A quebra de sigilo bancário e suas repercussões constitucionais.



Para que se entenda o embate entre o interesse público e o interesse privado que norteia a possibilidade da quebra de sigilo realizada pelo Ministério Público, faz-se necessário traçar a inserção do direito à intimidade como cláusula pétrea constitucional, bem como a compreensão entre o conflito principiológico que envolve a quebra de sigilo bancário e a proteção ao direito de intimidade.

A tutela constitucional do direito à inviolabilidade da intimidade, vida privada honra e imagem do indivíduo adveio da Constituição Federal de 1988, que os estabelece em seu artigo 5º, inciso X. Todavia, assim como o direito à intimidade, a Magna Carta de 1988 elenca também no artigo 5º, direitos fundamentais enquadrados como “direitos de terceira geração” (MENDES, 2010, p.310), que se caracterizam por serem de titularidade coletiva, posto que visam à proteção pública.

Assim, diante da perspectiva do direito à intimidade, associa-se sua aplicabilidade ao sigilo bancário. A estrutura normativa brasileira contempla na Lei Complementar nº. 105/01 a garantia do sigilo das instituições financeiras, e prevê, para tanto, as possibilidades de quebra do mesmo. Dessa forma, estabelece-se o conflito entre o interesse privado e coletivo, a partir do momento em que se colidem princípios atinentes à proteção da vida privada do indivíduo em contraposição a princípios que garantam o interesse coletivo, como o princípio da moralidade pública.

 Percebe-se que o embate principiológico decorre da amplitude do suporte fático constitucional dos direitos fundamentais. A restrição que pode recair sobre o direito à intimidade reflete-se como uma limitação imposta a um direito fundamental do indivíduo, descartando-se a violação, desde que o Estado preze pela ponderação de bens e interesses, não culminando assim, na supressão do direito, mas em sua restrição, valendo-se assim do principio da proporcionalidade (SILVA, 2010, P.180).

Os direitos individuais, quando em conflito com os direitos fundamentais coletivos, assumem natureza não-absoluta, a partir do momento em que aqueles são arguidos para encobrir a ilicitude de atos criminosos ou que causem lesão à coletividade (STJ, Recurso especial nº. 1.060.979-DF, Rel. Min. Luiz Fux).

No que tange às possibilidades de quebra do sigilo bancário, estabelecidas no artigo 1º da lei complementar nº. 105/01, observa-se que o legislador elenca os principais crimes em que a quebra deverá ser observada, como nos crimes contra o sistema financeiro, a contra a administração pública e contra a ordem tributária nacional. Porém, em seu caput estabelece também a quebra de sigilo financeiro “(...) quando necessária à apuração de ato ilícito”. Entende-se por esta premissa que tem também aplicabilidade nas ações de improbidade administrativa, especialmente quando vinculadas a pratica relacionada á atividade delituosa.  (STJ, Recurso especial nº. 996.983- PE, Rel. Min. Herman Benjamin).

No que tange, assim, à aplicação da quebra de sigilo bancário aos atos de improbidade administrativa, tem-se que, mesmo esses não sendo considerados crimes, tal medida também será possível para fins de apuração do inquérito e para a instauração da ação civil pública.

 

“Deveras, o sigilo bancário não tem caráter absoluto, devendo ceder ao princípio da moralidade pública e privada, este sim, com força de natureza absoluta. A regra do sigilo bancário deve ceder todas as vezes que as transações bancárias são denotadas de ilicitude, portanto não pode o cidadão, sob o alegado manto de garantias fundamentais, cometer ilícitos. O sigilo bancário é garantido pela Constituição Federal como direito fundamental para guardar a intimidade das pessoas desde que não sirva para encobrir ilícitos.”  (STJ, Recurso especial nº 1.060.976-DF, Rel. Min. Luiz Fux)

 

Existem, contudo, divergências doutrinárias quanto à atuação do Ministério Público na requisição da quebra de sigilo bancário para a apuração do ilícito no intuito de propor a ação penal. A doutrina que defende a quebra de sigilo independente de autorização judicial aduz que a exigência da mesma somente deverá ser aplicada nas hipóteses da inviolabilidade de domicílio e as comunicações telefônicas e que, nas demais a lei atribuirá ao poder público a possibilidade de requisição direta da medida, desde que seja indispensável (PACELLI, 2011, p.296). Há aqueles que defendem que a quebra de sigilo bancário somente seria possível pelo Ministério Público mediante fundamentada decisão judicial (LOPES, 2009, p. 199) embasados no artigo 6º, inciso XVIII, do Estatuto do Ministério Público da União, na lei complementar nº. 75/93, ao conferir competência do órgão para representar ao órgão judicial visando à quebra de sigilo de correspondências e de dados telefônicos.

Assim, tem-se um embate que decorre da indagação sobre a necessidade de decisão judicial ou não para a quebra de sigilo bancário requerida pelo Ministério Público, ao passo que, mesmo tendo autonomia institucional, e sendo autorizado constitucionalmente para requisitar informações e documentos consoantes o art. 129 da CRFB/1988, necessita de autorização judicial para tanto.

Destarte, consoante o artigo 157 do Código de Processo Penal, são inadmissíveis as provas ilícitas do processo que intentem violação à norma constitucional ou legal e, diante deste contexto, a autorização judicial configura-se como uma medida necessária para a realização da quebra de sigilo bancário pelo Ministério Público, posto que essa medida depara-se diante um conflito de normas fundamentais atinentes ao direito à intimidade em contraposição ao interesse público, sendo mister resguardar ambos direitos em sua proporcionalidade.

REFERÊNCIAS

ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da fundamentação jurídica. 2. ed. São Pulo: Landy, 2005.

BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva 1996.

BELLOQUE, Juliana Garcia. Sigilo Bancário: Análise crítica da LC105/2001. São Paulo: Editora RT. 2003.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 35. Ed.São Paulo: Saraiva 2005. 

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial Nº. 996.983- PE (2007/0244372-8). Rel. Ministro Herman Beijamin. Diário de justiça.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº. 1.060.976- DF (2008/0113996-8)Rel. Ministro Luiz Fux. Diário de Justiça. 

FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Atos de improbidade administrativa-doutrina, legislação e jurisprudência. 2º ed., São Paulo: Editor Atlas. 2008. 

JARDIM, Afrânio Silva. Direito processual penal. 11 ed., revista e atualizada. Rio de Janeiro: Forense, 2002. 

LOPES, Luciano Santos. A possibilidade de quebra de sigilo fiscal diretamente realizada pelo Ministério Público: limites da investigação criminal e o respeito aos direitos fundamentais do acusado. In: Análise de precedentes criminais do Superior Tribunal de Justiça-Estudos em homenagem à desembargadora Jane Ribeiro Silva. Belo Horizonte: Editora Atualizar, 2009. 

LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional, volume 1. 3 ed., revisada e atualizada. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2008. 

MAZZILLI. Hugo Nigro. O inquérito civil e o poder investigatório do Ministério Público. In: A ação civil pública após 20 anos: efetividade e desafios. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. 

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 5. ed. Ver. E atual. São Paulo: Saraiva; Brasília: Instituto Brasiliense de Direito Público, 2010. 

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 14º ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2011. 

SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2.ed. São Paulo: Malheiros, 2010.

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Autor: Ana Luisa De Oliveira Ribeiro


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