Desconstituição do advogado: decisão do magistrado x respaldo constitucional e processual



1. INTRODUÇÃO

                          

Este presente artigo visa apresentar a desconstituição do advogado pelo magistrado por seu arbítrio e convicção ao interesse da justiça sem que, contudo, elabore fundamentos claros e concisos que procedam esta decisão, se fundando em preceitos constitucionais e processuais.

 

2. DESENVOLVIMENTO

 

O Processo Penal, com função instrumental para acesso ao Poder Judiciário das partes e também social, por meio de recursos legais, através da estrutura processual, bem como de argumentos pautados na Constituição Federal por meio de seus princípios, respaldados em seu art. 5º, busca proteger os bens jurídicos de interesse da própria sociedade brasileira.

O acusado, verificados e respeitados os preceitos do devido processo legal, tem o direito de se defender por meio de advogado ou defensor em um processo de acordo com o direito constitucional elencado no art. 5º, LV, CF/88, com a premissa da ampla defesa, com os dizeres:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

Em consonância a este entendimento o CPP, no art. 261, vislumbra também esta perspectiva ao apresentar o seguinte:

Art.261. Nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor.

Assevera o Código de Processo Penal, art. 564, III, "c", e pelo entendimento dos autores Pedro Henrique Demercian e Jorge Assaf Maluly que, para realização do preceito acima exposto que o juiz tem o poder de "velar pela defesa técnica, seja nomeando defensor ao acusado, seja declarando-o indefeso com o reconhecimento de nulidade insanável sem que tenha de abdicar da imparcialidade".

Corroborando com esta perspectiva, Nucci complementa com a seguinte explanação:

"Torna-se fundamental que o magistrado zele pela qualidade da defesa técnica declarando se for preciso, indefeso o acusado e nomeando outro advogado para desempenhar a função. Note-se que nem mesmo o defensor constituído pelo réu escapa a esse controle de eficácia.” (Apud NUCCI, 2006)

E conclui o seu entendimento observando o direito do acusado de indicação de novo profissional de sua confiança:

“Não correspondendo ao mínimo aguardado para uma efetiva ampla defesa, pode o juiz desconstituí-lo, nomeando um substituto dativo, embora deva dar prazo ao acusado para a indicação de outro profissional de sua confiança." (Apud NUCCI, 2006)

Ainda, em face da defesa do réu, Fernando de Almeida Pedroso expressa que:

"Em vista do princípio da isonomia ou igualdade de todos perante a lei, ao réu confere-se o direito de atuar probatoriamente, em face do que alega, em igualdade de condições com o órgão estatal acusatório". (Apud PEDROSO, 1986).

Sendo assim, para que se possa realizar este ato é preciso a presença, então, de um representante devidamente constituído que proteja seus interesses e que o possibilitem exercer seu direito de defesa perante uma acusação fundada no Código Penal.

O juiz, verificando a insuficiência técnica do advogado ou inexistência de defesa realizada pelo defensor, no processo penal, seja por perda de prazo para realização de algum ato que possam trazer prejuízos à parte Ré, por exemplo, deve desconstituir o advogado e nomear outro defensor pra realizar este ato, tendo em vista que os atos procedimentais penais são obrigatórios e devem ser realizados. (Apud OLIVEIRA, Eugênio Pacelli, 2002)

Em consonância a este entendimento, tem-se na Súmula 523 do STF, in verbis: No processo penal, a falta da defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu.

Para Pacelli partindo do pressuposto da deficiência do defensor, o Judiciário pode reconhecer "ex officio" sua substituição à luz do princípio da ampla defesa como assim expressa:

"(...) a citada Súmula 523 deve ser entendia como o reconhecimento da possibilidade de o próprio Judiciário reconhecer a deficiência da atuação do defensor, determinando, ex officio, a sua substituição ou retificação, nos moldes antes aventados. Estaria assim melhor atendido o princípio da ampla defesa".

Abarca Fernando Capez, sobre a perspectiva de que o advogado não só vislumbra interesse particular de seu defendido, mas, também, da sociedade e que assim promoverá uma defesa efetiva, quando expõe:

"(...) o advogado atua além do interesse particular do réu; também no interesse social, que reside na justa atuação da jurisdição, que será obtida na medida em que o provimento judicial constituía a síntese da atividade dialética das partes processuais".

Tendo em vista este entendimento, não há de se discutir o direito do próprio juiz desconstituir o advogado que possa causar prejuízo ao réu ou ao próprio processo, visto que a Carta Magna de 1988 o prevê, mas sim, se o livre arbítrio de decisão do juiz sem fundadas as argumentações para realização da desconstituição do advogado.

O juiz, como presidente do procedimento no processo penal, deve fundamentar quanto as suas decisões pelo viés constitucional e processual descritos em lei, como o próprio art.93, IX, CF/88 expõe:

Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:

IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

Seu convencimento quanto à defesa técnica insurge da necessidade de destituição do defensor do réu por meio de uma decisão interlocutória que não se faz perante argumentos plausíveis e substanciais que comprovem este entendimento. Sua razão para arbitrariedade de poder compromete o andamento processual visto que, embora deva proteger o réu, respaldado pela ampla defesa, pode fazê-lo por seu entendimento de prejuízo à justiça e, em certos casos, excessos do advogado do acusado.

Observa-se que, Nucci segue esta livre convicção do magistrado quando diz que:

"Na realidade, o magistrado está livre para julgar como bem quiser, inclusive absolvendo o réu, por negativa de autoria ou qualquer outra causa (...)"

Tal prerrogativa é um artifício perigoso na instrumentalidade dos meios processuais em face dos princípios constitucionais, uma vez que, o controle dos atos jurisdicionais podem não ocorrer e as decisões se fundarem em um convencimento, simplesmente, pessoal, sem haver a discricionariedade do juiz e, ainda, imparcialidade de decisões.

Entretanto, para o mesmo autor verifica-se que o juízo não deixa de possuir imparcialidade nas decisões quando expressa:

"Cremos louvável a busca dos autores em equiparar o juiz às partes para o fim de não considerar alguém que está acima do acusador e do acusado. Está-se falando do órgão do Estado, encarregado de dirimir conflitos, e não de determinado magistrado, este sim pessoa humana conhecida e identificada passível de erros e acertos."

Há que se destacar o entendimento e atitudes do magistrado Thiago Hong Chui Kang, da 2ª Vara Criminal do Guarujá citado em notícia exposta pela repórter Priscyla Costa da revista Consultor Jurídico em 2007, ao qual em uma decisão interlocutória destituiu o advogado Pedro Paulo após entender que suas palavras foram além de padrões morais e seriam ofensivas e discorrendo que “Inadmissíveis as expressões utilizadas”.

Deve-se, contudo, observar que tal decisão não tece argumentos concisos para tornar a destituição do advogado plausível. Segundo entendeu o presidente da Comissão de Direitos e Prerrogativas da OAB-SP e o coordenador da Regional de Prerrogativas de Santos, Marco Antônio dos Santos Braga a medida do juiz era infundada e violava o Estatuto da Advocacia e concluiu em seus dizeres:

“Com a liminar, o advogado foi reintegrado à defesa, mas isto prova que ainda existem abusos por parte do Poder Judiciário e a Comissão de Prerrogativas da OAB-SP estará sempre atenta para atuar em casos como este”.

Com esta aplicabilidade, não se teve outro meio para reconstituir mesmo advogado ao processo senão por Mandado de Segurança expedido pelo TJSP, que entendeu por uma das argumentações pronunciada pelo desembargador Aben-Athar que entendeu que foi “ilegal” a postura do juiz reiterando: “Evidente o prejuízo para o curso do processo criminal”. Assim sendo, o advogado pode voltar a atuar no processo.

Deve-se, a partir desde caso, compreender as funções e decisões do juiz e que como bem direciona Valdez quando diz:

“É inegável que os princípios gerais do direito não somente servem de orientação ao juiz, no momento de proferir a sua decisão, mas também constituem um limite ao seu arbítrio, garantindo que a decisão não está em desacordo com o espírito do ordenamento jurídico, e que suas resoluções não violam a consciência social.”

Esta decisão se torna uma maneira interessante de compreensão dos poderes que o magistrado possui para desconstituição de advogado do réu, pois demonstra que o seu entendimento para realização deste ato durante o processo deve ser moldado à luz da Constituição e fundamentado em argumentos mais concisos.

 

3. CONCLUSÃO

 

A partir deste entendimento, então, para que se paute a desconstituição do advogado é preciso que o magistrado além de suas convicções devem apresentar argumentos fundados na Constituição Federal ou qualquer lei infraconstitucional que consolidem a aplicabilidade de sua decisão, visto que trará modificações à defesa do réu.

 

4. REFERÊNCIAS

 

PEDROSO, Fernando de Almeida. Processo Penal, o direito de defesa: repercussão, amplitude, limites. Rio de Janeiro: Forense, 1986. p. 18-19;

NUCCI, Guilherme de Souza, Código de Processo Penal Comentado, 5ª Ed. Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 548-816;

CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005;

DEMERCIAN, Pedro Henrique e MALULY, Jorge Assaf. Curso de Processo Penal. São Paulo: Atlas, 1999;

MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo Penal. 18ª ed. São Paulo: Atlas, 2006;

FLÓRES – VALDEZ, Joaquín Arce y, op. cit. p. 82/89;

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 10ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

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