Delação premiada á luz do ordenamento jurídico brasileiro



DELAÇÃO PREMIADA Á LUZ DO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

 

Autor: Josefa Alves da Costa Melo – funcionária pública e estudante de direito

 

 

O presente trabalho tem por objetivo estudar a Delação Premiada, instituto que tem por objetivo estimular a colaboração do agente do crime com a justiça, delatando o co-autor do crime praticado, em troca de diminuição de sua pena, expondo as leis que tratam do assunto em nosso ordenamento jurídico, os requisitos exigíveis para a obtenção do benefício, seu conceito, e seu valor.

Tal instituto se configura quando há a confissão, pelo réu, de haver participado do crime que lhe é imputado, bem como que seu companheiro também teve participação no mesmo delito, beneficiando-se assim, com a incriminação de seu comparsa, podendo ter sua pena diminuída ou alcançar o perdão judicial, desde que preenchidos determinados requisitos impostos pela lei.

A Delação Premiada foi introduzida em nosso ordenamento jurídico como meio de estímulo à elucidação e punição de crimes praticados em concurso de agentes, de forma eventual ou organizada, incentivando o réu a entregar seus companheiros, em troca de diminuição de sua pena, servindo como instrumento de diminuição da criminalidade, tendo sido introduzida em nosso ordenamento jurídico pelas seguintes leis: Lei Nº 8.072/90, art. 7º, o qual incluiu o § 4º no art. 159 do Código Penal; Lei Nº 7.492/86, art. 25, § 2º; Lei Nº 8.137/90, art. 16, § único; Lei Nº 9.034/95, art. 6º; Lei Nº 9.613/98, art. 1º, § 5º, bem como pela Lei Nº 9.807/99, art. 13.

A lei 9.269/95, em seu art. 1º, acrescentou ao art. 159 do Código Penal, o parágrafo 4º que passou a vigorar com a seguinte redação: “Se o crime é cometido em concurso, o concorrente que o denunciar à autoridade, facilitando a libertação do seqüestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços”.

Assim, de acordo com o disposto no citado artigo, o qual dispõe sobre os crimes hediondos, a condição para que a delação seja aceita pelo juízo como válida é a de que a delação seja feita “voluntariamente” e que a denuncia do concorrente facilite a libertação do sujeito passivo.

Segundo a Lei 8.072/90, que dispões sobre crimes hediondos, em seu art. 8º, parágrafo Único, dispõe que: “O Participante e o associado que denunciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, terá a pena reduzida de um a dois terços.”

Aplica-se quando há formação de quadrilha ou bando com o fim de praticar reiteradamente crimes hediondos ou equiparados e seja feito a delação por um dos co-autores partícipes, voluntariamente, e que desta delação resulte o desmantelamento do bando. Exige-se também que haja a reunião permanente de três ou mais pessoas, com a finalidade de cometer crime, conforme dispões o art. 288, CPB.

A Lei 7.492/86, que define os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, dispõe em seu art. 25, parágrafo 2º que: “nos crimes previstos nesta Lei, cometidos em quadrilha ou co-autoria, o autor ou partícipe que através de confissão espontânea revelar à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa terá sua pena reduzida de dois terços.”

Configura-se quando se tratar de crime econômico, quando praticado em quadrilha ou co-autoria. Se o co-autor ou partícipe, através de confissão espontânea, revelar à autoridade policial ou judicial, todos os detalhes do crime, terá sua pena reduzida de um a dois terços.

A Lei nº 8.137/90 define crimes contra a Ordem Tributária, econômica e contra as relações de consumo, em seu art. 16, parágrafo Único, o qual determina o seguinte: “Nos crimes previstos nesta Lei, cometidos em quadrilha ou co-autoria, o co-autor ou partícipe que através de confissão espontânea revelar à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa terá a sua pena reduzida de um a dois terços.”

Para ser aceito pelo Juízo, exige-se que seja um crime econômico, praticado em quadrilha ou co-autoria; que o co-autor ou partícipe, através de confissão espontânea, revele à autoridade policial ou judicial, toda a trama delituosa, e que tal confissão seja relevante na solução do caso criminal.

A Lei 9.034/95 dispõe sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas, e prevê em seu art. 6º que: “nos crimes praticados em organização criminosa, a pena será reduzida de um a dois terços, quando a colaboração espontânea do agente levar ao esclarecimento de infrações penais e sua autoria.”

 Exige-se que o crime resulte de organizações criminosas, ou seja, resulte de ação de quadrilha ou bando considerado crime organizado ou associações criminosas de qualquer tipo e que o agente colabore espontaneamente com o sucesso das investigações, delatando os co-autores e que desta ação resulte esclarecida as infrações penais.

A Lei 9.613/98 – Dispõe sobre os crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores; prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos previstos nesta lei, prevê em seu art. 1º, parágrafo 5º, o seguinte: “A pena será reduzida de 1 (um) a 2/3 (dois terço), e começará a ser cumprida em regime aberto, podendo o juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la por pena restritiva de direito, se o autor, co-autor ou partícipe colaborar espontaneamente, com as autoridades, prestando esclarecimento que conduzam à apuração das infrações penais e de sua autoria ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime.”

É aceito se o crime resultar de organizações criminosas, ou seja, que venha de ação de quadrilha ou bando considerado crime organizado ou associações criminosas, nacionais ou internacionais. O agente deverá prestar informações que efetivamente leve ao esclarecimento e conduza à apuração das infrações penais, espontaneamente, a sua autoria e a localização dos bens, direitos e valores.

A Lei 11.343/2006 – Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas, em seu art. 41, prevê que: “O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um a dois terços.”

Determina a lei que o réu colabore voluntariamente, com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime, fornecendo dados fundamentais relativos às pessoas que o contrataram para transportar a droga, como nomes, endereços e número de telefone, para a identificação dos integrantes da quadrilha.

Lei 9.807/99 – Lei de Proteção Especial às Vítimas e Testemunhas. Prevê em seu art. 13 que: “Poderá o juiz, de ofício a requerimento das partes, conceder o perdão judicial ou a conseqüente extinção da punibilidade ao acusado que, sendo primário, tendo colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa colaboração tenha resultado: I - a identificação dos demais co-autores ou partícipes da ação criminosa; II – a localização da vítima com a sua integridade física preservada; III – a recuperação total ou parcial do produto do crime.” Parágrafo Único: A concessão do perdão judicial levará em conta a personalidade do beneficiado e a natureza, circunstancia, gravidade e repercussão social do fato criminoso.”

Analisando o referido dispositivo legal, verifica-se que o juiz poderá conceder perdão judicial e a conseqüente extinção da punibilidade ao acusado, diante de determinados requisitos. Consolidou-se na Doutrina e na jurisprudência o entendimento de que se trata de um poder-dever que obriga o juiz a conceder o benefício sempre que estes requisitos estiverem presentes no caso concreto.

Segundo Fernando Capez, os requisitos para se obter o benefício a que se refere o art. 13 da Lei 9.807/99 são condições de natureza objetiva e subjetiva. Segundo o referido autor, são condições subjetivas: “I – Que a participação tenha sido voluntária, ou seja, o agente tem que agir sem que tenha sido forçado a fazê-lo, entretanto, não há necessidade de que a colaboração tenha sido espontânea. (pode ter ocorrido por sugestão de terceiro; II – Que o acusado seja primário; III – Que a personalidade do agente recomende o benefício. E condições objetivas: I - Que a colaboração do acusado tenha sido eficaz na identificação dos agentes, na localização da vítima e na recuperação do produto do crime; II – Identificação dos demais co-autores; III – Localização da vítima com sua incolumidade preservada; IV – Recuperação total ou parcial do produto do crime; V – Natureza, circunstancias, gravidade e repercussão social do fato criminoso compatíveis com a medida, a critério do juiz.”

Observa-se que o perdão judicial é uma faculdade que a lei concede ao juiz, dentro da sistemática constitucional de individualização da pena, e não um direito do réu. Para alguns doutrinadores, a sentença que concede o perdão judicial é condenatória, por que extingue apenas os efeitos principais (aplicação das penas), subsistindo os efeitos secundários, como o lançamento do nome do réu no rol dos culpados. Predomina, porém, a interpretação de que a sentença que aplica o perdão judicial é declaratória da extinção da punibilidade, não subsistindo efeito condenatório algum. (Súmula 18, STJ).

O Benefício poderá ser concedido tanto nos crimes mais graves como nas contravenções, ao acusado ou indiciado, e não poderá ser comunicável, isto é, não se estende aos demais participantes do crime. Para alguns doutrinadores, o benefício seria aplicado quando da prolação da sentença de mérito, para outros, poderá ser em qualquer fase do procedimento criminal, inclusive na fase de inquérito policial

Conforme a redação do dispositivo em referência, exige-se que o fato deva ter sido cometido por no mínimo 03 (três) agentes, para se fazer possível que o colaborador identifique os demais co-autores

O perdão judicial previsto no art. 13 da referida lei não se confunde com a causa de redução de pena prevista no art. 14 da mesma lei, pois os requisitos são diferentes, senão vejamos: “O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime, na localização da vítima com vida e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um a dois terços.”

Observa-se que os requisitos são diferentes, pois para a redução da pena pretendida, basta que o acusado tenha colaborado para a obtenção de um dos resultados previstos em lei, não havendo necessidade que o acusado seja primário nem se levará em conta a personalidade do beneficiado e a natureza, circunstancia, gravidade e repercussão social do fato criminoso. Para tanto basta que a vítima seja encontrada com vida, sendo que para se obter o perdão judicial exige-se que além de ser encontrada com vida esteja com a sua integridade física preservada, ressaltando que existem elementos e requisitos que são comuns tanto ao perdão judicial como à causa de redução de pena

 

CONCLUSÃO

 

Conclui-se que a delação premiada é um absurdo ético, através do qual o réu se beneficia com redução de pena, baseado num “trato” entre o acusado e o Estado, e é incentivado a trair seus comparsas e ainda se favorecer de sua própria torpeza, haja vista que comete o crime e ainda se beneficia do fato de delatar seus companheiros às autoridades, cometendo a traição, que é a mais odiosa ação em um ser humano, pois apesar de ser um mecanismo de combate à criminalidade organizada, torna-se um instrumento de incentivo à traição, institucionalizada pelo próprio Estado. Não é justo condenar uma pessoa com base na delação de seu próprio comparsa, pois réus envolvidos num mesmo crime e com o mesmo grau de culpabilidade, serão punidos diferentemente, podendo ser até extinta a punibilidade do delator, não se levando em conta o princípio da proporcionalidade, pois réus que cometem o mesmo crime, com o mesmo grau de culpabilidade, serão punidos diferentemente.

Doutrinariamente a Delação premiada é objeto de grandes discuções, onde uns se posicionam a favor e outros são contra a utilização desse instituto. A corrente favorável defende que a relevância do bem jurídico tutelado pela delação, (Segurança Pública), justifica a sua utilização, como recurso eficaz para enfrentar o crime organizado. Já a corrente desfavorável destaca que a sua utilização é contrária à moral, à ética e ao princípio da dignidade humana, beneficiando-se o autor de sua própria torpeza, além de criticar o Estado por não dispor de condições materiais para garantir a integridade física do delator e de sua família.

Entendemos que o instituto é objeto de debates e controvérsia e que repercute problemas de ordem jurídica, devendo ser utilizada com critério pelos operadores do direito, os quais devem restringir a sua aplicação sempre que possível.

 

 

 

 

 

 

 

BIBLIOGRAFIA

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CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, Parte Especial, vol. I, 8ª Ed. rev. e atual, São Paulo: Saraiva, 2005.

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Autor: Josefa Alves Da Costa Melo


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