A transformação do macaco em homem e a necessária transformação do sistema atual: que caminhos?



A transformação do macaco em homem e a necessária transformação do sistema atual: Que caminhos?

 

Vânia Roseane Pascoal Maia[1]

 

Resumo:

 

A partir da disciplina “Karl Marx e a Natureza I”, presente no Programa de Pós- Graduação em Educação Ambiental, da Universidade Federal do Rio Grande, primeiro semestre de 2011, foi possível estabelecer um diálogo entre as obras “Ecologia e Socialismo” (2005), de Michael Lowy e “O papel do trabalho na transformação do macaco em homem” (1876), de Friedrich Engels. Buscamos assim também trazer outros referenciais para complementar a discussão. A proposta foi, a partir da “evolução” do macaco em homem, problematizar alguns caminhos e ações possíveis na busca de uma forma diferente, da qual sustenta o sistema capitalista sobre evolução e progresso.

 

Palavras-chave: Evolução humana, Capitalismo e Educação Ambiental.

 1-    O Trabalho e a importância da organização coletiva.

 “Ecologia e Socialismo” é uma obra do ano de 2005, “O papel do trabalho na transformação do macaco em homem”, de 1876; Löwy (1938), um brasileiro, graduado em Ciências Sociais, doutorado em Sorbonne, com uma tese sobre o jovem Marx (1964) e que vive em Paris há 30 anos; Friedrich Engels (1820), Alemão, um dos fundadores do Socialismo científico. Nasceu em uma família rica e começou a estudar a situação da classe operária ao ir trabalhar em uma indústria de tecidos, de propriedade do seu pai.

            Engels, em seu texto, faz importantes colocações a respeito da evolução do homem, tendo como foco principal o trabalho. Foi, portanto, a partir do trabalho e junto a ele que, segundo este autor, os nossos ancestrais foram evoluindo, fazendo novas descobertas, diferenciando-se dos outros animais e conquistando novos espaços.

... O trabalho... É a condição básica e fundamental de toda a vida humana. E em tal grau que, até certo ponto, podemos afirmar que o trabalho criou o próprio homem.

... Em face de cada novo progresso... o trabalho, ia ampliando os horizontes do homem, levando-o a descobrir constantemente nos objetos novas propriedades até então desconhecidas...(ENGELS,1876:?)

Lowy, por sua vez, traz alguns espaços ocupados pelos homens, e com eles, as ações sobre o meio em que habitam. No início do livro ele coloca:

Em 1975 Chico [Mendes] funda, junto com Wilson Pinheiro, o sindicato dos trabalhadores rurais de Brasiléia, e, pouco depois, em 1977, o sindicato dos trabalhadores rurais de Xapuri, sua terra natal. No mesmo ano, é eleito vereador pelo MDB para a Câmara Municipal local, mas bem rapidamente se dá conta de que este partido não é solidário com suas lutas.

É nesta época que ele vai inaugurar, com seus companheiros do sindicato, uma forma de luta não-violenta inédita no mundo: os famosos empates. São centenas de seringueiros, com suas mulheres e filhos, que se dão as mãos e enfrentam, sem armas, os buldôzeres das grandes empresas interessadas no desmatamento, na derrubada de árvores. Algumas vezes os trabalhadores são derrotados, mas frequentemente conseguem parar, com suas mãos nuas, os tratores, buldôzeres e motosserras dos destruidores da floresta... (2005:8)

Ambos os autores, portanto, embora em tempos distintos, descrevem ações humanas sobre o meio. No primeiro caso, a partir do trabalho, e em seguida pelo desenvolvimento das mãos, órgãos dos sentidos e da alimentação cárnea, se têm o desenvolvimento também dos nossos antepassados: É iniciada assim, a grande transformação: De macacos em árvores, para seres mais desenvolvidos, que buscam se abrigar das intempéries que encontram pelo caminho. Adotando novos modos de vida e fazendo, a cada dia, novas descobertas.

É também, a partir do trabalho, que Chico Mendes e outros sujeitos que o acompanham e o sucedem lutam pelas suas causas. Assim, temos:

...Trabalhar é agir sobre a natureza, agir sobre a realidade, transformando-a em função dos objetivos, das necessidades humanas. A sociedade se estrutura em função da maneira pela qual se organiza o processo de produção da existência humana, o processo de trabalho. (SAVIANI, 1986: 14)

Esta ação sobre a realidade se faz no coletivo. Tanto no caso dos primeiros habitantes, quanto nos nossos atuais, sejam em manadas de macacos, sejam em organizações sindicais, partidárias... Através do trabalho e da coletividade, homens e mulheres fazem e refazem as suas histórias.

Assim, podemos refletir: Se foi essencial para a sobrevivência e evolução humana que grupos primitivos permanecessem juntos, ou ainda, se através dessa unidade, tenham conseguido desenvolver a fala, demais sentidos e ainda, ocupar novos territórios, o que os tornaram mais fortes e protegidos, nessa sociedade atual, onde impera o individualismo e o benefício de alguns em detrimento da maioria, que caminhos trilhar?

 

 

2-    “No meio do caminho...”

Obviamente muito tempo se passou desde os primórdios até os dias atuais. Nesse movimento, a sociedade foi se constituindo e novas relações se formaram. Com essas relações, a acumulação de bens e riquezas nas mãos de alguns e a expropriação do trabalho alheio, ou seja, trabalhadores transformados em mercadorias, em possibilidades de lucro.

  ...Desde que a economia capitalista de mercado se autonomizou, desde que ela, por assim dizer, se “desinseriu” da sociedade, ela funciona unicamente segundo as suas próprias leis, as leis impessoais do lucro e da acumulação. Supõe, ressalta Polanyi, “ingenuamente a transformação da substância natural e humana da sociedade em mercadorias”, graças a um dispositivo, o mercado auto-regulador, que tende, inevitavelmente, a “quebrar as relações humanas e a (...) aniquilar o hábitat natural do homem”. (LOWY, 2005:67).

As relações, dentro desse contexto, não podem ser e não são harmônicas, pois estão em jogo interesses opostos. Assim, estamos “próximos” e ao mesmo tempo, “distantes”; “falando a mesma língua”, mas também “incomunicáveis”; “livres”, porém vivendo a “liberdade de mercado”, ou seja, a “liberdade” dentro do que nos aprisiona.

Podemos dizer, portanto, que se no início da nossa constituição foi primordial a unidade; dentro dessa sociedade atual, esta, não se faz possível. Vivemos, assim, em classes sociais antagônicas, portanto, os grupos não são homogêneos, nem “lutam” por objetivos comuns, embora haja por parte do sistema, uma tentativa de mascarar as contradições que se apresentam.

De qualquer forma, a tendência, como afirma Machado (2010), é que as tensões apareçam e aumentem, apesar de todo o discurso apaziguador:

Na medida em que as ações e políticas hegemônicas se desenvolvem, ampliam as contradições, a exclusão e a segregação social, territorial e ambiental de contingentes sociais populares mais amplos, a tendência é que os conflitos sociais, territoriais e ambientais cresçam apesar do discurso de harmonia e paz nas cidades (2010, p.9).

Henri Acselrad aponta ainda a questão da injustiça ambiental nas cidades (2009, p.8), onde ele traz as desigualdades na área entre os diferentes países. Assim, segundo este último autor, os países mais pobres sofrem mais com as desigualdades ambientais e estão à mercê do descaso das grandes empresas e corporações, que “preferem” poluir nesses lugares, ironicamente, por lá se terem custos “mais baixos” para os poluidores.

Em, O papel do trabalho na formação do macaco em homem, Engels aponta a diferença entre as ações dos animais irracionais sobre a natureza e os humanos. Assim, ele diz:

...Já vimos como as cabras impediram o reflorestamento dos bosques na Grécia; em Santa Helena, as cabras e os porcos desembarcados pelos primeiros navegantes chegados à ilha exterminaram quase por completo a vegetação ali existente, com o que prepararam o terreno para que pudessem multiplicar-se as plantas levadas mais tarde por outros navegantes e colonizadores. Mas a influencia duradoura dos animais sobre a natureza que os rodeia é inteiramente involuntária e constitui, no que se refere aos animais, um fato acidental. Mas, quanto mais os homens se afastam dos animais, mais sua Influência sobre a natureza adquire um caráter de uma ação Intencional e planejada, cujo fim é alcançar objetivos projetados de antemão. (ENGELS, 1968:178)

Ao nos referirmos aos países capitalistas avançados, podemos dizer que esses objetivos nem sempre tem um caráter racional e consciente (referimo-nos à consciência ambiental/social), pois, como argumenta Lowy (2005, p.49), eless se baseiam em uma lógica de consumo desmedido, buscando a acumulação desenfreada de recursos e priorizando o lucro acima de qualquer outra coisa.

A racionalidade limitada do mercado capitalista, com o seu cálculo imediatista de perdas e lucros, é intrinsecamente contraditória com uma racionalidade ecológica, que leve em conta a longa temporalidade dos ciclos naturais. Não se trata de opor os “maus” capitalistas ecocidas aos “bons” capitalistas verdes: é o próprio sistema, fundado na impiedosa competição, nas exigências da rentabilidade, na corrida atrás do lucro rápido que é o destruidor dos equilíbrios naturais. O pretenso capitalismo verde não passa de uma manobra publicitária, de uma etiqueta que visa vender uma mercadoria, ou, na melhor das hipóteses uma iniciativa local equivalente a uma gota de água sobre o solo árido do deserto capitalista. (LOWY, 2005:50-51).

 

Lowy assim, fala da insuficiência das reformas dentro desse sistema e também aponta para a necessidade de outras tecnologias, outras formas de relação com a natureza, que levem em conta a questão ecológica e também as questões sociais. Assim, quando tentamos responder à problematização inicial desse texto, sobre que caminhos trilhar no contexto atual, temos os apontamentos deste autor como algumas das possibilidades existentes, onde ele traz também a necessidade de repensarmos o modo de consumo e de produção atuais(p.52), visando uma nova sociedade, que se baseie nas reais necessidades humanas e não, nas necessidades do mercado, como é feito atualmente.

3-    Considerações finais

Se, em 1876, Engels nos descrevia algumas transformações que os macacos antropomorfos foram sofrendo, de acordo com o trabalho e o conseqüente desenvolvimento de suas percepções, seus órgãos, seu cérebro... Lowy nos mostra que essa evolução é contínua e necessita, contemporaneamente, ganhar outras dimensões...  

            De qualquer forma, devemos ter clareza de que os mais afetados pelas desigualdades apontadas ao longo do texto é que devem se mobilizar. Não serão os dominantes, àqueles que estão em uma posição favorecida, independentemente da situação dos demais, que irão buscar a mudança.

É necessário, portanto, que homens e mulheres atuais, afetados pela condição social desfavorável a qual vivem, possam compreender, coletivamente, que dentro desse sistema, baseado na exploração e no desperdício, bem como na injusta distribuição de bens e recursos, a luta deva ser ampla e a participação popular é indispensável nesse processo.

Pois se o progresso é importante e a evolução é também condição de sobrevivência humana, devemos nos questionar sobre que progresso está se falando e, consequentemente, que evolução. É a evolução e o progresso de uns sobre os outros?É o crescimento econômico de uma elite que relega para a maioria a condição de miserabilidade e extrema pobreza?Então, não nos interessa! Compreendemos que o progresso e a evolução só fazem sentido se beneficiarem a todos os humanos, possibilitando-os viver de forma digna, não em forma de “coisas”, meras “mercadorias”. Só a partir daí poderemos construir uma forma mais justa e humana de se viver neste planeta.

 

 4-    Referências:

ACSELRAD. Henri. MELLO, Cecília Campello do A.BEZERRA. Gustavo das Neves Bezerra. O que é justiça ambiental?- Rio de Janeiro: Garamond,2009.

ENGELS, Fridrich. Sobre o papel do trabalho na transformação do macaco em homem.

LOWY, Michael. Ecologia e Socialismo. São Paulo: Cortez, 2005.- (Coleção questões da nossa época; v.125)

MACHADO, Carlos R.S. Que cidade sustentável está na agenda?”Parte de um estudo de pós-doutorado do autor, com a supervisão de Henri Acselrad na UFRJ/IPPUR. Ano 2010.

SAVIANI, D. O nó do ensino de 2º grau. Bimestre, São Paulo: MEC/INEP – CENAFOR, n. 1, out. 1986.

 

 

 

[1] Pedagoga; Integrante do grupo de pesquisa da FURG “Política, Natureza e Cidade”; Mestranda em Educação Ambiental. Email- [email protected]

 


Autor: Vânia Roseane Pascoal Maia


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