Zé - segunda parte



                                                    ZÉ- 2ª PARTE

      Jorjão era um negro grandalhão e a fama de sua força já era conhecida fora dos limites da região. Estava sentado num banco rústico e conversava, sorrindo muito, com Pedro Grande. Na mão direita o facão que brincava furando o chão batido da venda, como quem não tem o que fazer. Na mão esquerda, um copo de cachaça que tomava em pequenos goles. A venda ficava no  caminho principal, um  pouco distante da casa de Seu Zeca. Quando escurecia os camponeses das redondezas gostavam de freqüentar a venda de Pedro Grande. Era a única diversão que tinham. De repente entra Dona Zazá:

      -Pedro Grande, me dê um quilo de feijão?

      Pedro Grande pegou um saco de papel e colocou na balança. Após ter pesado o feijão amarrou o saco com um barbante de algodão e deu a Dona Zazá.

      -Como vai Seu Zeca?- perguntou Jorjão, distraído.

      -Está em casa. Vá lá prosar com ele um pouco. Ele quer até acertar um trabalho para amanhã cedo. É coisa pouca- disse Dona Zazá.

      -Assim que eu terminar minha branquinha eu dou um pulo por lá, ta certo?- disse Jorjão.

      -Está certo. Mas não demore muito não porque ele dorme cedo- disse Dona Zazá, saindo.

      Lá pelas vinte e uma horas, Jorjão chega à casa de Seu Zeca. Bateu na porta da frente que foi logo aberto por Dona Zazá.

      -Entre, Seu Jorjão. Fique à vontade- disse Seu Zeca.

      -Tem duas pessoas aqui, que querem lhe ver.- disse Dona Zazá.

      De repente, aparece dos fundos da casa, Zé e Jão Valente.

      -Quem são eles?- perguntou Jorjão.

      -Zé e Jão Valente estão vivos! Chegaram aqui logo depois do ataque dos meganhas.

                                                     

      Jorjão começou a se tremer, pensando que via alma do outro mundo. Nem conseguiu se levantar.

      -Esse aí deve ser irmão dele, não?- disse incrédulo.

      -Sou eu mesmo, meu amigo. Eu não morri não. Estou precisando de armas e munição. Muito em breve eu quero atacar a fazenda do Americano. Vou precisar de mais três homens de confiança. Preciso que você dê um jeito naqueles dois cachorros da casa grande. Aqueles bichos são valentes de mais da conta. Depois, todos vocês terão suas terras de volta- disse Zé.

      -Amanhã eu vou à cidade e arranjo as armas, mas os homens, só se forem pagos. Eles não vem de graça, não.- disse Jorjão.

      -Eu pago no inicio. Depois pagamos em terras.- disse Seu Zeca.

                                                       *

       Antes do amanhecer, Jorjão rumou para a cidade, montado em seu cavalo. Chegando lá, foi à casa de um camarada pedir ajuda.

      -O que? Estão vivos? Onde?- o camarada Olavo deu um pulo de alegria.

      Olavo era o contato do Partido Comunista naquela cidade. Foi um dos poucos que sobreviveram às investidas do CCC da ditadura militar.

      -Sim. Vivinho da silva. E precisamos de mais três camaradas bom de guerra porque ele quer atacar o latifúndio do Americano, o mais rápido possível- disse Jorjão.

      -Amanhã eu vou na capital para pedir reforços ao partido- disse

      -Está certo. Estou indo de volta. Mande os homens para o sítio de Seu Zeca, à noite, pois temos um esconderijo por lá- disse Jorjão.

      -Fale pra ele adiar o ataque por uns dias. É melhor porque faremos um plano mais detalhado- disse Olavo.

      -Tudo bem. Vou dizer.- disse Jorjão

      -Já que vai ter muita gente por lá, leve uns mantimentos. Eu vou pegar lá dentro- disse Olavo sorrindo de felicidade.

      -O senhor já tomou o café da manhã Seu Jorjão?- perguntou Dona Lucia, esposa de Olavo.

      -Não carece, não. Eu estou com um pouco de pressa e tenho que pegar a estrada- disse Jorjão.

                                                     

      -Venha Seu Jorjão. Sente-se aqui- insistiu Lúcia.

      -Tá bom, Dona Lucia. Mas não posso demorar muito não- disse.

      Olavo fez um pacote com açúcar, café, arroz, feijão, sal e carne seca, etc. Colocou sobre a mesa e sentou-se junto a Jorjão. Eles conversavam enquanto Jorjão comia.

      -Então, nosso camarada está vivo!- disse Olavo com um sorriso.- Vamos começar tudo de novo. Desta vez é pra valer!

                                                       *

      Era madrugada. Os homens iam montados em cavalos, com seus chapéus de palha. Era um disfarce perfeito. Quando deu duas horas, eles chegavam ao sítio de Seu Zeca. Olavo saltou primeiro e foi até a porta. Bateu, sendo logo atendido por Seu Zeca.

      -Entrem. Vamos comer alguma coisa.

       -Não precisa se preocupar, não, meu camarada. Nós comemos lá na cidade antes de sairmos. Onde está Zé?

      -Eles estão á em cima, escondidos na mata. Eu levo vocês até lá- disse Seu Zeca.

      -Está bom Seu Zeca. Quando o senhor voltar, quero que leve os cavalos para bem longe daqui, para não levantar suspeitas- disse Olavo.

      -Não se preocupe, não.

      Os homens subiram o morro pelo caminho cercado de canaviais. Depois de algum tempo chegaram perto da mata.

      -Quem vem aí?- perguntou Jão Valente, clareando os homens com uma lanterna à bateria.

      -É Zeca. Trouxe os homens. Estão aqui.

      -Olavo ficou olhando para os dois homens, tentando identificar Zé, no escuro. Enfim reconheceu:

      -O que fez com seu cabelo?- perguntou Olavo, sorrindo.

      -Tive que cortar o cabelo e a barba para fugir. Temia ser reconhecido na cidade- disse Zé.

      -Você esteve na cidade? Porque não apareceu lá em casa? Eu poderia até esconder vocês- disse Olavo.

      -Vamos dormir. Amanhã planejaremos com mais calma. É bom o senhor descer, Seu Zeca- disse Jão Valente.

                                                     

      -Diga a Jorjão para vir amanhã à tarde que eu estou esperando por ele- disse Zé.

      Os homens subiram na imensa jaqueira e armaram mais quatro jiraus.

                                                      *

      Seu Zeca montou em seu cavalos e levou os outros cavalos para bem longe dali, largando-os perto de um acampamento de ciganos.

      Jorjão levantou cedo, montou em seu cavalo e foi até a Vila Rock, sondar a situação. Entrou na venda e pediu uma cachaça. Em seguida sentou-se num tamborete de madeira agreste. Logo entraram mais dois homens:

      -Bom dia.

      -Bom dia- respondeu Jorjão, distraído.

      -Parece que vai dar uma chuvinha, né?- perguntou um dos homens a Jorjão.

      -Eu acho que não. Ontem à noite fez muito frio- disse o homem do balcão, enrolando um cigarro de palha.

      -Tá procurando trabalho?- perguntou o homem a Jorjão.

      -E tem trabalho por aqui?- perguntou Jorjão.

      -Tem sim. O senhor é de onde?- perguntou o homem.

      -É daqui de perto mesmo.- disse o homem do balcão.

      -Se quiser eu falo com o Coronel San e o senhor está empregado- disse o homem pedindo uma cachaça.

      -Eu gosto de trabalhar na roça.- disse Jorjão- eu tenho uma rocinha de mandioca a uns dois quilômetros daqui. Mas estou parado esses dias.

      -Nós temos trabalho no engenho- disse o homem.

      -No engenho não dá não. Eu tenho pressão alta e não posso receber a quentura do fogo. É muito perigoso para mim.- disse.

      -Tem nada não. Se aparecer trabalho no canavial eu lhe mando um recado- disse o homem do balcão.

      -Tá bom.- disse Jorjão olhando para o lado de fora da venda, sempre observando tudo.

      -A festa de ontem foi boa. Saiu todo mundo bêbado da casa grande. Até esse aí caiu da escada. Todos sorriram.

                                                      

      O homem da venda sorriu e disse:

      -Foi o aniversário do Coronel San. Tá todo mundo de ressaca.

      Jorjão também sorriu e pediu outra cachaça:

      -Eu já vi falar do Coronel San. Disse que o homem é valente, né?

      -Se é? Bota valente nisso. Essa semana, Tonho da cachoeira não queria vender a cana para o Coronel. Sabe o que ele fez? Foi lá com a policia e prendeu a família toda e ainda ficou com a cana do homem- disse o homem mais baixo.

      -E a policia vem aqui nesse fim de mundo?- perguntou Jorjão.

      -Só quando tem trabalhador pedindo aumento de salário.- disse o homem sorrindo,

      Jorjão também sorriu. Levantou-se a pagou a cachaça. Despediu-se de todos e foi embora.

                                                      *

      -É assim que se dá festa. A piãozada saiu toda feliz. Veio até gente da capital.- disse o Coronel San, sem se dá conta no que estava para acontecer naquela noite.

      -Foi uma festa muito bonita, mesmo. O Coronel deve ter gasto muito dinheiro- disse sua esposa.

      -Se eu gastei cem, amanhã eu ganho mil- disse o Coronel feliz.

      -Sabia que os dois cachorros morreram? Deram bola.- disse a empregada.

      -E quem deu bola a meus cachorros de caça? Porque não me avisaram? Será que foi o velho Ernesto? Amanhã eu o quero fora da fazenda! E sem direito a nada. Avise o Jaime- disse o ele, irritado.

      Jaime era um jagunço que veio do sul do estado e que ajudou o Americano a expandir seus domínios, deixando atrás de si um imenso rastro de sangue. Quando o trabalhador queria ir embora, se fosse velho, Jaime o executava e se fosse jovem, cortava-lhe  os tendões, o que impedia o trabalhador de fugir. Portanto, o velho Ernesto seria executado.

      -Seu Ernesto... o senhor tá fora- disse Jaime coçando a cabeça.

      -O que foi que eu fiz, Seu Jaime?- perguntou o velho, tremendo.

      -Deu veneno aos cachorros do Coronel.

      -Não foi eu não. Pela manhã eu vi os dois cachorros correndo pro lado do rio. Agora, eu não vi voltarem- disse o velho.

      -E porque não me avisou?- perguntou o jagunço.

      -Eu achei que era algum bicho...uma paca...talvez... ou uma preá.

      -Se não me avisou, agora tá fora. Pega os teus bagulhos e dá o fora imediatamente. É uma ordem do coronel San.

      -Mas, eu sempre vivi aqui! Um pedaço desta terra já foi minha e o Coronel tomou. E eu não disse nada- disse o velho, chorando.

      -Não me ouviu, velho? Fora!- disse Jaime, encarando o velho.

      O velho Ernesto só teve tempo de catar uma calça e uma camisa velha que colocou dentro de um saco de pano, todo roto. Foi embora andando. Quando escureceu já andava pela estrada de pedras. Ao longe ouvia-se um som de viola e a voz de um repentista. A noite estava muito escura pois a lua ainda não havia aparecido. Estava a caminho da cidade e já muito distante da fazenda. Como por encanto, apareceu um vulto em sua frente, montado em um cavalo. Seus olhos brilhavam de ódio. O vulto parecia que tinha saído do inferno.

      -É você, Jaime? É você sim. O que faz aqui?- disse o velho trêmulo de medo.

      -Vim terminar o meu trabalho- disse Jaime, atirando no velho. Foram três tiros certeiros. Logo a figura fantasmagórica sumiu nas sombras da noite e parecia voltar ao inferno com mais um crime na sua fria consciência.

                                                      *

      O antigo relógio de parede na sala da casa grande, bateu dez vezes. Eram vinte e duas horas. O Coronel e sua esposa foram para o quarto. Foram dormir. A casa era muito grande para eles, pois não tinham filhos a não ser uns dois ou três garotos da Vila Rock, que suas mães afirmavam ser filhos do Coronel.

      Eram quase meia noite. Tudo estava tranquilo quando de repente ouviu-se um barulho de vidros se quebrando. Jaime pensou:

      -Ainda tem gente bêbado da festa?

      Logo em seguida ouviu-se mais barulho de vidros se quebrando. Jaime levantou-se às pressas e viu aterrorizado a frente do grande sobrado pegando fogo. Saiu correndo de sua casa em direção ao sobrado. Logo viu um facho de fogo voando de dentro do canavial em  direção ao fundo do sobrado. De repente o facho de fogo explodiu na porta do fundo e subiu uma lavareda de uns três metros de altura. Jaime voltou correndo para sua pequena casa a fim de pegar o seu fuzil. Quando alcançou a porta da frente foi abatido por um tiro de fuzil que veio de dentro do canavial.

      Em meia hora o fogo já atingia o primeiro andar do sobrado. Agora, Zé e seu grupo chegavam mais perto da casa grande e lançava coquetéis Molotov para dentro do sobrado através das janelas quebradas. O Coronel San e sua esposa ficaram encurralados. De repente, assustou-se ao ouvir um grito de vingança, terrível e ecoante, envolto em tanto ódio quanto foi a sua potencia:

      -Vai morrer no inferno, Coronel! Aqui é Zé que voltou para se vingar! Me espere no inferno! Desgraçado!

      Vinham balas de todos os lados. Ninguém saiu de suas casas com medo de serem atingidos. Apenas duas casas resistiam ao ataque mas logo se entregaram.

      O sobrado era uma imensa fogueira que parecia atingir o céu. Zé e seu grupo bateram em retirada e foram para dentro da Vila Rock.

      Já era madrugada e o sobrado ainda pegava fogo, com o Coronel e sua esposa lá dentro. Já deviam estar mortos. De cá da Vila Rock via-se o imenso clarão no céu. O grupo de Zé, que era formado por apenas seis homens, dali em diante cresceria com certeza.

      O homem abriu a venda e acendeu o candeeiro. Quando viu Zé, perguntou:

      -Quem é você?

      -Sou Zé. Agora eu sou a lei por aqui.

      -E o Coronel?- perguntou o homem.

      -O Coronel está frito. A essa altura, só restam as cinzas, porque sua alma deve estar queimando no inferno- disse Zé sorrindo.

      -Tá me conhecendo, moço?- perguntou Jorjão.

      -Ah! O senhor teve aqui hoje pela manhã, não foi?- disse surpreso

      -Diga a todos que aqui agora é uma vila de trabalhadores e não de escravos- disse Jão Valente- E vamos mudar esse nome ridículo.

      -É que o patrão é americano- disse ele.

      -Eu não sabia dessa.- disse Jorjão-  Ele já está no inferno, mesmo.

      -E o nome vai passar a se chamar Vila Fartura e, quero que assim que amanhecer, todos vocês voltarão a ocupar suas antigas terras. Ela agora pertence de fato, a vocês. E quem ficar com medo, morre. E desce a branquinha pra todo mundo.- declarou Zé.

      De repente, todos se assustaram e ficaram mudos com um terrível estrondo. Foi o grande e imponente sobrado, símbolo imperial do Coronel San, que vinha ao chão, com seus gritos de maldade e terror desde o tempo da escravidão. A terra tremeu. Todos continuavam calados até que Jão Valente quebrou o silencio:

      -Vamos beber e comemorar a queda do império do Coronel San e sua vida de crimes contra a raça humana. Agora a terra é de vocês. Vamos defende-la com unhas e dentes.

     -Eu quero todas as armas da fazenda!- disse Jão Valente, num tom autoritário- e quem não tiver coragem de tomar suas terras de volta, vai se ferrar comigo.

      Os homens começaram a se movimentar, entrando de casa em casa e confiscando as armas e munições. Depois seriam distribuídas de forma lógica para a defesa da vila.

                                                       *

      Era manhã de domingo na cidade. Todos estranharam o Coronel San e sua esposa não comparecerem à missa. O padre não começava a missa sem que o Coronel mandasse e, se alguém ousasse sentar em seu lugar, no banco da frente, mesmo por descuido, teria que sair para ceder o lugar para o Coronel e sua esposa. Logo a noticia chegou à cidade. Não teria missa durante uma semana e a prefeitura tinha a bandeira nacional a meio pau em homenagem ao Coronel e sua esposa.

      -Covardes! Uma pessoa tão boa!- lamentava-se o padre.

      Passado uma semana a igreja voltou a funcionar, com uma missa de sétimo dia em grande estilo. Presente todas a autoridades locais e até representantes do governador compareceram. Ao terminar a missa, todos saíram. De repente um garoto passa pela porta da igreja, gritando, com o jornal da capital sob o braço:

      -"Zé está vivo! Zé está vivo!"

      -Me dá um jornal desse aí, menino!- disse o padre, preocupado.

                                                     

      O padre virou-se para os fieis, que estavam atônitos e leu:

      -ZÉ CONTINUA VIVO E O COMANDANTE DO EXÉRCITO É DESMORALIZADO!

      -Assim não dá!- disse um homem gordo.

      -Como é que pode? Vem um jornalista da capital e entrevista Zé, dentro da minha cidade!- disse o Prefeito, irado- Vou mandar buscar o Exército para procurar esse bandido e matá-lo de uma vez por todas! Vou pedir ao Governador para fechar esse jornal e prender o jornalista que entrevistou Zé.

      -É isso mesmo! O doutor tem razão!- falou um baixinho.

      De repente aparece um homem montado em um cavalo e querendo falar com o Prefeito. O Prefeito foi ao seu encontro. O homem saltou do cavalo e começou a falar:

      -Seu Prefeito. Tenho uma noticia ruim para lhe dar.

      -Diga logo e tire esse cavalo daí, porque é pecado cagar na porta da igreja!

      -É o seguinte: que Zé atacou a Vila Rock e matou o Coronel e sua esposa, o senhor já sabe né? O que o senhor ainda não sabe é que Zé está dominando a Vila e até mudou o seu nome.

      -Meu santo Deus! Padre venha até aqui. Aconteceu uma desgraça!

      -O que aconteceu?- perguntou o padre.

      -Zé assumiu o comendo da Vila Rock. Vamos ligar para a capital e pedir reforços- disse o Prefeito, saindo para pedir à moça para abrir o centro telefônico.

                                                       *

      A cidade estava em alvoroço com os últimos acontecimentos. Foi um corre corre infernal para as bancas de revistas para comprar jornal. Choviam notícias e boatos de todos os cantos; dos jornais, da fazenda etc. Tinham notícias que ia chegar à cidade um batalhão do Exercito com mais de dois mil homens. Até tanques de guerra ia chegar à cidade, segundo o Prefeito. A praça ficou cheia de gente para saber das notícias. A cada mentira do Prefeito, os habitantes se arrepiavam de orgulho. Sua cidade tinha saído no jornal. Todos os alunos dos colégios públicos foram convocados às pressas para fazer o grande desfile em homenagem aos homens do Exercito. O  Prefeito   mandou buscar na capital, trinta prostitutas para reforçar o atendimento na zona, que já era muito movimentada para uma cidade pequena. À toda hora chegava notícias e boatos da Vila Rock.

      À noite, lá pelas vinte e uma horas chegavam à cidade apenas três pequenos carros do Exercito com apenas quinze homens, todos armados com fuzis. Pararam na praça da cidade e a banda de música começou a tocar o Hino nacional. Os foguetes pipocavam no ar. Uma hora depois, chegava um ônibus lotado de prostitutas, o que despertou maior interesse na população. Elas saltaram do ônibus e, através de informações, chegaram até o Prefeito. O cafetão se adiantou e perguntou:

      -Senhor Prefeito. Eu sou o empresário das moças. Onde elas vão se hospedar?

      -É só entrar naquele beco, ao lado da prefeitura e descer a rua. Mais tarde eu vou ver como vocês estão- disse o Prefeito um pouco sem jeito.

      -Você vai ver, coisa nenhuma! Eu não vou deixar! Manda o seu secretário de turismo resolver isso!- disse a primeira dama.

      -Meu marido, não!

      O cheiro de batom e perfume barato pairavam no ar.

      -Mas não disseram que vinham mais de dois mil homens?- perguntou o Prefeito, desapontado.

      -Não é necessário. Em uma hora nós daremos conta de tudo- disse o Comandante com seu jeito superior.

      De repente, chega à praça um pequeno carro, semelhante ao dos militares, do jornal da capital. Quando o jornalista saltou, foi reconhecido pelo dono do hotel.

      -Seu Prefeito! Aquele jornalista que saltou do carro, ele se hospedou no meu hotel há umas duas semanas atrás. Eu pensei que era um viajante. Deve ter sido ele quem entrevistou o Zé- disse o homem do hotel.

      - O homem tem razão, seu Prefeito. Prende o jornalista e leva para a delegacia. Depois eu faço ele cantar bonitinho- disse o Comandante, deixando o dono do hotel todo orgulhoso.

      -Obrigado Comandante!

      -Onde vamos dormir?- perguntou o Comandante,

      -No hotel da cidade. Não é muito bom, mas dá para dormir- disse o Prefeito.

      -Não. Eu prefiro a sede do Tiro de Guerra.

      -Então, vamos providenciar camas para todos vocês- disse o Sargento local.

      -Não. Basta colchões.- disse o Comandante

      Os homens do Exercito saíram marchando em volta do jardim, a pedido do Prefeito, enquanto eram aplaudidos pelas crianças dos colégios locais. Tinha uma criança que era filho de um dos guerrilheiros da Vila Fartura, mas tinha sido providenciada a expulsão do colégio. O Prefeito mandou que a diretora abrisse o colégio naquele mesmo domingo e fizesse a exclusão do aluno. Quando alguma criança esquecia de bater palmas,  a professora  lhe puxava as orelhas. Depois os homens subiram as escadas da Prefeitura, pois a sede do Tiro de Guerra ficava numa sala anexa. Quando se instalaram começaram a chamar pessoas da cidade que conheciam a Vila Fartura. Só então começaram a traçar um plano de ataque que seria executado no dia seguinte.

                                                       *

      Na Vila Fartura, Zé e Jão Valente já treinavam cem homens, bem armados para enfrentar o revide do Exercito. Agora, todos acreditavam neles. As mulheres, velhos e crianças voltaram para suas antigas terras e já começavam a construir suas pequenas casas em mutirão e com materiais da região.

      -Quantos homens do Exercito, estão na cidade?- perguntou Zé a um informante que vinha da cidade,

      -São poucos. Uns quinze ou dezesseis. Agora, o Prefeito encheu o brega de prostitutas. Um jornalista foi preso quando chegou à cidade- disse o informante.

      -E como ele é?- perguntou Jão Valente, interessado.

      -Uns trinta e poucos anos de idade, um pouco gordo e barbudo.

      -Quantos carros o Exército trouxe?- perguntou Zé.

      -Três Jeeps- disse o informante.

      -Vamos armar uma emboscada no meio do caminho- disse Jão.

                                                      

      -Duas emboscadas. Se passarem por uma não passarão pela outra- disse Jorjão.

      -Vamos preparar os coquetéis! Rápido!- disse Zé- Viva o RR!

      -Viva!- gritaram umas cinquenta vozes em coro.

      Todos foram para a escola, pois era o maior espaço que havia na Vila. Na parede da frente, pintaram o nome do grupo em letras vermelhas: Recôncavo Revolucionário. RR.

                                                       *

      Era pouco mais de meia noite quando uns vinte homens do grupo de Zé, vinham pela estrada de pedras em direção à cidade. Todos montados a cavalo e com ferramentas e armas nas mãos. Quando chegaram a uns dois quilômetros da cidade, pararam. Derrubaram uma imensa jaqueira que caiu atravessada na estrada de pedras, para obstruir a passagem dos militares. Dali, foram voltando e derrubaram mais duas árvores que ficavam à beira do caminho.

       Na terceira  derrubada eles armaram uma emboscada, ficaram dez homens sob o comando de Jão Valente. Esconderam os cavalos dentro da mata para facilitar a fuga e vieram para perto da estrada. Zé foi com os outros homens, mais um quilômetro adiante e armaram a segunda emboscada. Quando terminaram, começava a amanhecer.

      -Estão todos prontos?- perguntou Jão Valente.

      -Sim.- respondeu um dos homens.

      -Então, vamos esperar- disse Jão Valente sentando-se no chão.

      De repente, ouviu-se barulho de motor. O sol já havia aparecido.

      -Lá vem eles. Todos com coquetéis nas mãos- disse Jão Valente.

      Os homens do Exercito já haviam rompido os dois obstáculos e partiam para o terceiro. Os homens do RR observavam tudo de cima de um pequeno morro. Os carros pararam em frente à árvore caída e atravessada da estrada. De repente começou a chover garrafas de coquetéis e balas de fuzil. Em dez minutos os homens do Exercito foram liquidados. Jão Valente e seus homens desceram para a estrada e saquearam os três carros. Conseguiram: duas caixas com granadas, quinze fuzis, cinco metralhadoras e alguns revolveres. Conseguiram também, muita munição. Carregaram tudo morro acima e, em seguida carregaram os cavalos e levaram tudo para a Vila Fartura.

                                                     

      Deixaram para trás uma grande fogueira. Jão Valente disse:

      -Agora temos que nos preparar melhor. Da próxima vez, a coisa não vai ser tão fácil.

      -De hoje em diante, não queremos nenhum estranho por aqui- determinou Zé, batendo o punho fechado sobre o balcão da venda, que tinha se transformado em cooperativa de cereais.

      -Vamos matar um boi do Americano e salgar a carne- disse Jorjão.

      -Tudo bem, mas tem que aproveitar tudo. Não podemos desperdiçar nada. Quantos bois o Coronel tinha?- perguntou Zé.

      -Deve ter mais de duzentos. A maior parte da fazenda é de cana mesmo.- disse Jorjão.

      -Alguém tem que comprar sal na cidade. Não pode faltar sal- disse Jão Valente coçando a cabeça.

      -Deixe o sal comigo. Eu compro e escondo lá em casa- disse Olavo.

     -Tudo bem. Agora temos que dar um jeito de tirar Olavo daqui, em segurança. Pode ser hoje à noite- disse Zé.

      -Não se preocupem. Eu saio pelo caminho do Engenho Velho- disse Olavo sorrindo.

                                                       *

      Passado dois dias, Zé e Jão Valente resolveram traçar um plano para libertar o jornalista que estava preso na delegacia de policia da cidade.

      Quando escureceu, quatro homens fortemente armados e montados a cavalo chegavam nas imediações da cidade. Deixaram os cavalos escondidos na boca da mata e foram caminhando em direção à delegacia local. Entraram num bar e pediram cachaça com limão. Enquanto bebiam, observava o movimento na delegacia de policia. Quando deu vinte e três horas o dono do bar disse:

      -Vocês querem mais alguma coisa, porque eu vou fechar o bar. Já é tarde e eu vou dormir.

      -Tudo bem. Aqui está o dinheiro da despesa- disse Jorjão.

      -Obrigado. Amanhã eu abro o bar à noite. Se quiserem aparecer...

      -Tudo bem. Eu gostei daqui, mesmo. Vamos aparecer. Boa noite.

      Os quatro homens saíram e foram embora. Deram uma volta pela  cidade até à meia noite. Depois voltaram para as imediações da delegacia de policia. Jorjão mandou que um dos homens fosse registrar um queixa de roubo de seus documentos. O homem chegou na delegacia mas a porta estava fechada. Ele bateu e um policial veio atender:

      -Eu queria registrar uma queixa. Roubaram meus documentos. Eu quero falar com o delegado.

      -O delegado está em casa, dormindo- disse o policial.

      Nesse momento, o homem sacou um revolver e rendeu o policial. Deu um sinal com a mão para que os outros três viessem em sua ajuda. Logo eles invadiram a delegacia. Pediram a chave ao carcereiro e abriram a cela em que estava o jornalista. Também o jornalista ajudou a amarrar os três policiais e trancá-los na cela. Em seguida, os homens fugiram com o jornalista. Ele foi levado para a Vila Fartura. Seria de grande importância para a comunidade. Ele propôs aos comandantes  da  Vila  Fartura que  trabalharia  na  alfabetização  dos  moradores e na criação de panfletos, para politizá-los. O jornalista lembrou a Jorjão e a Zé da atuação de um escritor francês na revolução cubana.

                                                      *

      Passaram-se dois anos e não mais existiam analfabetos na comunidade da Vila Fartura. O grupo de Zé tinha evoluído muito com a ajuda de alguns universitários que iam escondidos para lá, enviados pelo Partido, nos fins de semana e nas férias. Foi ampliada a escola, construíram mais uma que seria inaugurada em breve, evoluíram na agricultura que foi diversificada. Depois do primeiro ataque, o Exercito tentou mais duas vezes. A segunda vez com dez carros e cinquenta homens e a terceira vez, com armas e veículos pesados que tiveram que ficar no caminho, pois o grupo de defesa da Vila Fartura havia explodido as três pontes que davam acesso à Vila. O Governo havia mandado dinheiro para a reconstrução das pontes, porém o prefeito havia desviado o dinheiro e as pontes não foram construídas. Agora o Exercito se preparava para um ataque fulminante, de acordo com as exigências do ditador de plantão. Começaram a fazer estradas por uma região próxima à Vila.

       Zé mandou um grupo de reconhecimento à região. Descobriram que a estrada passaria pela fazenda do Coronel Vivaldino. Logo Zé mandou um grupo de trinta homens fortemente armados para invadir o latifúndio do Coronel. O Coronel Vivaldino e sua família foram avisados do perigo de um possível ataque e abandonou a fazenda. O Coronel ainda tentou arranjar homens para defender sua fazenda, mas os sem-terras da região aderiram à causa de Zé e seu grupo. Eles queriam seus próprios pedaço de chão. A fazenda foi invadida e Zé providenciou com o Partido, oitenta famílias de agricultores para ocupar a fazenda do Coronel e, esta foi logo anexada à Vila Fartura, posteriormente.

      O Comandante destacado para a ocupação da Vila, queria agora um ataque aéreo. Ele achava que era a única solução. O grupo de Zé tinha até um tanque de guerra que havia tomado dos militares durante o segundo ataque. O tanque de guerra ficava camuflado na mata e tinha até manutenção e consertos por um mecânico do Exercito que era primo de Olavo e que vinha à Vila Fartura algumas vezes.

       A Vila Fartura já tinha admiradores dentro do próprio Exercito. Os estudantes faziam manifestações na capital, em frente a um quartel do Exercito, contra a invasão aérea da Vila Fartura. Depois saiam em passeata até o Palácio do Governo.

      Todos os jornais que falavam alguma coisa sobre a Vila Fartura ou sobre Zé, pegavam fogo misteriosamente ou eram censurados. Depois de tantos protestos o Governo desistiu do ataque aéreo, desobedecendo as ordens da CIA. Mas não por muito tempo. Logo, resolveram infiltrar um espião para assassinar Zé e Jão Valente.


Autor: Gilberto Nogueira De Oliveira


Artigos Relacionados


Zé - Terceira Parte

Na Escuridão

O Coronel Em (quem Acredita Em Fantasma.)

Só Podia Ser Mais Uma Do Zé Goiaba.(humor>)

O Hippie De Deus

Corinha

Marcelino Pão E Vinho