O Homem Do Mar



O velho do mar, conhecido por todos da aldeia, amava a arte de pescador. Diariamente, ao entardecer, ele retornava ao velho barco, herança do seu saudoso pai que há tempo jazia na sombra do além. Sentado numa das proas, consertava uma tosca rede que seu avô havia lhe presenteado. Silencioso, sem que nada o incomodasse, pitava no seu prazeroso cachimbo, um sacramento que sua avó havia deixado de lembrança. Vagarosamente, se levanta e toma um gole de café numa bela xícara de porcelana, presente de sua madrinha. Retorna e, cabisbaixo, percebe o lindo chapéu, uma dádiva do inesquecível companheiro de mar, que já se encontrava na paz celestial!

A água começa a entrar no barco, e o velho pescador, com muita paciência, o esvazia com um pequeno recipiente. Olha para o céu, e rememoriza a infância; sente saudades dos verdes tempos em que namorara alguém que o fizera feliz! - "Por onde andará aquela a quem amara infinitamente?" - Pergunta a si mesmo. Ele permanece ali, calmo, sereno e reflexivo. Murmura uma nostálgica música que sempre cantara para a primeira e inesquecível amiga de adolescência! Revive o passado! A imaginação era a guardiã da materialização dos acontecimentos que submergiam, todo momento, do subconsciente.

Retira o pequeno canivete do bolso da calça, e o põe sobre o banco. Olha para o lado e vê a cabaça que traz consigo nas longas noites de pescaria. Já em pé, avista, ao longe, o amigo pescador que vem ao seu encontro. Animados, se cumprimentam. Estão dispostos e felizes para recomeçar a labuta. São homens da noite. Não temem as almas que surgem das masmorras. São homens confiantes e corajosos; os medrosos e covardes não têm forças para galgar os mais terríveis e temíveis desafios da vida. Esses nunca serão audaciosos e, por isso, jamais serão ladeados de glória!

Assim os dois partem para o mar! Vão, vão, vão assobiando uma canção que parece ser um sinal de que estão a atender um chamado de alguém. Quem será? Onde encontrar tal ser? É a Mãe D'Água, rainha bela e encantadora que, quando se acorda do seu sono, entoa melodias uníssonas, adormecendo marujos e pescadores! De onde ela vem? - Do mais profundo oceano, dos porões que somente sabe quem a escuta! É a voz sem voz. É a voz que somente no silêncio pode escutar.

E assim eles vão transpondo mar a dentro. O velho barco! O velho barco já varou muitas histórias. Ele conhece muito bem os lugares mais profundos; os lugares onde se escondem as várias espécies de peixes: os grandes e os pequenos; os mansos e os ferozes; os lentos e os ligeiros; os sinceros e os traiçoeiros; os astutos e os prudentes; os gigantes e os simples. Ali, a certa altura, eles lançam as toscas redes. Um vento fresco a soprar suas peles; sentem saudades do aconchegante lar, da mulher e dos filhos. Contam horripilantes lendas do mar. Cada um se arrepia e se aterroriza, pensando serem elas uma realidade e que podem acontecer de verdade. Mas logo as esquecem. Tomam um gole de pinga. Voltam a conversar as mesmas histórias. Revivem as mesmas coisas do passado.

O dia amanheceu, novo sol, nova luz, a queimar em suas peles, porém, como não se dão conta do novo dia, ambos continuam a conversar e a reviver as significativas coisas que marcaram as suas vidas. Por que será que não vivem o presente e nem se projetam para o futuro?

Teresina - PI, 06 de junho de 2001


Autor: Antonio Leandro


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