Reflexões sobre o diário de campo



Reflexões sobre o Diário de Campo
O diário de campo é uma das etapas importantes em uma pesquisa de campo, devendo fazer parte do mesmo processo de pesquisa. Ele se caracteriza por ser um instrumento de registro diário. E, também, podemos dizer que o diário é uma parte das técnicas de pesquisa.
De acordo com Minayo (1993, p: 100):
...um diário de campo é caracterizado, desta maneira: “...constam todas as informações que não sejam o registro das entrevistas formais. Ou seja, observações sobre conversas informais, comportamentos, cerimoniais, festas, instituições, gestos, expressões que digam respeito ao tema da pesquisa. Falas, comportamentos, hábitos, usos, costumes, celebrações e instituições compõem o quadro das representações sociais”.
Dessa forma, para o pesquisador, o diário de campo tem como objetivo registrar, em tempo real, atitudes, fatos e fenômenos percebidos no campo de pesquisa. Por meio do registro poderá se estabelecer relações entre as vivências da pesquisa e o aporte teórico dado na universidade e/ou adquirido pelo pesquisador, por seu próprio interesse.
Os registros devem ser feitos diariamente, sempre datados, sinalizando os sujeitos envolvidos, o local, a situação observada, as condições que podem estar interferindo no fato, a influência da rotina e as normas institucionais do fenômeno.
1Bacharel em História (FURG) – Mestrando em Educação Ambiental (PPGEA FURG).
Podemos dizer que o diário deve ter uma estrutura e seguir alguns passos na sua configuração. Citaremos um exemplo dessas configurações: deve-se separar um caderno, identificando-o com seu nome, dados da instituição, projeto em que se insere, nome do orientador, período dos registros.
Nesse sentido, Remi Hess (1996, p: 62-63) tem algo a nos dizer sobre o diário de campo. Hess nos que:
...o diário foi, para mim, uma técnica indispensável, uma passagem, que me permitiu estar claro com minhas próprias idéias. Os funcionamentos do “foro íntimo” (seu próprio pensamento) ou “do fórum exterior” (grupos de pesquisa) onde se estabelecem as ligações que dão senso à pesquisa são transdutivos. A transdutividade é rica, mas dissociativa... Se se quiser sair desta dissociação que vive a maioria dos pesquisadores, se se quiser impedir de assimilar a pesquisa à publicação dos catálogos de “pesquisas” anteriores, é necessário, um dia, decidir-se explorar a transversalidade das situações de maneira multirreferencial. O diário permite ao mesmo tempo sair da inibição e arriscar este salto qualitativo do acesso ao conceito...
No caso de Remi Hess, o diário é uma técnica de registro dos pensamentos e dos grupos de pesquisa no quotidiano da própria pesquisa. Hess, também, diz que, como a história de vida, o diário inscreve-se no movimento da escrita biográfica (1996, p: 63).
Dentre as formas de escrita, Hess (1996, p: 64) diz que, o diário ocupa o seu lugar ao lado de outras formas de escrita, como a correspondência, mas também de textos de testemunhos, de livros de família, de livros de razão, etc.
O que podemos observar é que o diário deve fazer parte de qualquer pesquisa sendo ele, um instrumento de coleta de informações no instante momento. O diário também é caracterizado por Remi Hess por ser uma prática reflexiva sendo ele um modo de coleta de informações sobre a ação em dado momento e de intervenção no real.
O pesquisador em educação utiliza o diário para relatar sua prática pedagógica e depois refleti-la. Através da pedagogia do diário é que se reflete e a partir dessa reflexão se intervém na realidade.
Remi Hess nos diz que, ...o diário é uma etapa [da pesquisa – grifo nosso]. ... E, a um certo momento, é necessário ler-se outra vez, pôr em forma suas idéias, ordená-las (1996, p: 73).
Hess (1996, p: 80), também, nos explica que:
O cotidiano do pesquisador, como aquele do docente, ou mesmo da maioria das pessoas, faz passar de uma coisa a outra. O pensamento, ele mesmo, passa por fases múltiplas onde reflexões práticas alternam com reflexões teóricas. Os encontros, as leituras se sucedem umas às outras em função de tudo o que ocorria a atualidade pessoal ou social (leitura dos jornais, a investigação no terreno, a visita as livrarias, a confrontação com colegas, a participação nas conferências, etc.). A escrita do diário permite coletar de vez em quando no vivido do dia a dia “instantes” que se vivem e que nos parecem trazer neles uma parte de significado.
A partir das evidências do texto aqui escrito, o diário de campo é uma etapa da pesquisa. Os dois autores Mynaio (1993) e Hess (1996) convergem nessa concepção. Mynaio (1993) aponta que o diário deve conter todas as informações extra-fonte de pesquisa, tudo aquilo que não está nas fontes. Já Hess (1996) diz que, o diário é uma técnica indispensável que lhe permitiu clarear e organizar suas idéias das suas pesquisas.
Conforme Hess (1996, p: 80): O diário mantido em objetos já identificados, e assim contendo uma problematização virtual ou já formulada, parece-me ser uma mediação ideal. A indexação dos diários é a técnica que pode então permitir retomar as peças reunidas no diário, e arranjá-la na escrita construída, que é o relatório, o livro ou a tese. ...
Partindo deste trabalho de objetivação do conteúdo do diário, é então possível construir uma tábua alfabética, que permite de recolher sob o mesmo termo ou sob a mesma denominação todas as observações, reflexões, análises sobre dado assunto. Partindo de uma reflexão sobre a tábua alfabética, o diarista pode reconstruir um texto lógico à volta de um plano em três partes, ele mesmo subdividido em três subpartes, etc. Vê-se aqui que o método da coleção de dados que o diário constitui não é em nada, para mim, uma alternativa à pesquisa, mas bem pelo contrário, um momento, uma etapa (para mim essencial) da pesquisa... (Hess, 1996, p: 80).
Portanto, a construção dos diários deve ser permeada por uma escrita descritiva, rica em detalhes e que se caracterize por ser escrita do momento da pesquisa. No diário, é preciso constar todas as referências desde a data, a hora, o local, nome do observado, ou a referência da situação observada e logo após as contribuições descritivas e reflexivas do diarista. Enfim, o diário permite-nos um campo de reflexão de nossas práticas de pesquisa sendo um instrumento de captação de idéias e fatos cotidianos do processo de pesquisa.
BIBLIOGRAFIA
HESS, Remi. O Momento do Diário de Pesquisa na Educação. In: Ambiente e Educação – vol. 14 – Rio Grande: Universidade Federal do Rio Grande, 1996. (da p: 61 a p: 87)
MINAYO, Maria Cecília de S. O Desafio do Conhecimento. Pesquisa qualitativa em saúde. 2ª ed. SP: HUCITEC/ RJ: ABRASCO, 1993

Download do artigo
Autor: Bread Soares Estevam


Artigos Relacionados


Aprendizagens Escolares Mediantes A Alfabetização E O Letramento Digital

Plano De Aula: A História De Vida - O Cotidiano

O Impacto Da Indisciplina Escolar No Trabalho Docente

Acontece (conto)

O Trabalho De Campo Como Descoberta E Criação

Os Desafios Na Educação De Jovens E Adultos Do Programa Projovem Campo: Um Estudo Exploratório Nas Comunidades Do Mandacarú E Curupati No Município De Jaguaribara/ce

Qualidade No Atendimento Como Excelência E ética Na Gestão Pública