Oburé



Oburé

 

 

Quando Oburé pulou na água para salvar o homem branco, pôde perceber que somente um aceno de mão subsistia, enquanto o outro havia sumido. O homem branco lhe deu muito trabalho para ser salvo, pois ao tenta agarrá-lo pelos cabelos, braços, pernas, enfim, por qualquer parte do corpo daquela mancha escura que lhe vinha aos olhos sempre que mergulhava com tal finalidade, acabava por ser impedido pelo comportamento descontrolado e agitado do possível moribundo, provavelmente inerentes ao espírito daqueles que estão prestes a perder a sua última reserva de oxigênio.

Oburé acabara de sair da água densa e pesada da Lagoa Preta. Estava cansado. Mas, como de costume, não poderia descansar o seu corpo à margem da Lagoa Preta como costuma a fazer nos tempos de criança. Apesar de tudo o que já passou ao longo de seus 30 anos de vida, ainda tinha em sua mente a fresca e vívida lembrança do tempo em que estava junto à sua Tribo.

Já era tarde e o sol começava a desaparecer no horizonte. O crepúsculo e o cheiro da mata lhe anunciavam que iria chover durante a noite. Apressou os passos. Conhecia os caminhos e os atalhos que a grande área da floresta fornecia como ninguém.

Olhou para cima. Avistou os pássaros buscando por entre os galhos e as folhas das árvores algum abrigo. Havia um silêncio perturbador. Não se ouvia sequer os cantos do bem-te-vi ou do socó.

Havia algo de diferente naquele entardecer. Sentiu-se confuso. O por-do-sol caindo por sobre o horizonte multicolorido não indicava nenhum sinal de chuva. Parou. Ficou a contar quantas cores conseguia enxergar no horizonte. Cinza, marrom escuro, marrom claro, amarelo, bege e Azul. Vários tipo de azuis: "Desde o azul-branco ao azul-azul", pensou. Um pingo d'água tocou o rosto de Oburé. Mesmo sabendo do toró que estava por vim, subitamente avistou vultos transcorrendo a mata e decidiu por ficar parado, quieto. Deitou-se na terra fértil para não ser avistado.

Não acreditou viu os índios. Eram índios assim como ele. Tinham praticamente a mesma complexidade física, estavam pintados e com algumas coisas na mão. Tentou ver o que era mas não conseguiu. Estavam todos revirando a terra, levantando troncos e galhos caídos, subindo em árvores. Parecia que estavam a procura de alguma coisa ou de alguém. "Mas não estavam todos mortos?" indagou-se, confuso. "Devo me mostrar? Será que são os da minha Tribo? Será que vão me aceitar?", todas as perguntas martelavam a sua cabeça. "Não me interessa, quero ficar com eles".

Bastou Oburé pensar em se levantar, no entanto, que um clarão imenso cortou o céu já quase sem luz. Assim como Oburé, todos os índios olharam para cima. Em seguida, após o clarão, um barulho estrondoso. Parecia que o céu estava caindo. Assustados, os índios adentraram na mata e desapareceram da mesma forma como surgiram.

Oburé avistou os índios correndo. "Me esperem. Por favor, voltem!", gritava, mas o barulho do céu caindo abafou os seus gritos.

Desiludido, Oburé deitou-se novamente ao chão. Não chorou. Apenas deitou-se novamente ao chão e permaneceu imóvel, dentro de si, deixando que a água da chuva tocasse em seu corpo.

Acordou com o canto noturno do bacurau. Ainda estava cansado. "Acho que eu sonhei". Não demorou para chegar ao seu destino.


Autor: Mateus Guimarães Alves


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