Credibilidade e expectativas: a crença na perfeita racionalidade dos agentes e o prêmio nobel de economia 2011
Leonardo Xavier da Silva[1]
Na última segunda-feira (10/11/11) foi feito anúncio do prêmio Nobel de Economia, último da edição 2011 que premia, entre outras áreas, pessoas com contribuições notórias em medicina, literatura, física e causas pacíficas (Prêmio Nobel da Paz). O prêmio de Economia, cujo nome oficial é Prêmio Sveriges Riksbank de Ciências Econômicas em Memória de Alfred Nobel, passou a ser entregue em 1968 e não integrava o grupo original de prêmios definido no testamento de Alfred Nobel (de 1895). Dois economistas norte-americanos foram agraciados com a láurea, em 2011: Cristopher Sims (atualmente, professor da Princeton University) e Thomas Sargent (atualmente, professor da New York University). As justificativas para serem premiados foram que as pesquisas sobre causa e efeito na macroeconomia de Sims e Sargent ajudaram a entender os efeitos de mudanças sistemáticas de políticas macroeconômicas. Sims acabou por direcionar suas pesquisas na compreensão de como choques exógenos às variáveis macroeconômicas se espalham. Sargent, por sua vez, desenvolveu teses baseadas na hipótese de expectativas racionais (a exemplo do que fizeram Muth, em 1960, e Lucas, 1972, citados por Werlang, 1998), e na capacidade de aprendizagem dos agentes, diante das interpretações de séries de dados econômicos, ao longo do tempo.
Mas, todas as informações acima provavelmente já foram lidas por aqueles que estudam economia, ou que, pelo menos, têm curiosidades acerca desta área de conhecimento. De toda forma, manifesto-me neste breve texto para expressar que compartilho de duas afirmações do professor Thomas Sargent, a partir da notícia do prêmio: a primeira de que estava surpreso por tê-lo recebido e a segunda de que há atualmente nos bancos centrais de todo mundo economistas discípulos das hipóteses e teses construídas (de forma independente) por ele e por Sims. Sobre a segunda afirmação, isso é fato e as próprias decisões de política monetária, especialmente do “mundo rico” (países que compõem o G7), confirmam a aplicação das hipóteses das expectativas racionais. Sobre a primeira afirmação, a surpresa é porque a crença no uso de política monetária calcada no enfoque das expectativas racionais, muito bem elaborada, por exemplo, pelo próprio Sargent, tem contribuído para o “mundo rico” navegar por mares de crises com freqüência cada vez maior. Desta maneira, a meu ver, as duas afirmações do professor Sargent se complementam. Manifesto minha surpresa também porque o prêmio deste ano parece estar descolado da realidade mundial atual, ainda que a reportagem da revista “The Economist”, de 10/10/2011, tenha grifado que a hipótese das expectativas racionais defendida por Sargent “não pode ser mal interpretada”.
Para sustentar meu susto com a premiação, permitam-me mencionar algumas hipóteses da abordagem das expectativas racionais, resumidas pelo professor Simonsen, em artigo de 1986: a) os agentes econômicos conhecem um modelo quantitativo que, salvo a ocorrência de perturbações estocásticas, determina o comportamento das variáveis endógenas em função das exógenas; b) todos os agentes econômicos dispõem do mesmo conjunto de informações, formando por isso as mesmas expectativas quanto ao comportamento das variáveis exógenas; c) com essas expectativas e com o modelo, os agentes econômicos chegam às suas previsões quanto ao comportamento das variáveis endógenas; d) cada agente acredita que todos os demais formulam suas previsões com base no mesmo modelo e nas mesmas projeções das variáveis exógenas. Este último pressuposto, conclusivo para Simonsen, diz respeito à credibilidade e, mais especificamente, à credibilidade das políticas econômicas das autoridades monetárias. Isso quer dizer que não basta a política econômica ser boa, ou ter boas intenções, como, por exemplo, variações na taxa básica de juros, todos precisam acreditar que o uso do instrumento de política econômica permitirá ao banco central alcançar seu objetivo (sua meta inflacionária, por exemplo). Ainda, para fazer valer a racionalidade das expectativas, é preciso resgatar pressupostos da economia neoclássica da metade do século XIX: há perfeita racionalidade dos agentes, a informação está acessível a todos, os mercados são perfeitamente competitivos. Bem, se para mim já estava difícil conectar a realidade aos pressupostos das expectativas racionais, por falta de evidência empírica, parece que essa ligação fica mais difícil, quando tais pressupostos estão baseados nessas últimas hipóteses.
Parece que, a partir daqui, a nossa surpresa (minha e do prof.Sargent – a propósito, ele não me conhece, o que é óbvio) com o prêmio de Economia começa a se justificar. Afinal de contas, acreditar que teremos todas as informações que precisamos para tomar uma decisão e, além disso, sempre acertarmos na decisão tomada, apesar de todos os avanços da informática e da tecnologia de transmissão de dados, parece estar no campo da ficção, ainda hoje. E mais: quando a idéia é de que acertemos na decisão a ser tomada, não quero dizer em decisão individual. Mas, sim, numa decisão similar e ótima de todos os agentes econômicos de um país sobre, por exemplo, aplicação de usos de instrumentos de política fiscal e monetária e seus efeitos sobre os preços, produto e emprego de toda a economia. Ou seja, se todos têm expectativas sobre o uso desses instrumentos, conforme sua finalidade de conter preços, ou, alternativamente, de promover o crescimento do produto interno, essas expectativas terão de ser as mesmas, para que as políticas sejam as corretas. E, ainda que isso tenha como premissa a de que todos nós no longo prazo aprendemos como as coisas acontecerão (provado matematicamente pelos modelos de expectativas racionais), parece-me ser ainda fundamental o poder de persuasão das autoridades monetárias e fiscais para convencer os agentes econômicos sobre o uso das políticas.
Essa credibilidade das autoridades da área de economia, observada no mundo todo (peço desculpas pela generalização grosseira), tem diminuído perigosamente, quando países como a Alemanha (que merece uma discussão específica) têm tido dificuldades de encontrar saídas para as crises da zona do euro. Talvez, então, seja o momento de dar a algum popstar “politicamente correto” o posto da presidência do Banco Central Europeu, ou no Federal Reserve (FED – Banco Central dos Estados Unidos). Ou, mesmo, do Banco Central do Brasil, já que, pelas últimas ações, o nosso presidente se revelou crítico e cético em relação às expectativas racionais e ao aprendizado dos agentes econômicos. Pelo menos nos moldes das hipóteses defendidas pelos professores agraciados com o Prêmio Nobel de Economia de 2011.
Para terminar, afinal de contas, se as expectativas são racionais e se aprendemos a interpretar adequadamente as variáveis que nos afetam no longo prazo, por que o professor Sargent recebeu com surpresa a notícia de ter sido laureado com o Prêmio Nobel de Economia? Talvez, ele tenha que revisar seus modelos.
Referências
EXAME. Nobel de Economia para os americanos Thomas Sargent e Christopher Sims. Exame.com. Disponível em http://exame.abril.com.br/economia/mundo/noticias/nobel-de-economia-para-os-americanos-thomas-sargent-e-christopher-sims-3. Acesso em 10 de outubro de 2011.
G1 ECONOMIA. Nobel de economia 2011 vai para Thomas Sargent e Christopher Sims. Disponível em http://g1.globo.com/economia/noticia/2011/10/nobel-de-economia-2011-vai-para-thomas-sargent-e-christopher-sims.html. Acesso em 10 de outubro de 2011.
SIMONSEN, M.H. Keynes versus expectativas racionais. Pesquisa e Planejamento Econômico. Rio de Janeiro, ago./1986. p.251-262.
THE ECONOMIST. How to now what causes what: the Nobel Prizes in Economics. Disponível em http://www.economist.com/blogs/freeexchange/2011/10/nobel-prize-economics. Acesso em 10 de outubro de 2011.
WERLANG, S.R.C. Simonsen, inflação, expectativas racionais e os pós-keynesianos. Revista Brasileira de Economia. Rio de Janeiro, RBE, fev./1998. p.161-64.
[1] Professor do Departamento de Ciências Econômicas da UFRGS.