ASPECTOS DA VIOLÊNCIA POLICIAL NO BRASIL



1.    INTRODUÇÃO

Geralmente os trabalhos destinados à abordagem de questões circundantes à Polícia, ou de uma forma genérica sobre segurança pública, ou ainda em âmbito mais sociológico sobre os aparelhos repressivos do Estado, mecanismos de controle social etc., em maior ou menor grau, trazem ínsita uma espécie de preconceito, fruto da velha dicotomia Estado e sociedade e da relação factual entre Polícia e cidadãos.

Exatamente quando se parte do pressuposto que a Polícia é mecanismo exclusivo do Estado e não dos indivíduos detentores de direitos e garantias que lhes conferem status de cidadãos, é que reside o afastamento, e muitas vezes uma verdadeira ojeriza da população em relação a sua Polícia.

A tradição de governos autoritários, mormente nos períodos entre 1964-85, estigmatizou a Policia brasileira e, lamentavelmente, o Poder Constituinte originário que fundou a nova ordem constitucional do país em 1988, de caráter democrático, não se preocupou ou lhe faltou fôlego, quiçá coragem, para fundar uma polícia democrática, verdadeiramente do cidadão.

Ao contrário, legitimou o modelo arcaico utilizado pela ditadura que previa uma polícia fortemente militarizada a serviço do Estado, inclusive com justiça própria, o que se afigura em achaque aos pilares da democracia.

De outro lado, suprimiu prerrogativas da Polícia Civil (judiciária e investigativa) e não estendeu outras próprias de instituições de natureza jurídica, enfraquecendo e fragilizando sua estrutura, comprometendo direitos fundamentais dos cidadãos, entre eles, o da própria segurança.

Prevaleceu assim, um modelo confuso de Polícia, conferindo-se inapropriadamente atribuições de polícia a uma instituição militar que, embora forte, necessita ter sua atuação revisada e chancelada pela Policia Civil, mas sem que essa detenha autoridade de controle sobre os militares que trabalham na rua, pois esses já possuem uma hierarquia e disciplina próprias.

Não bastasse a inadequação da Polícia como um todo, uma delas, a militar, é nitidamente a Polícia do Estado, e medidas mitigatórias como Polícia Comunitária, UPP (Unidade de Policia Pacificadora), e o próprio dístico de “polícia cidadã” esconde uma contradição insuperável no atual modelo de Polícia.

Assim, a Polícia para ser do cidadão tem que ter natureza eminentemente civil. Ademais, a Polícia não pode atuar como se os cidadãos fossem inimigos do Estado, o que se deve combater é o crime.

A Polícia Civil, por outro lado, urge ser modernizada, velhos métodos de investigação que privilegiam a truculência ainda utilizados por considerável parcela dos policias civis devem ser definitivamente abandonados, a confissão há muito tempo deixou de ser a “rainha das provas”, e o que deve prevalecer é a técnica, a inteligência policial e a salvaguarda dos direitos fundamentais, tanto dos cidadãos quanto dos próprios policiais.

Alie-se a tudo isso, a nossa tradição escravocrata, latifundiária, oligárquica, personalista, clientelista e fisiológica, e a contradição inerente de um capitalismo que por si só gera desigualdades extremas, mas que em um país periférico, os cortes nos gastos públicos, inclusive os da segurança pública, para sustentar as grandes potências à base de juros escorchantes, enfraquecem as políticas sociais numa de suas faces que é contornar ou mitigar as desigualdades sociais.

A violência policial, por vezes, é apenas uma das facetas de um Estado que exerce uma violência conglobada e disseminada pelos órgãos e instituições que compõem seu aparato burocrático, e cada um a sua maneira, de acordo com sua natureza e peculiaridade exerce uma espécie de violência, que, reflexamente, também pode ser física, como por exemplo, os órgãos de saúde e previdência públicas.

Assim, muitas análises, em que pese o teor científico, pecam não raro, por enfrentar tão só os efeitos da atuação policial, e não as causas, imputando unidirecionalmente às instituições policiais, que não são os únicos agentes de controle social, as mazelas de um Estado violento e violador de direitos, esquecendo-se que há um conjunto de variantes, incluindo o modelo de Polícia adotado pelo Brasil, fatores históricos, econômicos, sociais, estruturais etc.

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Autor: João Romano Da Silva Junior


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