Filme Zuzu Angel e cidadania no Brasil



O filme Zuzu Angel, retrata por excelência a história de uma famosa e bem sucedida estilista brasileira. Todavia, o autor sacrifica a invejável história profissional desta estilista, para dar especial enfoque ao seu desespero de mãe, promovido pela prisão, tortura e morte de seu filho Stuart Edgar Angel Jones, motivado pelo seu assíduo envolvimento com a guerrilha que combatia o sistema ditatorial no Brasil.

Em uma dimensão precipuamente emocional o filme reconstitui a trajetória de Zuzu Angel na busca de informações acerca do paradeiro de seu filho, dado como desaparecido político.

Assim, há de se ter presente que o filme traz como cenário o contexto da ditadura militar no Brasil, aspecto este que se reveste de extrema relevância para a referida análise.

O contexto histórico e político que se pode aferir do período militar no Brasil, corresponde essencialmente a um retrocesso à construção da cidadania, que até então se encontrava em um processo lento e gradual de evolução. Tal assertiva não é equivocada, tendo em vista de que o período anterior a ditadura (1945 a 1964) constituía-se como cenário ideal para a implantação ou ao mesmo o marco inicial para a efetivação da democracia no Brasil, principalmente em razão da elevação dos direitos políticos. No entanto, a instauração da ditadura representou o real óbice para que se vislumbrasse a efetivação democrática.

Outro aspecto relevante para se caracterizar o período ditatorial do Brasil, é representado pela eficácia das forças aliadas ao sistema em vigência. O filme faz uma notória crítica à contribuição da igreja católica, setores da classe média e junta militares norte-americana.

Nesse sentido, cumpre asseverar que o apoio desses setores da sociedade e instituições, revelou-se como fator determinante para o fortalecimento do regime. Diante disso tratemos brevemente de analisar cada uma dessas representações, sob o manto das elucidações de José Murilo de Carvalho.

O discurso apresentado no filme pelo padre a Zuzu Angel, deixa explicito a omissão da igreja católica diante das manifestações cruéis da ditadura, discurso este que legitima a ação dos militares contra os combatentes, aludindo ao argumento de que estes atentaram em primeira instância com violência, justificando a ação dos militares, vale ainda dizer que contribuíam para a mitificação de que as sessões de tortura praticadas pelo Estado seria uma falácia, uma construção de má-fé dos opositores.

Acerca da participação da classe média no período militar, são elucidativas as palavras de José de Murilo de Carvalho.

 

O “milagre” econômico deixara a classe média satisfeita, disposta a fechar os olhos à perda de direito políticos [...] Mas uma vez desaparecendo o “milagre” [...] a classe média inquietou-se e começou a engrossar os votos de oposição. (p.192)

 

Assim, há que se aferir que ocorreu certa pacificação por parte de alguns setores da sociedade, e tal constatação tornam-se previsível, partindo do pressuposto de que os regimes de ditadura no Brasil foram marcados precipuamente pelo avanço dos direitos sociais e suspensão dos direitos civis e políticos, tendo em vista de que o objetivo é construir uma sociedade dependente do Estado, vinculada ao paternalismo estatal, e a elevação dos direitos sociais conjugada com o crescimento econômico, é um fator determinante para despertar na sociedade uma determinada postura omissiva quando a suspensão dos demais direitos.

Infelizmente esta evidência traduz em reflexos essencialmente negativos na contemporaneidade, principalmente no que concerne a corrupção, tendo em vista de que o paternalismo estatal resulta na crença da sociedade de que são incapazes de identificarem-se como agentes transformadores do meio social, em razão de sua concepção de dependência, originando-se assim o “messianismo” que se caracteriza justamente pela crença em um líder que será o “salvador da pátria”, este aspecto é uma elementar para que as pessoas não se identifiquem como detentoras do poder político, e mais ainda não compreendam que o eleito é um mero representante do povo. Ao contrário, enaltecem o representante como se fosse o legítimo dono do poder, único e capaz de melhorar a condição social através da elevação dos direitos sociais. Diante disso, cumpre asseverar que o representante ciente de que é o legítimo detentor do poder, subsidia deste para atender interesses pessoais, ato este gerador de corrupção.

Com efeito, a característica elementar da ditadura militar é o cerceamento dos direitos civis (liberdade de expressão, sigilo de correspondência e prisão somente em flagrante delito ou mandado judicial emitido por autoridade competente entre outros), torturas, desaparecimento e mortes injustificáveis, além da utilização da lei como mecanismo de legitimação para os atos arbitrários e desumanos do Estado brasileiro.

Após Zuzu ter descoberto que de fato seu filho havia sido mais uma vítima da ditadura militar, apela ao senador norte-americano Edward Kennedy que leva o caso ao congresso dos Estados Unidos, atentando-se que o pai de Stuart era norte-americano. Ademais saliente-se que há fortes indícios que discutem a atuação de juntas militares norte-americanas na ditadura no Brasil que buscava interesses políticos e econômicos.

Ademais, é certo que a ditadura militar no Brasil representa um passado obscuro, mas importante de ser discutido. Apesar dos traços negativos que obstaculizam a construção da cidadania, é um passado merecedor de especial atenção no que se refere a desmistificar e revelar a verdadeira história da ditadura militar, que seja essencialmente imparcial em defender interesse políticos atuais, e subsidiando dos documentos necessários e de depoimentos de nacionais como o de Zuzu, mas que diferente desta conseguiram resistir à violência repudiosa desta fase da história brasileira.

Assim como Zuzu Angel diversas famílias sofreram com a perda de seus entes queridos pelo sistema repressivo ditatorial, no entanto diferentemente de Zuzu não subsidiavam dos meios para que pudessem dar voz ao seu desespero, este é o momento para essas famílias! O cenário ideal para revelar a história não contada, afim de que se possam homenagear os guerrilheiros desaparecidos, torturados e mortos. Enfim, “lembrar para que não repita”.

 Tatiane de gois Ferreira

Referências Bibliográficas 

 

CARVALHOJosé Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,. 2002


Autor: Tatiane De Gois Ferreira


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