A biblioteconomia e o sistema prisional alagoano: intermédio para ressocialização de apenados.
1-Introdução
“Para uma aprendizagem baseada no questionamento, usar a biblioteca e seus recursos, não é uma atividade adicional, esporádica, e sim o próprio cerne do projeto pedagógico. O questionamento é uma forma de aprender e os recursos na biblioteca e o processo de pesquisa são componentes essenciais neste processo” Carol C. Kuhlthau
Breve Histórico a cerca da Informação e Cidadania: Considerações Relevantes
No decorrer da história das civilizações, eram considerados cidadãos na Grécia Clássica, somente a classe daqueles que estivessem em condições de participar da vida pública, tendo esse direito apenas os homens gregos e livres. Vale lembrar, que o termo cidadão vem do latim Civitas e significa cidade. Sendo o mesmo termo também usado na Roma Antiga para designar a capacidade daqueles que podiam exercer direitos políticos e civis. (LOMBARDI, 2009).
Levantar aspectos sobre informação e cidadania é levar em consideração que são conceitos interligados, uma vez que o acesso a informação está diretamente vinculado ao exercício da cidadania. Desse modo, a informação é um direito comum a todos.
Segundo Targino (2006, p. 71):
“Não há exercício da cidadania sem informação. Isto porque, até para cumprir seus deveres e reivindicar seus direitos, sejam eles civis, políticos ou sociais o cidadão precisa conhecer e reconhecê-los, e isto é informação”. Nesta perspectiva podemos compreender o conceito de informação como sendo uma contribuição social para a conscientização do homem sobre seus direitos e seus deveres.
O conceito de informação originou-se do latim, informatio, que diz: dar forma; informar ou organizar. De outro modo, a informação pode ser tanto o ato ou atividade de informar, como o seu próprio efeito ou resultado respectivo de informar e buscar informação. (FERREIRA, A., 1997).
Para Bueno (1995), informação pode ser um esclarecimento, uma explicação, uma instrução, um aviso ou até o fornecimento de dados. Já Robredo (2003, p. 5), em sua obra Da ciência da informação revisitada aos sistemas humanos de informação, compara várias definições para o termo informação propostas por diversos autores que trataram dessa questão, constatando em seu estudo que todas as definições dão “a impressão de que tudo e seu contrário pode, de alguma forma, se relacionar com a informação”.
Pereira (2002, p. 23), afirma que a informação é para todo sempre e em todos os lugares de fundamental importância para o individuo. É um bem comum inerente ao processo de construção da realidade e na realização das necessidades básicas dos indivíduos.
De pouca coisa o homem tem tanto necessidade quanto de informação. Isso porque em conhecer reside boa parte da atividade que é especificamente humana. São vitais as informações sobre o mundo, sobre as circunstancias concretas da sociedade, onde se vive, onde se tem de atuar e exercer um papel transformador.
Na linguagem universal, a informação é o elemento essencial para que os sujeitos sociais construam e exerçam sua cidadania, uma vez que nos dias atuais não se pode mais pensar em informação sem delinear os caminhos da cidadania. (MORIGI; VANZ; GALDINO, 2002). Sob tal pensamento entende-se que o caminho percorrido pela busca da cidadania sempre decorre, necessariamente, pelo acesso a informação, sendo essencial para que o exercício da cidadania se efetive de forma completa em todo e em qualquer espaço. Neste sentido, pode-se definir cidadania da seguinte forma:
Cidadania é um estado de espírito e uma postura permanente que levam pessoas a agirem, individualmente ou em grupo, com objetivos de defesa de direitos e cumprimento de deveres civis, sociais e profissionais. Cidadania é para ser praticada todos os dias, em todos os lugares, em diferentes situações com variadas finalidades. (RESENDE, 1992, p. 67)
Por outro lado, é nula uma concordância voltado ao conceito de cidadania, existindo assim muitas dúvidas em meio a tal definição. (MORIGI; VANZ; GALDINO, 2002). No entanto, segundo os autores citados, a cidadania transcende o conjunto de direitos e deveres, já que outros elementos interferem em sua determinação, como a situação de classe social.
Sobre as unidades prisionais:
Alinhado descrições de interdependência para tanto, é essencial conhecer alguns aspectos básicos da história do sistema penitenciário, onde as prisões de antigamente serviam para trancar escravos e prisioneiros de guerra. Fora dessas categorias albergavam apenas prisioneiros à espera de julgamento ou serem torturados, prática legal naqueles dias. A partir do século 18, no entanto, a finalidade do encarceramento passou a ser isolar e recuperar o infrator. “Houve um direcionamento novo da arte de fazer sofrer.” (FOUCAULT,1977)
A primeira menção à prisão no Brasil foi dada no Livro V das Ordenações Filipinas do Reino, Código de leis portuguesas, implantados no Brasil durante o período Colonial. O Código decretava a Colônia como presídio de degredados. A pena era aplicada aos alcoviteiros, culpados de ferimentos por arma de fogo, duelo, entrada violenta ou tentativa de entrada em casa alheia, resistência a ordens judiciais, falsificação de documentos, contrabando de pedras e metais preciosos (ORDENAÇÕES FILIPINAS, 1870, p. 91).
A utilização do território colonial como local de cumprimento das penas se estende até 1808. A instalação da primeira prisão brasileira é mencionada na Carta Régia de 17693, que manda estabelecer uma Casa de Correção no Rio de Janeiro (SILVA MATTOS, 1885), sendo então cobrados em todo o mundo a jurisprudência, a implantação de um sistema prisional no Brasil. À assimilação da nova modalidade penal se fez pela constituição de 1824 que estipulou as prisões adaptadas ao trabalho e separação dos réus, pelo Código Criminal de 1830 que regularizou a pena de trabalho e da prisão simples, e pelo Ato Adicional de 12 de agosto de 1834, de importância fundamental, que deu às Assembléias Legislativas provinciais o direito sobre a construção de casas de prisão, trabalho, correção e seus respectivos regimes.
A opinião pública também tomou parte nos debates sobre a implantação do regime penitenciário em nosso país. Uma discussão se fez em torno das formas como esse regime deveria ser adotado. Missões especiais foram enviadas a países como Estados Unidos, Inglaterra e França, com o objetivo de verificar as verdadeiras circunstâncias de aprisionamento e gerenciamento das chamadas prisões-modelo. A Constituição de 1824 estabelecia que as prisões deveriam ser seguras, limpas, arejadas, havendo a separação dos réus conforme a natureza de seus crimes (CONSTITUIÇÃO DO IMPÉRIO DO BRASIL, ARTIGO 179), mas as casas de recolhimento de presos do início do século XIX mostravam condições deprimentes para o cumprimento da pena por parte do detento. Um exemplo deste quadro era a Prisão Eclesiástica do Aljube, localizada na cidade do Rio de Janeiro e instituída pelo Bispo Antonio de Guadalupe após 1735. Com a vinda da Família Real, esta área de reclusão foi transformada em prisão comum, recebendo, posteriormente, o nome de Cadeia da Relação (1823), enquanto que a cadeia passou a abrigar a Câmara dos Deputados. Somente em 1856 é que a Cadeia da Relação foi desativada transformando-se em casa residencial. O cotidiano carcerário desta prisão revela, além do descaso público, lugar-comum em relação às prisões, aspectos subumanos que apontam para a precária cidadania ou sub-cidadania dos condenados sociais. Mesmo assim, teoricamente, buscava-se o modelo de enclausuramento perfeito.
Segundo Carvalho (2009) determinado fator ocorre em boa parte por causa da visão do Estado e da própria sociedade de que o preso é um condenado sem alma, sem sentimentos, que não tem condições de ser regenerado e muito menos o direito de estudar, aprender e buscar conhecimentos.
Segundo Leite (2004) a informação é o elo que permite que o apenado acompanhe os desdobramentos do mundo exterior durante o tempo que está privado de sua liberdade. Dessa maneira, o acesso a informação contribui com a função ressocializadora da pena, pois o condenado terá menor dificuldade em se adaptar a uma sociedade que não lhe é desconhecida, apesar do cárcere.
Deste modo, de acordo com determinadas alternativas de participação e influência social nos ambientes prisionais e com as necessidades de informações por parte dos detentos, Reis e Carvalho (2007), afirmam que cabe ao profissional bibliotecário a responsabilidade de zelar e fazer compartilhar a herança do exercício da cidadania, trabalhando com a informação, levando-a aos necessitados.
Neste sentido Trindade (2009, p. 47) observa que:
A biblioteca prisional adquire relevância no espaço penitenciário, oferecendo aos presos informação útil, apresentando a oportunidade de aperfeiçoarem habilidades literárias, de atingirem os seus interesses culturais e de aprendizado, abrindo, com isso, uma janela para o mundo exterior.
Modelo, Gestão e Funcionamento da biblioteca em unidades prisionais:
Independente das especificidades de funcionamento, as bibliotecas de unidades prisionais apresentam-se como espaço de informação, cultura e lazer, tal como qualquer outro tipo de biblioteca. Originadas através da criação de parcerias e de protocolos de cooperação, quer na gestão integrada de espaços e serviços ou na criação de regimes mistos de reclusão. Em qualquer um dos casos, a literatura especializada e as diretrizes internacionais existentes levam à formulação de duas hipóteses de funcionamento para as bibliotecas de estabelecimentos prisionais, sendo:
- Modelo Autônomo;
- Modelo em Parceria.
No contexto do modelo autônomo a organização e funcionamento das bibliotecas de estabelecimentos prisionais pode dividir-se em 7 áreas:
- Acesso;
- Gestão e Administração;
- Recursos Humanos;
- Coleções;
- Infra-estruturas e equipamentos;
- Financiamento;
- Serviços.
No que diz respeito ao acesso às bibliotecas de estabelecimentos prisionais, estas devem funcionar em regime de livre-acesso de manhã, de tarde e aos fins de semana pelos reclusos. A gestão e administração destes espaços deve ser feita por um departamento de bibliotecas de estabelecimentos prisionais de âmbito Estadual, no caso Alagoano a Biblioteca Pública Estadual.
No que diz respeito ao acesso às bibliotecas de estabelecimentos prisionais, estas devem funcionar em regime de livre-acesso de manhã, de tarde e aos fins de semana pelos reclusos.
Os recursos humanos voltados às bibliotecas deveriam seguir a seguinte relação: 1 bibliotecário responsável e 1 auxiliar até aproximadamente 500 reclusos, 1 bibliotecário responsável e 2 auxiliares até aproximadamente 1000 reclusos, 1 bibliotecário responsável, 1 técnico profissional e 2 auxiliares até aproximadamente 1500 reclusos ou 1 bibliotecário responsável, 1 técnico profissional e 3 auxiliares até aproximadamente 2500 reclusos, devendo levar em determinadas estatísticas de acordo com o numero de detentos das unidades prisionais em análise.
As coleções disponibilizadas pelas bibliotecas de unidades prisionais devem ser geridas em estreita relação com o número de reclusos que visam servir, tendo em conta o tipo de documentos e a indicação expressas de critérios de seleção, aquisição e crescimento da coleção. No que diz respeito aos livros, devem existir em quantia significante, levando em consideração o numero de reclusos. No entanto também devem proporcionar a disponibilidade de publicações periódicas, CD’s, vídeos, DVD’s, dentre outras formas de aquisição da informação.
A infra-estrutura e os equipamentos onde funcionará a biblioteca devem prever a existência de estantes próprias para livros e outros documentos e de mesas e cadeiras para leitura. Os espaços devem possuir boas condições de iluminação e ventilação e toda a área útil deve ser segura e tranqüila, de forma a fornecer as condições necessárias à consulta de catálogo e de todo o tipo de documentos.
No que diz respeito ao financiamento das bibliotecas, estas devem prever a aquisição de 2 livros por cada recluso ao ano e mais 20 % para perdas, da mesma forma deve ser previsto o aumento de 0,2 % de periódicos por recluso ou 10 assinaturas por ano, bem como 0,2 % de documentos audiovisuais por recluso ao ano.
Quanto aos serviços prestados, deve ser semelhantes aos que as Bibliotecas Públicas disponibilizam, dando apoio às atividades de leituras e de auto-afirmação pessoal, de forma a responder às necessidades e interesses dos reclusos, sobre assuntos de Direito e de legislação penal.
O modelo de funcionamento em parceria apresenta-se com uma organização simples e em perfeita articulação com o meio envolvente. Segundo sugere o Manifesto da UNESCO para as Bibliotecas Públicas “serviços e materiais específicos devem ser postos à disposição dos utilizadores que, por qualquer razão, não possam usar os serviços e os materiais correntes, como por exemplo minorias lingüísticas, pessoas com deficiências, hospitalizadas ou reclusas.”
Desde modo poder-se-ia desenvolver a formação inicial em biblioteconomia de potenciais interessados, numa relação de autonomia crescente destas bibliotecas.
No contexto Alagoano:
Em Alagoas a realidade das bibliotecas em unidades prisionais é praticamente desconhecida por parte da sociedade e dos profissionais de Biblioteconomia. Não é comum falar do tema Biblioteca nas prisões, a qual contribui significantemente para o acesso a informação e cidadania voltados aos detentos prisionais, relacionadas ainda às atividades educacionais, culturais e sociais por elas desenvolvidas. Enquanto elemento determinante no processo de reinserção social dos reclusos, o papel da biblioteca tem sido transferidoo para segundo plano.
Inicialmente, os estabelecimentos prisionais apresentavam-se como instituições de organização e controlo social e como instrumento moralizador das relações sociais, onde os reclusos tinham poucas perspectivas de futuro, ao entrar no meio social depois da pena cumprida.
Desde o séc. XIX está decretada em Leis e Regulamentos a existência de espaços de leitura e aprendizagem nos unidades prisionais. Ao longo do tempo as bibliotecas de estabelecimentos prisionais sofreram uma profunda evolução, não acompanharam o desenvolvimento e novas funções dos espaços de reclusão. Com o tempo foi-lhe reconhecido um papel formativo, enquanto elemento central do processo de reinserção.
DADOS GERAIS
De acordo com Programa Nacional de Segurança Pública-PRONASCI, em parceria com estado de Alagoas, sendo o Sistema Penitenciário é a Intendência Geral do Sistema Penitenciário o órgão responsável, vinculada a Secretaria de Estado de Defesa Social -SEDS, criada pela Lei Delegada nº 43, de 28 de junho de 2007. O estado possui 7 estabelecimentos prisionais, divididos da seguinte maneira:
ESTABELECIMENTOS PENAIS MASCULINO FEMININO TOTAL
Penitenciária 4 1 5
Colônia Agrícola, Industrial ou Similar 1 0 1
Casa do Albergado 0 0 0
Centro de Observação Criminológica e Triagem 0 0 0
Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico 1 0 1
Total 7
Estatísticas de formação educacional dos detentos:
A quantidade de presos por grau de instrução, segundo dados da SEDS (outubro de 2007), é a seguinte:
ESCOLARIDADE MASCULINO FEMININO TOTAL
Analfabeto 496 27 523
Alfabetizado 419 20 439
Ensino Fundamental Incompleto 371 6 377
Ensino Fundamental Completo 109 4 113
Ensino Médio Incompleto 88 3 91
Ensino Médio Completo 47 5 52
Ensino Superior Incompleto 6 0 6
Ensino Superior Completo 6 0 6
Ensino acima de Superior Completo 0 0 0
Não informado 4 0 4
Total 1546 65 1611
Todos os estabelecimentos penais dispõem de salas de aulas para educação, sendo que apenas a Penitenciária Baldomero Cavalcanti e Penitenciária Feminina Santa Luzia dispõem de espaços projetados e adequados; nos demais as salas são adaptadas.
Da Biblioteca nas unidades prisionais:
A biblioteca é um espaço adequado com prateleiras, livros, mesas e cadeiras a disposição dos apenados.
Segundo informações da SEDS, a Penitenciária Masculina Baldomero Cavalcanti de Oliveira e a Penitenciária Feminina Santa Luzia são as que possuem bibliotecas, a primeira dispondo de um acervo de 2.000 livros e a segunda, 400 livros. Não há nenhum projeto em execução para a instalação de espaços literários. É fomentada pelo estado a Campanha Nacional de Doação de Livros para a Biblioteca dos Presídios, por meio de divulgação em pontos estratégicos incentivando a doação. O acervo existente nas unidades penais foi adquirido através de doações.
conclusao
As exposições apresentadas, recorrem a uma análise realística da situação atual do Sistema Penitenciário de Alagoas, com dados, informações e propostas práticas de execução a serem desempenhadas pela administração da unidade prisional.
Sendo assim, tem-se consentimento das realidades enfrentadas a cerca das questões relativas à execução Penal no Brasil, com foco em Alagoas. No entanto o objetivo é averiguar possíveis práticas e investigações existentes em relação ao assunto abordado em nossa conjuntura, cabendo então aos profissionais em Biblioteconomia, assim como determinados setores da sociedade, determinadas atividades para com a implantação das bibliotecas como de contribuir para o processo de rossocialização do apenado das unidades prisionais em análise, pois a partir deste momento estamos contribuindo para construir um novo marco para o Sistema Penal, fator este que se torna significante para a construção de tal proposta. Por fim, determinadas pretensões tornar-se-ão reflexos revestidos aos propósitos dignos, com efeitos alcançados os quais irão além dos limites do sistema carcerário em questão, visando a contribuição dada ao detento para o crescimento intelectual e social, ocasionado uma aceitação maior da sociedade quando o mesmo estiver em liberdade após a pena cumprida.