanência.  A construção de Husserl fica clara quando ele apresenta a metáfora do cubo. Sabemos a priori que um cubo possui seis lados, porém, nossos olhos são incapazes de vê-los simultaneamente, apenas observamos partes, mas temos a idéia do todo experimentando as partes. A metáfora aqui aplicar-se-á ao campo dos valores. A filosofia contemporânea sugere uma transcendência dos valores indo além do materialismo da técnica. A filosofia não poderá ficar apenas no campo tecnicista, como também não será apenas uma auto-reflexão. Para justificar tal posição devemos levar em consideração três etapas fortes do conhecimento: os gregos que direcionavam para o cosmos e para a natureza o saber; os modernos que vislumbravam a ciência e o período pós-Nietzsche que sugere o conhecimento a partir de uma autocrítica e auto-reflexão. Tal posição justificaria a discussão da moral onde se deve olhar não mais para a dessacralização do humano, mas sim sua sacralidade independente do peso das instituições.

Para justificar e concluir a obra o caminho para a salvação neste período dar-se-á mediante a sacralização do homem levando em conta três aspectos fundamentais: a) o pensamento alargado; b) a sabedoria do amor e c) o luto do ser amado.


Autor: Albio Fabian Melchioretto


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