Democracia, Carolina



"A democracia consiste em dar a todos o mesmo ponto de partida. Quanto ao ponto de chegada, isso depende de cada um."

Em 1984, após vinte anos de ditadura militar, o povo clamava pela democracia. Chega de tortura, repressão, censura. Operários, estudantes, donas de casa, trabalhadores informais, todos gritavam em uníssono: "Diretas já!" E enfim, ela veio. Raquítica, desnutrida, havia sido torturada durante anos e o povo não a entendia. Alguns a traduziram apenas em liberdade de expressão e direito de ir e vir. E assim permaneceu.

Em 1955, Carolina Maria de Jesus, uma catadora de papelão, começou a relatar sua vida em um diário, escrito em cadernos que havia achado no lixo. Vivia com seus três filhos na Favela do Canindé, que mais tarde seria extinta para a construção da Marginal Tietê. Nos diários, Carolina faz um relato triste e cruel de sua sobrevivência, suas decepções com os homens, os políticos com a vida na favela. Lá não havia água encanada, saneamento básico e a luz elétrica era mantida por pessoas gananciosas que cobravam preços exorbitantes para mantê-la. Era negra, pobre e mulher. Fatos que faziam ela não conseguir sair do "Quarto de Despejo". Vários governos vieram e Carolina continou vivendo da mesma maneira.

Passados 50 anos as coisas continuam como Carolina as via. Milhões de brasileiros passam por aquilo que ela relatou em seus escritos. Mas, agora os brasileiros podem falar o que querem, votar em quem querem. Obrigados, mas podem. A democracia veio, mas ninguém a entende. Até mesmo para alguns políticos. Às vezes o mais votado não vai ao poder. As cadeiras já estão marcadas. Não é quem tem mais voto que irá representar o povo. É o partido que tem mais cadeiras. Mas, o que estará sendo representado são os interesses do partido. Bem democrático, não? Eles fazem as leis e não podemos votar se somos a favor ou não. Apenas aceitamos. Ganham milhões enquanto a maioria vive, ou melhor, sobrevive com alguns reais. Férias de 90 dias, 14º salário e mais outro salário para começar o próximo ano, enquanto nosso 13º eles querem até mesmo extinguir.

Quem ainda tem dinheiro para ir ao banco pagar suas contas se depara com outro caso. Parece até mesmo apartheid social. Aqueles mais bem dotados financeiramente são atendidos separadamente, com direito a cafezinho, sofá macio, biscoitos. Se você não for um desses, desculpe. Infelizmente terá que ficar, pelo menos, uma hora na fila até ser atendido.

Quando a democracia chegou foi preciso elaborar outra constituição. Nela continha um artigo o qual todos os brasileiros estavam esperando há anos. Nele constava que o salário mínimo deveria ser o suficiente para o cidadão poder arcar com despesas de transporte, saúde, lazer, educação, moradia, alimentação. Enfim, todos os elementos básicos para uma vida digna. Mas, para manter a saúde foi preciso criar o IPMF, que era provisório. Depois virou CPMF, que foi extinto. Agora querem voltar com o mesmo imposto, mas com o nome de CSS. Um imposto que arrecadou bilhões durante anos poderia ter transformado a saúde pública do Brasil em uma das melhores do mundo. A educação pública cada vez pior, cada vez mais fraca. A cesta básica leva, mais ou menos, 1/2 do salário mínimo. Temos liberdade de se expressar, mas por que não temos liberdade de mudar tudo isso? Por que não somos consultados quando algum direito nosso é tirado, quando algo é negado a nós?

A definição de democracia no dicionário HOUAISS é: "1.Governo em que o povo exerce a soberania 2.Sistema comprometido com a igualdade social."

Não sei que dicionário os políticos usam(se é que alguns são capazes de saber o que é isso), mas com certeza não é esse.

A democracia chegou, Carolina. Mas, infelizmente, ela foi suplantada pela burocracia, pela demagogia e principalmente pela plutocracia. Porém, graças a ela hoje eu posso escrever essas linhas.


Autor: Alexandre Assis


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