Sublime viagem



Aqui começo a minha viagem. Uma viagem longa e repleta de aventuras diante da minha noite de silêncio quando, em meu voo sereno, mergulho na realidade de um mundo completamente diferente, onde todos têm a sua liberdade, onde todos possuem o direito de conhecer o mais alto firmamento possível. Talvez seja um pouco estranho lhe revelar que me sinto um pássaro. Um diferente pássaro no meio de tantos outros, que se tornaram meus amigos ao passar do tempo, e que você nem possa compreender a minha viagem, a que tanto procuro não mais terminar.

         Começo o meu voo sobrevoando as praias, os campos, as cidades, as colinas, observando a pureza desse novo mundo onde o homem ainda não ousou conquistar. Onde os pássaros constroem seu velho templo no transcorrer de séculos e séculos de aventuras, e me pergunto se este não é o meu verdadeiro mundo, do qual me sinto completamente familiar.

         Por alguns momentos, encontro-me sozinho em meu silêncio, escutando apenas a canção suave do vento sobre as minhas asas e o murmurar distante de seu sopro nas montanhas, sem perceber que, de longe, estou sendo observado pelos meus novos companheiros de jornada, os quais ainda não conheço, mas que sinto completamente satisfeito em estar com eles a partir deste momento em toda a minha viagem.

         Mais alguns minutos de viagem e me encontro sobrevoando vales, lagoas, enfim, uma imensa floresta verde. Quem sabe, a mais bela floresta do planeta Terra. Contornando levemente em silêncio, procuro por alguns momentos pousar discretamente  no mais alto do topo da floresta, sendo de imediato saudado pelos seus habitantes e viajores com eu.

         Confesso que sinto-me bastante feliz e completamente realizado. Como gostaria de ser eternamente um pássaro! Fugir para sempre da realidade humana e ingressar de uma vez por todas nesse verdadeiro mundo!

         Sinto fome! Já é hora de descer um pouco e colher alguns grãos como muitos outros. Sinto-me um pouco encabulado, talvez por me encontrar ainda preso ao meu lado humano, mas como estou estreando minhas próprias aventuras, não vale apena recuar.

         Engraçado! Já me sinto familiar com a comida e com o próprio modus vivendis dos pássaros... Se não estivesse consciente da minha viagem noturna sobre o menos infinito, ainda ousaria perguntar se este não é o meu verdadeiro mundo!

         Depois de um belo encontro com meus novos amigos, levanto voo em busca do ocidente, pressentindo a noite que surge de mansinha, convidando a todos para o último encontro de despedida daquele maravilhoso dia.

         E a noite transcorre suavemente. Já não mais conheço o frio porque me encontro bastante protegido sob minhas penas, sobre um vasto galho de um velho umbuzeiro, envolto de amigos que se tornaram vizinhos por aquela noite.

         Cedo me acordo com o despertar dos colegas saudando o novo dia. Quantas canções lindas aprendi com eles, além do puro exemplo de valorização da vida! Na verdade, meus amigos nunca aprenderam o que significa tristeza, muito menos cansaço, e mais uma vez me pergunto se este não é o meu verdadeiro mundo que tanto insisto em sentir-me familiar.

         Já é hora de alçar o meu voo e dar continuidade a minha viagem. Meus amigos demonstram-se alegres com a minha decisão e me seguem em silêncio através de pequenos grupos. Todos já pressentem que a minha viagem já estar chegando ao fim, ao mesmo tempo sinto-me angustiado por saber que tão brevemente terei que me despedir dos amigos e voltar para o meu mundo.

         Já não mais sinto coragem de pousar na Terra. Depois de tantas aventuras, nada é melhor do que o prazer em me sentir tão alto! Talvez maior que os próprios pássaros que me dão espaço para alçar o meu voo no mais sublime azul, tão menos infinito.

         Por um instante, penso em não voltar ao meu tão estranho e complicado mundo, onde a liberdade é limitada e traiçoeira, quando de repente, em meu voo sereno, volto a observar do alto a realidade presente.

         E às vezes sem querer, mergulho no meu passado distante e me vejo diante das aventuras da vida. Quando em meu mundo, não tive a felicidade de encontrar amigos que se dispusessem a viajar comigo, a compartilhar com as minhas pequeninas aventuras.

         Finalmente, ergo minhas asas em busca do horizonte, como fazem os diversos viajores que me seguem horas e horas em silêncio, me observando de longe com respeito.

         Sem querer, aos poucos sou convidado a regressar do meu verdadeiro mundo. Não sinto coragem para terminar a minha viagem e me limito a escutar os meus queridos amigos entoarem num só canto: “não vá amigo! Fique mais um pouco! Vamos prosseguir nossa viagem...!”.

         Desperto em silêncio diante de todos aqueles pedidos que vão silenciando aos poucos, fazendo-me retornar à realidade desse velho mundo, onde me dedico unicamente a relatar-me minha viagem, a mais bela viagem que fiz ao meu verdadeiro mundo, mesmo sabendo que ele existe apenas dentro do meu próprio ser e que ninguém jamais poderá conhecê-lo ou conquista-lo...

         Dentro de mim, algumas indagações vão surgindo ao passar do tempo: será que ainda os verei­­­? Como será daqui pra frente, tão distante dos meus amigos? Não seria melhor ter ficado com eles para sempre...?

         Realmente, meu prezado amigo, é difícil tomar uma decisão em um momento como este. Principalmente quando sentimos que e estamos no nosso verdadeiro mundo, mesmo sabendo que vivemos hoje uma realidade completamente diferente, onde todos procuram conquistar certos espaços na vida, descobrir novas aventuras já conquistadas e descobertas por outros.

         Para você, será difícil compreender o que sinto neste momento, mas ainda tenho minhas esperanças em poder um dia lhe transmitir o máximo possível a minha viagem, pois, como tudo o que não pode ser tocado com a mão ou visto com os olhos da alma, seu presente torna-se mais forte à medida em que se narra, e esta é a melhor forma de descrever minha viagem.

         Recordo-me à distância do meu amigo e professor Nivaldo, com sua celebre frase em sala de aula, cujo autor eu desconheço: “você não tem o dever de alcançar o meu voo. Como também, não tem o direito de me impedir de voar”, e observo durante toda a minha inesquecível viagem que, no mundo dos pássaros, não se faz necessário competir para vencer os obstáculos da vida, mas, apenas vencê-los.

         Cada pássaro que se encontra em um grau evolutivo mais avançado, consegue, pari passu, a admiração e estima dos demais pássaros que o observa com respeito e procuram seguir seus passos na seara da vida.

         Hoje, enfim, me limito apenas a meditar sobre a minha viagem, na esperança de um dia encontrar-me novamente com meus amigos, que por alguns momentos estiveram comigo durante toda a minha viagem, no transcorrer de minha noite, sobre o meu verdadeiro mundo de pássaro, e não me canso de olhar-me a cada instante, na esperança de que cresçam minhas asas para que eu possa, para sempre, alçar o meu voo de liberdade, sublime estado de espírito que o mundo até hoje desconhece.

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Autor: Henrique Eduardo De Oliveira


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