Aspectos Contravertidos Da Terceirização Trabalhista



ASPECTOS CONTROVERTIDOS DA TERCEIRIZAÇÃO TRABALHISTA

Marcus Tito Tapioca de Andrade

Discente do 6º semestre do curso de Direito da UEFS.

Resumo

O artigo analisa os tipos de contratos da terceirização trabalhista, sendo eles objetos de atividade meio ou atividade fim, observando que a escolha desta forma específica de contratação se dará de forma paralela, se não imbricada com as políticas de flexibilização trabalhista, por sua vez impulsionadas pela globalização. Não obstante, tal análise será acometida de uma carga valorativa, necessária para demonstrar que tal prática ao mesmo tempo em que é reconhecida como instrumento de progresso econômico e de geração de empregos, é responsável pela precarização das condições do trabalho e da acentuação da desigualdade nas relações trabalhistas.

Palavras-chave: terceirização trabalhista, flexibilização, globalização, progresso econômico, gerações de empregos, precarização, desigualdade, relações trabalhistas.

Apresentação

Apresentando aspectos controvertidos sobre a terceirização trabalhista seria possível aprofundar a discussão sobre o tema? Esta é o mote que incita este presente artigo. Se continuarmos a só pensar em como proteger juridicamente o trabalhador em caso de ilegalidade cometidas no curso desta prática, estaremos primeiramente a admitir, sem um maior estudo, a sua legalidade e não conseguiremos propor outro norte as pressões do empresariado globalizante.                 

1. Breve Histórico

Cabe ressaltar, preliminarmente, que fenômenos como globalização, flexibilização e terceirização, para não falar também em apagão, vêm interferindo no Direito do Trabalho e decorrem principalmente de fatores econômicos, tecnológicos e sociais. Com este quadro economicamente hostil, os avanços na legislação laboral transformam-se em entraves, ás vezes insuportáveis, ás empresas, levando as demissões e impedindo novas contratações, o que gera desemprego, trabalho informal, subempregos, sonegação, criminalidade, etc., isto é, instabilidade social, o que, por sua vez, leva à necessidade de criar novas formas de contratação e organização do tempo de serviço. A política social, então, é obrigada a abrir canais para administrar a crise, ao mesmo tempo em que não pode deixar de estimular a implementação de novas tecnologias.

No tocante à globalização econômica, Romita[1] entende não ser possível dar uma definição exata. Trata-se na verdade, segundo dito jurista, de um conjunto de fatores que determinaram a mudança dos padrões de produção, criando uma nova divisão internacional do trabalho. Poderia ser denominada, mais propriamente, de internacionalização da produção e do trabalho. Numa análise dos traços característicos do fenômeno este autor facilita este entendimento: a fábrica tradicional, típica, resultado das primeiras revoluções industriais e que alcançou seu mais alto grau de organização baseada nas concepções toyotistas e fordista é substituída por organizações flexíveis, baseadas em noções toyotistas, sem rigidez, à base de relações contratuais flexibilizadas entre capitalistas e trabalhadores, o Estado, por sua vez, se internacionaliza, mediante processos de integração regional e celebração de tratados de livre comércio; e o resultado disto é que renova-se o interesse pelo império do direito, com a implantação de políticas liberais, controle de arbitrariedade governamental e fortalecimento do Poder Judiciário.

É, neste sentido, que o denominado "Consenso de Washington" vingou. Ele representa a proposta da comunidade financeira internacional (FMI, BIRD) para ajustar as economias dos países periféricos ao processo de reestruturação produtiva. Seus objetivos principais são justamente promover a estabilização da economia (corte no déficit público, combate à inflação), implementar reformas estruturais com redução do Estado (privatizações, reformas tributária, previdenciária e trabalhista, desregulação dos mercados, liberalização financeira e comercial) e abertura da economia para atrair investimentos internacionais e retomada do crescimento econômico

E, centrando propriamente na terceirização, que é objeto do nosso estudo, o que se percebe é que sua importância e seu uso têm variado, conforme o momento econômico ou as idéias da época.

 Ante mais conhecida como subcontratação, a terceirização foi à forma dominante na organização produtiva pré-taylorista. Por sua vez, a relação entre grandes e pequenas empresas na Europa, durante o pós-guerra, foi fundamental para o crescimento de gigantes como a FIAT. E o objetivo desse recurso era o mesmo de hoje: ao repassar parte da produção (complementar, secundária, nunca a principal) para pequenas empresas, obtinha-se redução de custos, devido aos níveis salariais mais baixos e ausência de benefícios, ou ainda pelo uso de trabalho ilegal ou "informal" nessas unidades, menos sujeitas a fiscalizações.

Com a atual reestruturação produtiva ( final dos anos '70, e particularmente anos '80 e '90), a terceirização de acessório ao processo produtivo, torna-se elemento fundamental, dentro da nova onda modernizadora, que na intenção de restaurar as taxas de lucro, dissemina a flexibilização e a precarização do trabalho. O ideário então, também muda; apela-se para "a vocação da empresa" , que deve transferir, sair de tudo que não represente seu objetivo-fim. Mas, curiosamente, transfere-se a terceiros (em várias formas de subcontratação) cada vez mais a atividade-fim, a produção parcial ou mesmo total (no caso da produção "virtual") . Com isso, privilegia-se o fim último da atividade que é o restabelecimento do lucro, a redução de custos.

No Japão, aliás, o trabalho "flexível", subcontratado, esteve presente desde o início, na própria base do chamado "modelo japonês": de um lado, o trabalho vitalício (que, no máximo, contemplou um terço dos trabalhadores), de outro, o trabalho subcontratado, quer através de pequenas empresas, quer através de trabalho a domicílio (inclusive de mulheres de países vizinhos) sem nenhum contrato formal.

Assim, a atual reestruturação produtiva tornou o recurso à terceirização um imperativo, levando-a a setores e cargos onde ela não ingressara, além de ter criado novas figuras dentro do modelo. Destaca-se, entre elas, a terceirização da produção, da manutenção, da distribuição, das vendas; o surgimento de uma série de trabalhadores, dos mais variados cargos sem vínculo trabalhista com a empresa; a criação de "postos de serviço" - unidades da própria empresa, interiorizadas, que apesar de manter a relação contratual legal, não oferecem nenhum outro benefício; ou ainda da figura de empresas "faccionistas", muitas vezes criadas para atender a uma parte da produção da empresa principal.

Sob este enfoque algumas empresas operam apenas com trabalho formal (ou legal), outras, combinam o trabalho formal e o "informal" e, outras ainda, apenas o trabalho informal, muitas vezes recorrendo a disfarces como o das falsas "cooperativas de produção". Em todos os casos, retiram-se benefícios indiretos, mesmo aqueles legalmente obrigatórios e ainda é freqüente a extensão da jornada laboral, além do estabelecido pela legislação (e, geralmente, sem pagamento adicional correspondente). Paralelamente a isto, o crescente número de trabalhadores autônomos, o revigoramento do trabalho a domicílio. Formas enfim, para eludir direitos trabalhistas e obter trabalhadores baratíssimos             

2. Flexibilização

Como já enunciado, falar em terceirização é falar no processo de flexibilização. 

A Constituição de 1988 vigente, na tentativa de acautelar direitos trabalhistas, incorporou grande parte da legislação vinculada a estes, tornando-os assim, constitucionais. Mesmo assim, tal medida não conseguiu frear o ímpeto da flexibilização, que atingiu vários segmentos da vida trabalhista, a saber:

 

1. Flexibilização da estabilidade decenal – Tal estabilidade era a única que realmente atingia o objetivo de manter o trabalhador no emprego, adquirida após 10 anos de serviço na mesma empresa.  Com criação do FGTS (Lei 5.107/66), a estabilidade decenal só atingia aos não-optantes do sistema do FGTS. A CF/88, por sua vez, tornou o regime do FGTS obrigatório e com isso apenas àqueles que adquiriram 10 anos de serviço até 04.10.88 e não sendo optantes do regime do FGTS é que permaneceram com a estabilidade decenal. Foi a primeira medida a flexibilizar a CLT.

2. Flexibilização da Jornada de Trabalho

 

a) Jornada Flexível – Nesse sistema, o próprio trabalhador estabelece o seu horário de trabalho, laborando mais horas em determinado dia ou semana e menos horas em outros dias da semana, observando um número mínimo de horas trabalhadas no mês ou na própria semana. Tais procedimentos e horários individualizados tornam o trabalhador mais independente e apto a ajustar com o empregador essa condição do trabalho, sem prejudicar as condições de trabalho do obreiro.

A flexibilização da duração do trabalho está prevista no art. 7º, XII e XIV da Constituição Federal de 1988, que dispõe sobre a jornada de trabalho e sobre turnos de revezamento.

b) Contrato de trabalho a tempo parcial - Foi principalmente adotado, de início, em relação ao trabalho de mulheres, idosos e estudantes, muitas vezes impossibilitados de cumprir contrato de trabalho de jornada integral, o que lhes permitiram conciliar responsabilidades familiares e profissão.

Tal modalidade de contrato tenta evitar a elevação das altas taxas de desemprego no mundo, porém ao diminuir a jornada, reduzido também é o salário, não deixando esta relação de precarizar o trabalho.

c)Jornada reduzida – Com a redução da duração individual do trabalho, aumenta-se a possibilidade de acesso à ocupação, havendo a partilha do emprego entre um maior número de obreiros. Nesse passo, além da classe patronal, os empregados também se interessam pela flexibilização da jornada , por conseqüência os sindicatos procuram desenvolver novos sistemas de trabalho através da regulamentação mais flexível quanto à jornada de trabalho.

No Brasil, no que se refere ao direito positivo, tivemos a Lei nº 4923/65, que autorizou a redução transitória da jornada normal ou número de dias de trabalho para atender as necessidades da empresa, em razão da conjuntura econômica. Em seguida, a CF/88, suprimindo os formalismos presentes na Lei 4923/65, aproximou-se mais da realidade social, visto que no art 7º inc XIII, já citado anteriormente, admite a redução da jornada de trabalho, mediante acordo ou convenção coletiva.

d) Redução salarial – A CF/88 admitiu a flexibilização salarial a partir do momento em que previu m seu art. 7º, VI, a irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo. Em sede deste artigo, foram operadas alterações in pejus das condições do trabalho e por interpretação extensiva e mais forte razão, nos itens menos relevantes do que ele.

3. Flexibilização na estrutura do contrato de trabalho

a) Contrato por prazo determinado – A partir da década de setenta, vislumbrou-se nas sociedades mais evoluídas, a edição de leis regulamentadoras que disciplinaram o trabalho atípico, a exemplo da Lei Francesa, Lei Espanhola de 1980 e Lei Italiana de 1983.

A ameaça do desemprego modifica as relações laborais, demonstrando, claramente, a atualidade do pensamento de Ney Prado[2], ao dizer que, quando a sociedade não encontra a solução para seus conflitos no direito posto, com certeza, vai buscar em um direito paralelo às instituições de que necessita para sobreviver.

Nesta mesma linha diz Cássio de Mesquita Barros Jr.[3], a expressão "típica" refere-se aos modelos contratuais regidos pelo sistema de direito legislado. Contudo, a realidade cria figuras desconhecidas, que ingressam no mundo jurídico através da jurisprudência.

Os contratos por prazo determinado constituem uma forma de trabalho atípico.

Trata-se de exceção, a fixação do prazo de contrato de trabalho, que, em regra, é de tempo indeterminado, inserindo-se no rol dos contratos relativos a eventos de previsão aproximada (§ 1º do art. 443, da CLT), como contrato de safra, de temporada, de guias de turismo, etc.

No ordenamento jurídico brasileiro dispõe sobre a matéria o Decreto nº 31.546/52, arts. 429 e ss da CLT, a Lei nº 2.959/56 sobre o contrato de obra certa , a Lei nº5.889/73, art. 14, sobre o contrato de safra.

Caracteriza-se pela transitoriedade das necessidades empresariais e prazos máximos de duração.

b) Contrato temporário – Constitui um modelo que também se opõe ao padrão tradicional de emprego.

Instituído pela Lei nº 6.019/74, representa a possibilidade de contratação triangular, cujos vértices são representados pelo trabalhador e por duas empresas, a saber: a tomadora de serviços e a empresa de trabalho temporário, que se reúne e oferece pessoal especializado, por tempo determinado, a empresas que delas necessitam.  

José Luiz Ferreira Prunes[4] observa que, existindo no contrato de trabalho temporário três partes intervenientes, reveste-se ele de características peculiares, tais como: a natureza civil do contrato ajustado entre a empresa cliente e a fornecedora de mão de obra; a natureza trabalhista do contrato estabelecido entre a empresa fornecedora de mão-de-obra e a pessoa que trabalha; a natureza mista da relação entre o trabalhador e a empresa cliente, pois que a relação estabelecida não é de emprego, mas tem todas as características desta.

Da definição legal do art. 2º da Lei 6.019/74, desprende-se que o trabalho temporário só é admitido para suprir as necessidades transitórias de substituição de pessoal regular e permanente ou acréscimo extraordinário de serviços, para não perder sua característica de trabalho não permanente e eventual.         

O fato é que a flexibilização confere as partes envolvidas no contrato de trabalho, empregadores, empregados e sindicatos o poder de decisão sobre as cláusulas in melius e in pejus para o trabalhador a partir das convenções coletivas. Estabeleceria-se então o fortalecimento das entidades sindicais e dos trabalhadores e empresários organizados, abrindo portas então para a politização dos mesmos, gerando um sentimento de cidadania e participação. Só que também neste desiderato, há que se considerar a transferência para os trabalhadores de boa parte dos riscos empresariais, ou seja, a possibilidade que estes sejam seus próprios algozes. Logo, estaria configurada uma forma velada de acabar com os direitos dos trabalhadores, pelos quais estes lutaram, afinal, com o fim da intervenção do Estado, através da lei, nas relações de trabalho, estaria o trabalhador sem a possibilidade de garantir os direitos mínimos, básicos, já que este é à parte hipossuficiente na relação de trabalho.

3. Terceirização

Trata-se, a terceirização, de uma moderna técnica administrativa e competitiva que consiste no repasse de atividades secundárias a empresas especializadas, concentrando-se a contratante em sua atividade principal. Este fenômeno surgiu porque "a realidade sócio-econômica estava a demonstrar que era inexorável a adoção pelas empresas do sistema de delegar a terceiros ou a terceiras a execução de serviços complementares à sua finalidade".  

Para Amauri Mascaro Nascimento[5], o termo "terceirização" pertence mais à linguagem da administração empresarial e seu equivalente seria contrato de fornecimento ou subcontratação.

De fato, sob o ponto de vista empresarial, a terceirização apresenta inúmeras vantagens, permitindo que a empresa concentre-se na sua atividade fim, simplifique sua estrutura e reduza seu quadro de empregados, com conseqüente diminuição dos encargos trabalhistas, aumentando a lucratividade.

Em outras palavras, a contratação de terceiros é encarada como um dos caminhos mais avançados da empresa moderna. A subcontratação e a terceirização também elevam o nível da competição dos mercados de trabalho. Tais processos visam não só ajustar a produção de novas tecnologias mas, sobretudo, capitalizar sobre as vantagens de empresas menores, que hoje se tornam cada vez mais informatizadas, usando trabalho qualificado e menos onerado com os custos sociais. São empresas que têm menos rigidez de contratação quando comparadas às empresas grandes.

Já sob o ponto de vista jurídico trabalhista, a terceirização é uma das formas de flexibilização das regras tradicionais que a realidade está impondo ao direito. Em outras palavras, o modelo tradicional de trabalho, do empregado estável, dependente e por conta própria, está sendo colocado em xeque pelo surgimento de circunstâncias que não se amoldam ao Direito do Trabalho clássico mas sim, caminham no sentido de sua transformação.

Neste sentido, insta demonstrar o que, para os críticos da terceirização, tais transformações ocasionaram:

a) No plano do direito individual: a terceirização em fraude aos direitos trabalhistas ou falsa terceirização; a contratação com empresas inidôneas que não respondem pelos direitos regularmente assegurados; o rebaixamento do padrão salarial e de benefícios; a inobservância das normas de segurança do trabalho; a terceirização com o objetivo de transferência de passivos trabalhistas ou ainda a transferência de riscos do negócio ao terceiro contratado.

b) No plano das relações coletivas: pulveriza a ação sindical, reduz o número de empregos; desmobiliza a luta sindical; obstaculiza a ação direta, sobretudo os movimentos grevistas; cria embaraços às coalizões; os coletivos tornam-se menores e com maior dificuldade de organização; dificulta as reivindicações e as negociações, face a existência de vários patrões e de nenhum ao mesmo tempo, ou seja, a identidade patrão e empregado. 

Preocupado com as fraudes que intermediaram esta transformação é que o Tribunal Superior do Trabalho editou o Enunciado nº 256, verbis: Salvo os casos de trabalho temporário e de serviço de vigilância, previstos nas Leis nº 6.011, de 3 de janeiro de 1974 e 7.102, de 20 de Junho de 1983, é ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta, formando-se o vínculo empregatícios diretamente com o tomador de serviços.

Este enunciado criou a presunção de ilegalidade a intermediação na terceirização, presumindo o vinculo de emprego entre o empregado da prestadora de serviço com a tomadora, sem examinar as condições em que ocorre a prestação de serviço terceirizada.

Para Arnaldo Sussekind e Délio Maranhão[6], o enunciado confundiu merchandage com prestação de serviços entre empresas, campo de atividade humana mais dinâmico em todas as economias do mundo. Outros respeitáveis autores também se opuseram ao citado enunciado. O próprio TST e outros Tribunais apresentaram jurisprudência com decisões discrepantes a este Enunciado.

Em decorrência disto, o Enunciado nº 256 do Colendo Tribunal Superior do Trabalho acabou sendo substituído pelo nº 331. Este novo Enunciado alterou aquele, acerca da ilegalidade da intermediação da mão-de-obra sobre a presunção do vínculo empregatício com a tomadora de serviços. Dispõe, por sua vez, que os serviços inerentes à atividade-meio do tomador, bem como os serviços de vigilância não constituem fraude se inexistente a pessoalidade e a subordinação direta. Determinou também a responsabilidade  subsidiária do tomador pelas obrigações trabalhistas no caso de inadimplência da empresa prestadora de serviços.

Desta forma, estabelece o Enunciado nº 331 que a empresa tomadora dos serviços deve selecionar, criteriosamente, aquela que irá prestar os serviços, fazendo-se necessário o conhecimento da estrutura da empresa prestadora, de sua idoneidade econômico-financeira, sob pena de a tomadora responder por sua má escolha (culpa in eligendo); e fiscalizar a atuação da empresa prestadora de serviços, de forma a primar pela qualidade de seus serviços (culpa in vigilando).

Desta orientação jurisprudencial, pode-se retirar análises de perspectivas extremamente divergentes:

Uma, de doutrinadores que são radicalmente contrários à responsabilização atribuída à tomadora de serviços, pois para estes não seria justo que numa contratação envolvendo  duas pessoas jurídicas, uma delas pratique infração contratual e locupletamento ilícito, e a outra seja responsabilizada a pagar pela responsabilidade da infratora;

Outra, de que mesmo diante do disciplinado por este Enunciado, o principal determinante das mudanças no mundo do trabalho continua sendo a redução de custos. Dessa forma, a terceirização continua tendo rápida e ampla difusão por todas as atividades da economia, com estratégias que tem buscado, em geral, o aumento da intensidade do ritmo de trabalho, a maior concentração de tarefas e responsabilidades, o que evidentemente tem resultado numa precarização das condições de trabalho e de emprego

O fato é que, apesar dos diferentes posicionamentos acerca de qual seria o mais apropriado rumo aos julgamentos jurisprudências, estes tem mostrando uma tendência cada vez maior a admitir a terceirização.        

3.1 Atividade-Meio e Atividade Fim

Segundo Robortella[7], é possível vislumbrar-se, em tese, a diferenciação entre as atividades-fim e as atividades-meio da empresa tomadora dos serviços terceirizados. Não há, entretanto, critério absolutamente seguro para a diferenciação dessas atividades, a tal ponto de o critério tornar-se determinante no que tange à responsabilização das empresas na intermediação de mão-de-obra. Na realidade, tais conceitos não são conceitos jurídico-trabalhistas. São conceitos inerentes à atividade empresarial, que hoje conta com uma especialização tecnológica em suas necessidades, praticamente alheia ao Direito e, em sua dinâmica, em questão de pouco tempo a atividade-meio pode converte-se em atividade-fim e vice-versa.

Por sua vez, a doutrina, baseada no que orienta o Enunciado nº 331 do TST procura elucidar o assunto diferenciando-as segundo a essencialidade ou não dos serviços da empresa tomadora dos serviços terceirizados, ou seja, as atividades que integram o objeto social (a essencialidade, a finalidade para qual foi criada) de uma empresa indicam sua atividade-fim, enquanto que as atividades que não integram o objeto social são consideradas atividades-meio.

Agora, considerando o grau de especialização atingido pelos novos métodos e tecnologias, nem sempre é fácil esta delimitação.

Um bom exemplo disto são as montadoras de veículos, em que não é possível determinar com clareza quais são os serviços essenciais (atividade-fim) e quais são os serviços acessórios (atividade-meio) à implementação dos fins da empresa.

Neste sentido é que autores têm reivindicado reformas no Enunciado nº 331 do TST, já que disciplina na forma de seu inc. III que "não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços especializados ligados à sua atividade-meio (...)".

Na prática, como é difícil a diferenciação das atividades meio e fim, as empresas que contratam mão-de-obra terceirizada correm o sério risco de terem esses trabalhadores reconhecidos como "empregados", no sentido técnico da palavra, o que conduz ao pagamento de todas as verbas previstas nas normas trabalhistas.

Reginaldo Melhado[8] vem a ratificar esta linha de raciocínio ao dizer que a diferenciação de tais atividades para caracterizar a licitude ou ilicitude da terceirização não é aceitável, porque a evolução e o aperfeiçoamento da administração empresarial são uma necessidade imposta pelo mercado de competitivo.

Na esteira do entendimento exposto, Pedro Vidal[9] coloca ainda que a terceirização pode aplicar-se, quer à produção de componentes do produto final, quer à execução de serviços, mas somente se caracteriza quando inserida como etapa regular no processo de produção de uma empresa, poupando-a de obtê-los com a utilização de seus próprios equipamentos e de seu próprio pessoal.

Atualmente, atinente a estas críticas, o que se verifica é a tendência da doutrina e jurisprudência de admitir a intromissão do Judiciário a fim de declarar qualquer nulidade, apenas, diante de fraude à lei ou burla a legislação do trabalho.

3.2 Implicações nos contratos de trabalho

A estruturação do processo terceirizado funciona através de contrato de prestações de serviços ou de compras de bens, complementados por mandatos acessórios.

O contrato de prestação de serviços, aquele em que um contratado (prestador de serviços) se compromete a realizar determinada tarefa em benefício do contratante (tomador de serviços), surge como o mais adequado e presente nas estruturas organizacionais atuais porque consiste no único contrato típico adequado às situações postas pela Terceirização.

Segundo Orlando Gomes este contrato , em strictu sensu, seria  "(...) o contrato mediante o qual uma pessoa se obriga a prestar um serviço a outra, eventualmente, em troca de determinada remuneração, executando-os com independência técnica e sem subordinação hierárquica".

 Ele se adapta aos mais diversos tipos de atividades, continuadas e eventuais, essenciais ou supérfluas à organização, com maior ou menor carga técnica requerida, de contratos de limpeza a contratos de consultoria milionários. O importante passa a ser bem estipular tais contratos, evitando dissuasões fraudulentas e equivocadas, e buscando sempre a clara e objetiva contratação de serviços.

Quando efetivos, oferecem uma gama de vantagens empresariais em nível de gerência, controle, custo e qualidade, mas sobretudo minimização de riscos jurídicos (que se equivalem a perdas financeiras – prejuízos).

Já o simples contrato de compra e venda também aparece como alternativa em processos hipoteticamente terceirizados, o que ganhou destaques especialmente nos processos produtivos intitulados de consórcio modular, tipicamente adaptados à fabricação de veículos (em resumo, pouco se contrata e muito se compra, a diferença é que se agrega aos bens comprados o benefício da instalação, compra-se motor instalado, painel de instrumentos instalado, rodas e pneus montados, etc.).

Contudo, um terceiro tipo contratual não rara vezes aparece um tanto quanto submerso a tantas relações jurídicas decorrentes da terceirização, qual seja, o de mandato. Ele surge como instituto presente nas estruturas terceirizadas na medida que os empresários e executivos das empresas de prestação de serviços não estão presentes o tempo todo de execução de serviços no ambiente do tomador, podendo surgir questões pertinentes ao objeto contratado sem a necessária presença de representante legal da prestadora de serviços para resolver problemas de cotidianos ou emergenciais, bastando constituir um mandatário , empregado ou não, para representar o prestador de serviços perante o tomador dos mesmos.

Por outro lado, tais contratos assumem riscos jurídico-trabalhistas como: vínculo de emprego direto entre empregados do terceiro e tomador; pagamento (subsidiário), pelo tomador, de parcelas trabalhistas devidas aos empregados do prestador de serviços insolvente; e pagamento (solidário), pelo tomador, de encargos trabalhistas devidos pelo prestador de serviços. Tais riscos decorem da interpretação conjunta dos arts. 2º e 3º da CLT.

No intuito de combater tal empecilho, os empregadores, equivocadamente com fiança no que disciplina o § único do art. 442 da CLT, passaram a estabelecer contratos de trabalho com os cooperados.

Primeiramente é importante ter em mente que cooperativas tem um regime jurídico diferenciado. Trata-se de uma forma livre de associação de pessoas, com natureza civil, não sujeita a falência, com objetivos comuns constituída para prestar serviços aos seus associados, que se distingue das demais sociedades por possuir características próprias, dentre elas: ter o cooperado como sócio e principal beneficiário, adesão voluntária, singularidade do voto nas assembléias (gestão democrática), não auferimento de lucro e sim sobras líquidas, mecanismos de retorno financeiro proporcionais às transações dos membros, dentre outras elencadas nos arts. 3º e 4º da Lei nº 5.764/71, conhecida como Estatuto do Cooperativismo.  

O ledo engano já sinalizado mais acima, quanto a não configuração de vínculo empregatício, quando uma das partes fosse o cooperado, é confirmado na análise sistemática dos arts. 2º, 3º e 9º da CLT. Deles pode-se extrair que o princípio da primazia da realidade, segundo o qual, os fatos prevalecem sobre a forma contratual aplica-se neste tipo de contrato, assim, não são apenas os contratantes que determinam a configuração do contrato de emprego, mas sim a do modo pelo qual os serviços são desenvolvidos.

Nesta perspectiva, as empresas tomadoras de mão-de-obra devem procurar escolher com critério as cooperativas com que pretendem formar contratos, descartando aquelas que não se mostrem inidôneas. Caso contrário responderão subsidiariamente por culpa in vigilando e eligendo.

Identifica-se a terceirização ilícita através das cooperativas de trabalho m duas hipóteses:

a) Cooperativas que servem apenas para promover a triangulação da relação contratual (comumente chamadas de fraudocooperativas), agindo como mera locadora da força de trabalho. Neste caso, a prestação do trabalho se dá de forma pessoal, continua e subordinada à empresa tomadora de serviço, o que resulta na nulidade da intermediação e no reconhecimento do vínculo empregatício diretamente com a empresa contratante.

b) Cooperativas de fachada (comumente chamadas de "gatocooperativas") onde não há gestão democrática e sim uma relação interna de subordinação e hierarquia. Neste caso, reconhece-se o vínculo de emprego do tomador com a cooperativa, sendo que a tomadora será responsável subsidiariamente pelas prestações de natureza trabalhista e social, de acordo com o inc. IV do Enunciado nº 331 do TST.

Completando a implicação da terceirização nos contratos trabalhista, deve-se observar aqueles inerentes ao serviço público, que se dão na forma de convênios e contratações - o que ocorre em vários setores da Administração Pública.  Uma questão polêmica nestes tipos de contrato, é quanto à aplicabilidade da responsabilidade subsidiária patrimonial do tomador de serviços, já que, no caso, figura-se a Adm. Pública.

Tal complexidade dá-se em função do art. 71 da Lei de Licitação, caput e § 1º e 2º. Da analise deste referido diploma legal e seus parágrafos, retira-se que a Adm. Pública deixaria de ter a referida responsabilidade subsidiária patrimonial em caso de inadimplência do contratado.

Neste liame é inevitável analisar a constitucionalidade deste artigo diante das disposições contidas na CF/88, mais precisamente nos arts. 1º, 37º, §6º, 170, 173 e 193, que tem como primado o Estado democrático, a dignidade humana, a valorização do trabalho e a ordem social com o objetivo de assegurar o bem estar e a justiça social.

Quanto a isto, cumpre ressaltar mais detalhadamente duas questões:

A primeira, apesar de não referida, a disciplina do art. 5º, caput da CF/88 que trata do princípio constitucional da igualdade. Tal igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais: no caso em questão não procede, pois a Adm. Pública deve se comportar com os demais contratantes, elegendo seus contratados de forma responsável e os fiscalizando, sob pena de ser responsabilizada por culpa in eligendo e vigilando.

A segunda, o art. 173, §1º, que dispõe aplicações às empresas públicas, sociedades de economia mista e outras entidades que exploram atividades econômicas o mesmo regime jurídico das empresas privadas, inclusive quanto as questões trabalhistas.

4. Considerações Finais

Como visto, não temos como observar a terceirização como um fenômeno isolado, pois suas implicações, seus avanços atendem a uma modificação macroeconômica de proporção mundial. Atualmente, porém, seu  papel é de extrema relevância para continuidade desta política neoliberal.

Por exemplo, é através dela que hoje, é possível, uma multinacional descentralizar em diversos países, os setores de suas atividades. Assim é comum verificarmos, que setores jurídicos, administrativos, financeiros, de produção, etc., ficam estabelecidos em locais diferentes, explorando as melhores condições entre os países do mundo, para o exercício de cada uma destas atividades.   

Ao mesmo tempo, também é resultado desta fragmentação, o isolamento destes setores trabalhistas (aí, não apenas geograficamente, mas também dentro de aspectos culturais, de idiomas, de nível educacional, social, etc.), o que acaba dificultando, por exemplo, uma mobilização geral por melhorias nas condições de trabalho, seu posterior poder de barganha, diante do fragmentado impacto na produtividade da empresa.

Trazendo tal perspectiva para a nossa realidade, a brasileira, percebemos, ante uma analise geral do presente artigo, a tentativa de combater juridicamente apenas problemas pontuais, sem procurar ver os efeitos da terceirização como um todo.

Especificamente, no que tange as formas e tipos de contratos modificados pela terceirização, o que verificamos foi a tendência de entregarmos nas "mãos" do trabalhador a solução para problemas contratuais surgidos, através de negociação coletiva e quando não, procurar estabelecer o mínimo garantista de alguns direitos já positivados.    

Então, o estudo deste artigo traz a infeliz constatação de uma realidade brasileira, identificada por posições extremadas sobre o tema em questão, sendo que cada uma procura enfrentá-lo a sua maneira. Conseqüência disto é a formação de duas figuras: uma oportunista (a do empresariado) e outra denuncista (a dos críticos da terceirização).

Por fim, julga-se pertinente, a realização de diversos fóruns internacionais com a presença de movimentos sindicais (tanto de empregadores quanto de empregados) para debater este tema, a fim de consolidarmos uma política que verdadeiramente possa realizar a junção do crescimento econômico com a afirmação de direitos trabalhistas, sejam eles, individuais ou coletivos.

Referências Bibliográficas

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ABREU, Rogério Roberto G. de. Modernização das relações de trabalho - Falácias do discurso neoliberal. Disponível em: <http://www.trt13.gov.br/revista/6rogerio.htm> Acesso em: 20 de jul. de 2006.

http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1197

http://www.cchla.ufpb.br/unitrabalho/gtt1/livro/livrcap5.html

12. DRUCK, M. G. – Terceirização: (dês)fordizando a fábrica. Salvador, Ed. EDUFBA, 1999


[1] ROMITA, Arion Sayão. O impacto da Globalização no Contrato de Trabalho. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, Porto Algre: Síntese & Brasília: TST, ano 66, nº4, outubro a dezembro de 2000, pp. 85-86..

[2] PRADO, Ney. Economia Informal e Direito no Brasil. São Paulo: LTr, 1991, p.45.

[3] BARROS, JR. Cássio de Mesquita. Formas Atípicas de Trabalho. Resumido por José Pitas. Revistas dos Tribunais Synthesis. Direito do Trabalho Material e Processual. São Paulo, nº7, pp. 123-124, 1988.

[4] PRUNES, José Luiz Ferreira. Terceirização do Trabalho. 1º ed., 2º tir. Curitiba: Juruá, 1995, p. 18.

[5] NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Subcontratação ou Terceirização. Revista de Direito do Trabalho. V. 83, nº 20, set. 1993.

[6] SUSSEKIND, Arnaldo: MARANHÃO. Délio. Pareceres de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr. 1976-1981, v.4. p.40.

[7] ROBORTELLA, Luiz Carlos Amorim. Terceirização: Tendências em doutrina e jurisprudência. Revista do Trabalho & Doutrina, nº21, pp. 32-37, jun. 1999.

[8] MELHADO, Reginaldo. Globalização, Terceirização e Isonomia Salarial. Revista LTr. SP, vol. 60, nº10, pp. 1322-1330. out. 1996.

[9] VIDAL NETO. Pedro. A Terceirização perante o Direito do Trabalho. In: MALLEY, Estevão; ROBORTELLA, Luiz Carlos Amorim. Direito e Processo do Trabalho. Sp: LTr, 1996.


Autor: Marcus Andrade


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