Ética e a urgência do pensar



          A investigação da acepção de escuridão existente na sociedade atual é crucial para que possamos identificá-las e eliminá-las, partindo do pressuposto de que um povo convivendo sob a égide de uma sociedade obscura representa um retrocesso e empecilho de evolução.

           Há que se advertir que a mais significativa expressão de escuridão fortemente estabelecida na atualidade é o domínio da classe dominante em detrimento dos mais fracos criando um quadro nítido e clássico de opressão social, inteiramente correlacionado com o contexto histórico e cultural. Deve-se acrescentar ainda que subsidia de mecanismos para que corresponda a um processo em efetiva vigência, através dos meios de comunicação formadores de opinião em massa, a educação que revela-se como um instrumento de contensão da razão obstaculizando a construção de um indivíduo crítico e engajado em discussões políticas, procura-se grifar ainda, os meios de alienação existentes que apresenta-se como nítido resgate da política do pão e circo evidenciado na Roma Antiga, afim de fornecer divertimento a sociedade visando distração, considerado que o contexto social revestia-se de profundas mazelas.

          Segue-se que, o progresso científico torna-se inacessível para os menos favorecidos de forma imediatista, pois é usufruído principalmente pela classe dominante que possui condições para custear as inovações, e diante do exposto sustenta-se que é uma lástima evidenciar a situação de indivíduos que sofrem e morrem por doenças e mazelas das quais já se encontram soluções plausíveis, mas que não podem desfrutar devido à ausência de condições financeiras. Nesse contexto de considerações é que dar-se o quadro de opressão, fornecendo aos oprimidos o insuficiente para a subsistência (salário mínimo), contudo tal método se faz falho, pois a sociedade reconhece à impossibilidade de custear as necessidades básicas com o salário mínimo, consciente desse aspecto a classe dominante fornece programas que servem especificamente para criar uma relação de dependência e paternalismo estatal.

           Portanto o contexto de escuridão social opressiva é elemento basilar e concreto histórico que caracteriza a sociedade contemporânea, diante disso vale dizer que impossibilita a realização ética humana, compartilho da acepção aristotélica de que esta capacidade prática de viver com retidão é inteiramente dependente do contexto em que vive o indivíduo, contudo não é plausível repreender severamente o individuo diante de uma postura ausente de ética, pois o contexto de nítida opressão não o possibilita desenvolver essa razão prática tão almejada.

           Nesse contexto é pertinente a discussão em torno de felicidade. Defendo que atualmente não é viável devido às condições de alienação a qual me referi, todavia é importante frisar que a felicidade deve ser amplamente almejada, pois se vislumbrarmos a impossibilidade de alcance da felicidade, torna-se de fato impossível. Ao passo que depende exclusivamente da classe oprimida para que se possam concretizar as virtudes essenciais na sociedade contemporânea que são: respeito mútuo, justiça, igualdade e liberdade que devem ser comungados socialmente e não no âmbito individual, além de que são interdependentes em sua aplicação e condicionam-se a vida racional (liberto da escuridão) para que assim sejam efetivas medianamente.

             Nesse sentido foi que me propus a analisar a temática contextualizando com o conceito que compartilhamos de ética. Faz-se certo que a definição de ética abrange a capacidade de ação livre e autônoma do individuo, consiste essencialmente em afirmar que implica em um processo de decisão. Ora, se partirmos desse pressuposto cumpre-nos asseverar que esta liberdade implica responsabilidade sobre a esfera exterior de nossas ações, e em decorrência dessa responsabilidade deriva-se a força coativa psíquica ou social para as ações que ferem os valores moralmente aceitos. Diante do exposto defendo que o indivíduo de fato dispõe de autonomia reflexiva para as suas ações, todavia, essa reflexão não é totalmente livre e independente, pois, encontra óbice em uma ‘filtragem’ que a própria sociedade realiza acerca das ideologias resultantes de seu posicionamento crítico. Diante disso resta ao indivíduo render-se a observância do repúdio aos seus questionamentos, ressalvo quando o mesmo sujeito procede eficientemente no processo de divulgação e aceitação da sua ideologia, compartilhando de um contingente significativo de seguidores.

           Retomando-se a alusão acerca de poder e englobando as idéias anteriormente expostas, defendo que: nós indivíduos buscamos incessantemente o poder justamente para gerar em nós o estado de não submissão, alcançar em sua totalidade a idéia de liberdade acerca de nossos questionamentos, considerando a infeliz realidade de censura moral acerca de nossas reflexões, limitando a postura ética de cada indivíduo, a intenção é libertar-se da condição de obediente e oprimido, tornando-se o dominador e opressor.

            Apontar o desafio ético que mais incomoda na atualidade é uma tentativa essencialmente dramática a que se propõe, pois se estará diante de uma reflexão cujo qual denota-se os mais significativos problemas da contemporaneidade. Esse processo de constatação de pluralidade de desafios éticos é primordialmente desencorajador, pois vislumbra-se a dificuldade de plano em apresentar soluções éticas efetivas, pois tais problemas são revestidos de complexidade, todavia surge imediatamente a necessária convicção de estabelecer diretrizes contundentes para operar esses problemas sérios que assolam a sociedade, afim de buscar melhorias. Resumidamente é um encargo do qual o individuo não tem a possibilidade de desvencilhar-se.

           Da discussão aludida poder-se-ia apresentar incontáveis problemas da atualidade brasileira que se desdobrariam em desafios éticos, por exemplo: corrupção, utilização demasiada dos recursos naturais, desigualdade social, ineficácia do Estado em garantir a efetividade na aplicação dos direitos sociais como saúde, educação, trabalho, moradia, lazer, segurança, proteção aos desamparados, entre outros. No entanto acredito ser possível identificar um problema precedente do qual originou-se todos os problemas atuais e que contribui diretamente para a durabilidade e enraizamento destes, é notório que esse problema tem precedentes culturais e históricos. Sem mais delongas ressalta-se que o maior desafio ético da atualidade é a inserção do pensar na sociedade, pois a profunda apatia intelectual, ausência de consciência coletiva e desmobilização político-ideológica são premissas para o surgimento dos problemas concretos a qual me referi.

           Vivemos em uma sociedade de controle, onde o indivíduo não possui a prerrogativa de pensar, e este é um desafio emergencial, pois a autonomia racional constrói o cenário ideal para incomodar, modificar, desestabilizar e provocar o poder dominante, pois através da força reacionária de cada cidadão buscam-se melhorias e é a mais significativa representação da derrocada de problemas clássicos encontrados na sociedade. Por fim este é o desafio da contemporaneidade: estimular a mobilização de intelectuais, erradicar a omissão e inércia da maioria e conscientizar as novas gerações para a urgência do pensar.

            O indivíduo tem a prerrogativa de modificar e renovar a percepção ideológica que lhe foi herdado e lhe é imposta.  Todavia defendo que quando suas conclusões ensejam em um descompasso com o que é moralmente aceito, o indivíduo reprime suas abstrações e compartilha falsamente com a ideologia majoritariamente aceita, sob pena de ser marginalizado socialmente por ser detentor de uma concepção filosófica diferenciada. A meu ver o poder seria um veículo para que o indivíduo se posicione hierarquicamente superior ao grupo social em que esteja inserido, e que fornece subsídios para que este extencionalize em condutas concretas reflexões que já lhe eram inerentes, construída em face da vivência social e privada.

           O que resulta dessa compreensão é que o desenvolvimento de uma sociedade emancipada é pressuposto para o progresso de uma ética de responsabilidade, aproximando a da moralidade e da inteligência e atentando a necessidade de um comportamento ético do ser humano com a natureza, a referida convicção foi admiravelmente defendida por Hans Jonas. A boa aplicação e a prática constante do pensar resultariam essencialmente em uma preocupação com o coletivo, com o público e com o institucional, modelo este apreciado por John Rawls a fim de construir uma teoria de justiça.

 

 Tatiane de gois Ferreira, estudante do 3° semestre de Direito, Universidade Católica de Brasília.

 

 

 

 

 

 

 


Autor: Tatiane De Gois Ferreira


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