Síntese do pensamento no idealismo alemão (de fichte a schelling)



“A beleza é a percepção do infinito no infinito”

(F. Schelling)

 O Idealismo Alemão é, no plano filosófico, o período de transição entre o Iluminismo (Aufklärung) e o Romantismo e concentrou-se fervorosamente na Universidade de Jena (na Alemanha) iniciando-se em 1794 (quando Fichte foi para a Universidade supracitada) até o ano de 1854; e o estopim para o Idealismo se deve aos postulados Kantianos acerca da solução das antinomias, sendo, principalmente, a noção de liberdade (resultado da terceira antinomia que era explicitada da seguinte forma : há causalidades por liberdade x só há causas naturais; Se o condicionado é dado, é dado também uma série de conceitos relacionados a totalidade de sua condições/o incondicionado, os objetos dos sentidos são dados como condicionados, logo pode-se inferir a possibilidade de haver a liberdade) que Fichte, por sua vez, maravilhou-se e, nessa solução, encontrou uma idéia plausível acerca da liberdade e não mais uma mera ilusão. Fichte (procurando desenvolver melhor a idéia colocada por Kant acerca da liberdade)

Kant, apesar de elucidar e abranger várias teorias em seus postulados deixara algumas teorias que, para os idealistas alemães, mereceriam ser melhores explanadas e, essa necessidade no âmbito teórico foi o aparelho motriz para a eclosão desse movimento filosófico e, conseqüentemente, para a realização de muitas teorias colocadas nesse período transitório denominado de Idealismo Alemão.

Os problemas deixados pelo legado do Kantismo é passível de inferir que derivaria principalmente da junção entre a razão prática (um conhecimento que está intimamente ligado a faculdade do agir e o da sensação) e a razão teórica (um conhecimento que apenas conhece – está inserido apenas no plano racional), sendo, então, necessário demonstrar qual dessas razões possui um primado sobre a outra; Fichte , assim como todos os filósofos dessa corrente, infere que a razão pratica possui um Primado sobre a razão teórica, ou seja, mostrar que a razão que está ligada ao agir é mais importante do que aquelas que possuem seu plano apenas na esfera racional.

A razão Prática possui o primado, pois essa está ligada fundamentalmente a liberdade (seja ela política ou moral – pois essas são intimamente ligadas ao agir, sendo o agir, nessas esferas, de suma importância para ser concretizada) e a razão teórica são dadas apenas como uma espécie de “acessório” para a elaboração de tais questões (pertinentes). O conhecimento para Fichte é uma relação entre sensação e razão, nesse sentido para o filósofo supracitado, Kant deixou alguns problemas e os Idealismos Alemães intenta resolvem-lo interpolando uma tentativa de dissolver também outra questão que é pertinente nesse período, que é a noção da coisa-em-si: É preciso dissolver idealisticamente a coisa-em-si. No âmbito teórico não será plausível a dissolução, uma vez que é necessário dissolver essa coisa-em-si no plano prático. O sujeito precisa do plano teórico para poder resolver o problema da coisa-em-si, porém esse sozinho não é suficientemente capaz de elucidar tal questão, necessita, principalmente, da razão prática, para que possa haver uma resolução que seja plausível no âmbito racional.

Após essa breve explanação acerca desse período transitório, é importante ressaltar a vida e as teorias filosóficas dos autores desse período, detenha rei explanar aqui acerca dos dois primeiros filósofos, que, mesmo que não sejam os filósofos mais conhecidos e estudados dessa época, estes, por sua vez, possuem uma grande importância para esse período filosófico, a saber: Fichte e Schelling, e farei uma breve explanação da teoria acerca da relação entre filosofia e história da filosofia que é concretizada em Hegel.

O precursor do Idealismo Alemão e um dos principais filósofos dessa foi Johann Gottlieb Fichte, para compreendermos a filosofia do autor em análise e o surgimento (para uma melhor compreensão desse surgimento) desse período faz-se necessário compreender um pouco da vida deste, aqui dedicarei apenas em suscitar os fatos mais importantes.

Fichte nasceu em 1762 na cidade de Berlim, e, foi em 1790 que ele teve um contato melhor com a filosofia de Kant, ou seja, quando houve sua sublimação acerca dos extratos desse filósofo (que ocorreu quando um de seus alunos pediu para ele lecionar o autor em questão) e viu nesse uma idéia plausível, e não mais uma mera ilusão a respeito da liberdade (como já fora elencado); em 1794, graças ao romancista alemão Goethe, foi convidado a lecionar na Universidade de Jena, onde iniciou sua época áurea e, podemos inferir, que esse local é o berço e o apogeu do Idealismo Alemão. E, em 1799 surge uma polêmica na qual Fichte estava sendo acusado de Ateísmo (pois Fichte, atendendo a um pedido de um aluno, faz o prefácio de um livro que o aluno produzira aonde o aluno infere que a moral independia dos preceitos religiosos – em suma) e Fichte foi convidado a sair da Universidade de Jena. Mais tarde, após anos lecionando na Universidade de Berlim, Fichte foi convidado a ser o reitor dessa (em 1810)) e, em 1814, morre de cólera.

Fichte põe a liberdade moral, a autoconsciência da atividade livre e originaria do Eu, como primeiro principio, assegurando, deste modo, o Primado da Razão Prática sobre a Razão Teórica (como já fora explicitado). Assim, o autor explicita como sendo ideal e o ideal para ser aceito é primeiramente deve ser colocado como não sendo, pois, as coisas não são o que parece que são. O ideal, então, terá de se colocar como o não sendo, desta forma dar-se à a noção de ilusão necessária (a ilusão necessária é a idéia de que a razão faz um movimento que parte do domínio do para-si, sendo o para-si dado como o Eu – sujeito, espírito, liberdade, ideal – para a esfera do em-si, que é inferido como o não-Eu – objeto, natureza, determinabilidade, real – quando, na realidade essa razão é algo que não faz parte do sujeito, mais sim do objeto,  o não-Eu); sendo devido a essa ilusão, essa sujeição a essa ilusão, que os indivíduos, conseqüentemente, não são livres, de fato, pois esses pensam que, ao invés de haver uma primazia da razão prática imaginam o contrário, que a razão teórica (que apenas se detém em conhecer o objeto) é que possui o primado sobre a razão prática.

Desta forma haverá nos postulados de Fichte prepondera, principalmente, um movimento dialético de superação entre o Eu (sujeito) e o não-Eu (objeto), e Fichte tem por objetivo, com esse método, o de lavorar qual espécie de razão é o primado essencial para poder demonstrar que esse ser é passível de ser livre, esse movimento dialético será posto da seguinte forma: em suma, o sujeito, como já situado, inicialmente coloca-se como não sendo para poder demonstrar como sendo o que é. Explorando melhor esse método, o sujeito coloca-se de maneira passiva (inferindo que o não-eu é colocado de forma ativa, como determinando do Eu) para agir de maneira prévia a respeito dessa superação, e, suponhamos (como uma espécie de acessório argumentativo para poder concretizar o raciocínio do autor) que a autoconsciência deve ser pensada como infinita (absolutamente livre); com a suposição dessa liberdade absoluta é como ele vai viabilizar o raciocínio formal a respeito de sua teoria.

Inicialmente Fichte demonstra o Eu opondo-o a si mesmo (como absolutamente livre – como já foi citado) através de argumentos indutivos; A autoconsciência (absolutamente livre), nesse ponto, é inferida no seguinte raciocínio: Ela não pode existir sem um objeto que a defronte (um obstáculo inserido na esfera do não-Eu ) e, em segundo lugar, e mais profundamente, que este objeto não pode surgir se não a partir de uma atividade produtora que tem origem no próprio Eu. E, em segundo plano, o filósofo coloca o Eu e contrapõe, no Eu, o Eu a um não-Eu (colocando o Eu como sendo, agora, ativo sobre o objeto – não-Eu); essas formas acima auferidas o autor postula que, quando o Eu põe-se como determinado pelo não-Eu (primeiro caso) essa forma é denominada como Eu-teórico e, quando o Eu põe como determinando o não-Eu essa forma é qualificada como o Eu-prático.

O Eu-teórico é, para Fichte, finito (sendo o Eu-teórico a consciência comum – eu me encontro em uma atividade fora de mim, produzida por mim mesmo, trazendo à tona a questão da ilusão necessária, que esta supracitada), e o Eu-prático, por sua vez, é potencialmente infinito, e a conseqüência dada a essa potencialidade (e não a realização do fato por si) é o que faz com que esse não-Eu nunca poderá ser esgotado ( o objeto tem de ser finito, para que possa ser conquistado e, por sua vez, procura-se vencer outro obstáculo para que possa ser vencido, e assim por diante), assimilando-o progressivamente, do domínio natural (em-si, não-Eu, objeto, e etc.) para o domínio espiritual (para-si, Eu, sujeito, e etc.); Vale ressaltar que o eu-prático é potencialmente infinito e que somente pela luta e da superação (do Eu-passivo para o Eu-ativo) entre a idealidade(espírito) e realidade(natureza) é que o eu-absoluto (o estado ideal do Eu-prático) poderá voltar ao seu estado ideal (para, enfim, demonstrar o que é).

É importante salientar também que Fichte, para completar a sua teoria, postula que, não se pode pensar o finito como algo fora do infinito, pois, se pensar desta forma, dará outra significação a expressão “infinito”. Por infinito, se pensa como uma forma absoluta do finito: “Em um dos seus momentos, o infinito foi finito”, uma forma vulgar para expressar esse movimento que Fichte (para comprovar a existência do Eu-absoluto) seria: “As coisas que são, inicialmente, não são o que são” (inferindo dessa forma o primeiro movimento, e crucial, para o desenvolvimento de sua teoria).

Outro Filósofo de suma importância nesse período Filosófico foi Friedrich Wilhelm Joseph von Schelling, e o apresentarei de forma verossímil a que foi explanado Fichte. Schelling foi discípulo de Fichte e, em 1799, quando seu “tutor” perdeu seu espaço na Universidade de Jena, foi ele que assumiu sua posição nessa, e, como Fichte, foi nesse local o período áureo de sua filosofia; em 1800, com a publicação de sua obra intitulada de “O Sistema do Idealismo Alemão”, chegou a conviver estreitamente com os românticos da época (Goethe, irmão Schlegel - por sinal até casou-se com Caroline Schelegel; pode-se dizer que Schelling foi o filósofo mais romântico até Scheopenhauer) em 1841 é nomeado para lecionar no lugar de Hegel, onde passa a comandar um movimento contra esse filósofo; em 1847 ele pára de lecionar e, em 1854,em Bad Ragaz, o filósofo morre.

Fichte relata que o Idealismo não pode vencer o realismo no plano teórico mais, no plano prático, sim; Schelling contradiz Fichte dizendo que nem no plano prático, o idealismo venc.

O filósofo, no “Sistema do Idealismo Transcendental”, parte de sua teoria no qual é uma espécie de complementação com a Filosofia da Natureza para explicitar a Doutrina da Ciência de Fichte, sendo essa filosofia constituída na dialética do para-si ( o Eu, Espírito, Liberdade, Razão Prática, Idealismo) em contraposição com em-si ( o Não-Eu, Natureza, Determinismo, Razão Teórica, Realismo) para que possa conhecer qual das duas (oposições) é, de fato, a melhor. Sendo o Eu (razão prática) atribuído como ponto de vista ético e o Não-Eu (natureza) como ponto de vista estético.

Em ambas as situações, deve ser realçado que são utilizados os mesmos princípios “A natureza deve ser o espírito visível e o espírito é a natureza invisível”, sendo que uma (espírito) opera com e a outra (natureza) opera sem a consciência.

Na natureza, a atividade inteligente e consciente progride até os planos mais elevados, até que sua inteligência alcance a autoconsciência (Idealismo Absoluto – sendo que este somente pode ser encontrado e debatido pelo intermédio da liberdade). Schelling faz alusão ao caminho inverso (da inteligência para a natureza, por isso o título de sua obra “O Sistema do Idealismo Transcendental”).

Em resposta à pergunta: “de que modo, ao mesmo tempo, as representações podem ser pensadas como determinadas pelos objetos e os objetos podem ser pensados como determinados pelas representações?”, Schelling explicita que esta não é a tarefa primeira da Filosofia mais sim a tarefa suprema da Filosofia Transcendental, e somente vem a luz tal resposta a esta pergunta se combinarmos ambos os mundos (o Eu e o Não-Eu).

A priori, em um mundo objetivo esta visão é inalcançável só se tornará possível se houver um mundo pré-estabelecido, sendo que, esse último somente poderia ser pensada supondo que as atividades deste último mundo entre ambos fossem idênticas ao mundo objetivo e vice-versa.

Toda ação livre produz algo, mesmo que conscientemente buscando tal produção. Suponhamos que todo princípio desta ação consciente produzida tenha também um princípio inconsciente (consciente não-consciente). Suponhamos também que seja esta a identidade fundamental da primeira. Na ação do querer o que foi exibido como atividade da primeira deve necessariamente coexistir também no plano da segunda, entre outras palavras, o que existe no plano consciente deve coexistir no não-consciente.

A natureza, tanto no todo quanto em partes deve ser tratado como um trabalho a efeito, mesmo sendo esse oriundo do mecanicismo, ou seja, a filosofia da natureza pode ser entendida como ela sendo uma filosofia teleológica (possuindo, por conseguinte uma finalidade), por se preocupar nos fins em que a mesma resulta e ela só estaria completa se pudesse demonstrar esta identidade em seu princípio, no Eu.

A concordância entre o mundo ideal da arte e o mundo realista dos objetos é que torna possível, com a ausência da consciência, o mundo real e, com a presença da consciência, o mundo estético. Partindo desta premissa é que Schelling reflete que, a partir das atividades estéticas é que poderemos compreender a junção entre a razão prática e a razão teórica, ou seja, o espírito com a natureza.

É nas atividades estéticas que encontramos a compreensão de uma atividade simultaneamente consciente e inconsciente, ou seja, uma forma de representação que esta intrinsecamente ligada com a moralidade e a ciência, a exemplo; e somente pela estética é que podem ser encontrados os diferentes graus na natureza até chegarmos ao organismo, entendido como “manifestação mais espiritual da Natureza”, ou seja, é ela que proporciona a intuição absoluta entre o ideal e o real, permitindo a nós reconhecermos o processo pelo qual o espírito percorre e que é passado, também, pela natureza.

Em suma, a Filosofia Transcendental toma como objeto de análise o conhecimento, sua tarefa é encontrar a certeza absoluta por meio da qual todas as outras certezas são mediadas.

O conhecimento que é gerado por essa filosofia são aqueles abarcados pelo senso-comum, na medida em que tudo que existe na inteligência corresponde a natureza. Ela – a filosofia transcendental- nos leva a comprovação de que os objetos representados correspondem com as representações que fazemos deles através da inteligência.

Podemos considerar também que o pensamento é quem produz a realidade “objetiva”. Daí é gerado o problema de como algo presente na realidade objetiva pode ser alterado pela subjetividade.

Baseado nesses dois postulados, como poderia algo de objetivo se conformar ao subjetivo e vice-versa? Ou seja, como poderia nosso conhecimento ser verdade e nossa vontade ser efetiva?

Este tipo de problema não pode ser resolvido nem pela filosofia teórica e nem pela prática, mais sim por uma disciplina mais plena que conceba a existência de uma harmonia pré-estabelecida entre ambas. Esta ultima é impensável a não ser que o processo de se produzir o objetivo através do subjetivo seja o mesmo para a relação inversa.

Podemos considerar que tanto as atividades conscientes quanto a inconsciente produzem algo no mundo, para que o problema seja solucionado. Além disso, é necessário explicitar qual o tipo de atividade consciente os dois tipos de relação (sejam elas a criação de um objeto através da representação e a criação de representações através do objeto), esta consiste no fazer artístico que sem consciência dá o real e com consciência dá o mundo estético.

 

REFERÊNCIAS BILIOGRAFICAS:

1 - KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. São Paulo: Martin Claret;.

2 - Os Pensadores - Escritos Filosóficos: Johann Gottlieb Fichte e Friedri - Johann Gottlieb Fichte / Friedrich Von Schelling

3 - PASCAl, Georges, O Pensamento de Kant, trad. De Raimundo Vier 8ª ed.2003, editora Vozes.

4 - SCHELLING, Friedrich, Sistema do Idealismo Transcendental-1800. 1797 Ideen zu einer Philosophie der Natur. Battaglia (1951), I, pp. 301 segs; Ferreira, Manuel Carmo.

Download do artigo
Autor: Jefferson Luis Brentini Da Silva


Artigos Relacionados


O Infinito E A Natureza Em Schelling

Causa E Efeito: Discussão De Kant E Hume (part I)

Liberdade E Autonomia

A Revolução Copernicana Na Obra Crítica Da Razão Pura De Immanuel Kant

A Dialética Hegeliana E O Materialismo Dialético De Marx

A Ideia De Paz Perpétua Em Kant

Resenha De "o Discurso Filosófico Da Modernidade - Habermas"