Dificuldades de aprendizagem



Para entender o que é dificuldade de aprendizagem, é necessário que se analise algumas teorias que definem o que é aprendizagem. Dentre as inúmeras que aborda o assunto, destacam-se as behavioristas, as cognitivistas, as da mediação e as humanistas.

Na visão behaviorista, a aprendizagem pode ser observada e mensurada pelos comportamentos manifestos pelos sujeitos, após terem sido estimulados, intencionalmente. Segundo Ellis (1994), essa visão predominou por duas décadas após a segunda guerra mundial e teve como inspiração as teorias de aprendizagem geral propostas por psicólogos como Watson (1924, apud Ellis, 1994) e Skinner (1957, apud Ellis, 1994), dentre outros.

Segundo esse paradigma, caso as condutas definidas nos objetivos comportamentais não se manifestem é porque houve um problema, geralmente atribuído ao próprio aprendiz, por algum déficit que apresente ou por sua incapacidade de reagir adequadamente aos estímulos que lhe foram oferecidos. Nas explicações behavioristas para as dificuldades de aprendizagem não há referências sobre o funcionamento da mente ou sobre as emoções do aprendiz.

A aprendizagem para Skinner é fruto de condicionamento operante, ou seja, um comportamento é premiado, reforçado, até que ele seja condicionado de tal forma que ao se retirar o reforço, o comportamento continue a acontecer.

O condicionamento exclui qualquer consideração sobre pensamentos, sentimentos, intenções, em geral, nos processos mentais ligeiros, e se preocupa, exclusivamente, com causas comportamentos externas à mente e passíveis de observação (BLOCK, FURTADO & TEIXEIRA, 2003, p. 13).

Nas teorias cognitivistas, das quais o construtivismo faz parte, toda a evidência deve ser colocada nos processos mentais superiores: percepção, processamento de informações, resolução de problemas, compreensão, atribuição de significados, armazenamento de informações, uso dos saberes construídos, etc., que permitem aos sujeitos conhecer o mundo e construir suas estruturas cognitivas, ou atualizar potenciais latentes.

Segundo Piaget (2005), o ponto de partida do desenvolvimento cognitivo é caracterizado por uma inteligência prática, em um período de desenvolvimento, em que a criança busca compreender a realidade através da construção de esquemas de ação, o que caracteriza o período sensório-motor. Esses esquemas servem de subestruturas às estruturas mais complexas dos próximos períodos de desenvolvimento cognitivo: o período pré-operatório, operatório-concreto e operatório-formal.

Para Piaget (2003) as relações interpessoais exigem regras e o desenvolvimento cognitivo é essencial para a compreensão das mesmas. Portanto, o desenvolvimento intelectual está relacionado às experiências espontâneas e adquirido do indivíduo, das ações sensório-motoras às operações formais, por meio de sucessivas transformações.

Nessa visão, a construção do conhecimento pondera o mecanismo que Piaget (2003) denominou de equilibração por auto-regulação. Isto significa que o indivíduo utiliza os recursos cognitivos disponíveis para compreender, mesmo que momentaneamente, as situações vivenciadas ou problematizadas, podendo ao longo de seu desenvolvimento superar a sua compreensão por meio de desequilíbrios. Este processo permite ao sujeito, uma nova elaboração de sua compreensão devido à formação de novas estruturas de pensamento.

As dificuldades de aprendizagem, nesta concepção, podem ser explicadas pelas limitações dos sujeitos em processar ou utilizar, adequadamente, as informações que recebem do meio, mostrando-se como incapazes de aprender, de compreender, de ler, escrever, calcular, de conservar, reunir, ordenar, classificar, abstrair, etc.

Aprendizado, segundo Cunha (1987), significa o ato de o aprendiz aprender; a própria palavra aprendizado sugere que o indivíduo dirige-se ativamente ao aprender. O termo problema, segundo o mesmo autor, surgiu no século XVII e refere-se a uma questão matemática, portanto, de ordem lógica, proposta a fim de que seja dada uma solução.

A palavra distúrbio, segundo Cunha (1987), significa alteração da ordem das coisas, interrupção e, quando se refere ao aprendizado, está em geral relacionado a comprometimentos neurológicos que afetam o ato de aprender. Esses, de acordo com Campos (1997), relacionam-se à disfunção do sistema nervoso central, sem que haja uma vinculação direta com as condições deficientes ou ambientais.

MEGDA (1984) ressalta que a expressão distúrbio de aprendizagem foi usada pela primeira vez por Kirk, que assim o define: Um distúrbio de aprendizagem se refere a um retardo, desordem ou atraso no desenvolvimento em um ou mais dos processos de fala, linguagem, leitura, soletração, escrita ou aritmética, resultante de possível disfunção cerebral ou distúrbio emocional ou comportamental e não de retardo mental, privação sensorial, fatores culturais ou de instrução (KIRK, 1962, p. 263, apud MEGDA, 1983, p.36).

Mesmo sem levar aos extremos a contribuição das neurociências e, nelas, o papel do cérebro, alguns teóricos cognitivistas relacionam as dificuldades de aprendizagem a disfunções cerebrais, enquanto que outros levantam hipóteses distintas e que se afastam das lesões ou disfunções. Apelam para imaturidade, para o atraso no desenvolvimento de certas habilidades como: as perceptivo-motoras; as responsáveis em manter a atenção seletiva; a memória; o processamento das informações ou à existência de potencial intelectual médio ou baixo, dentre outras habilidades.

A teoria da mediação tem em Vygotsky sua expressão maior. Para Vygotsky (1989, p. 50), o desenvolvimento cognitivo não ocorre independente do contexto histórico, social e cultural, nem se organiza em estágios, pois o desenvolvimento, incluindo-se os processos mentais, tem origem e natureza sociais.

Segundo essa concepção as dificuldades de aprendizagem podem ser explicadas segundo a lei da dupla formação, cuja explicação é: no desenvolvimento dos indivíduos qualquer função mental aparece duas vezes, primeiro em nível social e depois em nível individual. Ou seja, primeiro entre pessoas (daí a importância da mediação) e depois no interior do próprio aprendiz (pela internalização do conhecimento construído).

Portanto, as dificuldades podem ser geradas tanto fora do sujeito, na mediação (que inclui a inadequação dos instrumentos ou signos utilizados) quanto, no interior do próprio aprendiz, devido a algum problema biológico ou conseqüência psicológica das suas relações com o ambiente.

Na teoria humanista, o aprendiz é percebido como um todo, valorizado em suas ações, em seu intelecto e em seus sentimentos, isto é, ele é percebido como pessoa. Existem cinco elementos que estão intimamente envolvidos nos fenômenos educativos: aprendiz; professor, matéria de ensino, matriz social e avaliação.

Numa tentativa de relacionar essas idéias com as dificuldades de aprendizagem parece que, se ocorrem, é porque uma, duas ou as três “coisas” que todos os seres humanos fazem estão bloqueadas e/ou porque os elementos do fenômeno educativo, isoladamente ou no seu conjunto, geram as dificuldades.

Após analisar as teorias acima, cabe a pergunta: onde situar a abordagem psicopedagógica acerca do que sejam as dificuldades de aprendizagem?

Sem que se possa localizá-la, exclusivamente, numa das teorias sobre o processo de aprender, pode-se dizer que ela mais se aproxima da concepção humanista, na medida em que esta valoriza a pessoa, em todas as suas dimensões, sem privilegiar qualquer delas como a mais importante.

Sob o enfoque psicopedagógico, as dificuldades de aprendizagem representam uma questão extremamente complexa e, qualquer tentativa de explicação que atribua suas origens a uma única causa, será insuficiente e falha. A mais significativa contribuição da abordagem psicopedagógica reside, portanto, em mostrar as evidências de que as dificuldades de aprendizagem que levam ao fracasso escolar não dependem de uma única causa, e que, apenas identificá-las não será o bastante para resolver a questão.

 Scoz afirma que os problemas de aprendizagem não são restringíveis nem a causas físicas ou psicológicas, nem a análises das conjunturas sociais. É preciso compreendê-los a partir de um enfoque multidimensional, que amalgame fatores orgânicos, cognitivos, afetivos, sociais e pedagógicos, percebidos dentro das articulações sociais. Tanto quanto possível, a análise, as ações sobre os problemas de aprendizagem devem inserir-se num movimento mais amplo de luta pela transformação da sociedade.

Para VISCA (1987), as dificuldades de aprendizagem são sintomas que decorrem de obstáculos que aparecem no mesmo momento histórico em que está ocorrendo a aprendizagem que, por sua vez, resultam de toda a história vivida pelo aprendiz, nas suas dimensões afetivas, cognitivas, sociais, orgânicas e funcionais.

Segundo esta visão estar com dificuldade para aprender, significa estar diante de um obstáculo que poder ter um caráter cultural, cognitivo, afetivo ou funcional e não conseguir dar continuidade à aprendizagem por não possuir ferramentas, ou não poder utilizá-las, para transpor o obstáculo.

A existência do obstáculo nem sempre caracteriza uma dificuldade patologizante, isso vai depender da forma como este obstáculo vai ser encarado pelo sujeito, por seus interlocutores e pela comunidade em geral. A presença de um obstáculo no processo de aprendizagem não indica a existência de dificuldade permanente, mas, sim, a forma que o sujeito encontrou de auto-regular seus esquemas de aprendizagem. Neste sentido, a busca da superação desses obstáculos deve acontecer não como uma proposta de cura, mas como um encontro para a ampliação de recursos a serem utilizados neste movimento de busca de equilíbrio e de auto-regulação.

Por exemplo: uma criança pode perfeitamente após vivenciar a separação dos pais, apresentar um baixo rendimento escolar, porém isso não significa que ela terá deste momento em diante sempre dificuldade na aprendizagem, após passado o período de readaptação da vivencia, tudo deverá voltar ao normal. Neste caso o obstáculo na aprendizagem foi caracterizado pela separação dos pais.

E quando o psicopedagogo pode intervir?Observando o exemplo acima, pode-se afirmar que o psicopedago pode realizar o processo diagnóstico, porque nem sempre os pais e a escola admitem ou percebem, por exemplo, que a dificuldade da criança está ligada ao momento que esta vive. Depois de feito o processo diagnóstico, tanto o psicopedagogo continuará o processo de correção ou de recuperação. Quando e se houver necessidade, poderá recorrer ao trabalho conjunto com outros profissionais como psicólogo e fonoaudiólogo, dentre outros. 

 

REFERÊNCIAS

BLOCK, A.M.B.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. de L.T. (1993). Psicologias. Uma Introdução ao Estudo da Psicologia. São Paulo: Saraiva, 2003.

CUNHA, Geraldo A. Dicionário etimológico da língua portuguesa. Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1987.

ELLIS, R. Aquisição da segunda linguagem. Oxford: Oxford University Press, 1994.

MEGDA DUARTE, Sylvia T. Crianças com distúrbios de aprendizagem: uma categoria de problemas de aprendizagem ignorados por nós. Boletim da Associação Estadual de Psicopedagogia, São Paulo, ano 3, n.4, p.36-44 , abril, 1984.

PAÍN, S. Diagnóstico e tratamento dos problemas de aprendizagem. 3ª ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.

PIAGET, J. Psicologia e Pedagogia. 9ª edição. Rio de Janeiro: Forense Editora, 2003.

PIAGET, Jean; INHELDER, Bärbel. A representação do espaço da criança. Tradução: Bernardina Machado. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.

SCOZ, B. A psicopedagogia e a realidade escolar: o problema escolar e de aprendizagem.  Rio de Janeiro: Vozes, 1994.

VYGOTSKY, L. S. Pensamento e Linguagem. São Paulo, Martins Fontes, 1989.

VISCA, J. O diagnóstico Operatório na Prática Psicopedagógica. 1ª Ed. Pulso, 2008.

________. Psicopedagogia: novas contribuições. 5ª Ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1991.

­­­­________. Clínica Psicopedagógica: Epistemologia Convergente. Porto Alegre: Artes Médicas, 1991.

 


Autor: Gleyce Simone Nunes Borges


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