Lágrimas de felicidades
Joel tinha os olhos estatelados e gulosamente mirava os pratos. Ele não sentia o cheiro, uma vez que o vidro separava-o do “paraíso”. Garçons corriam para conseguir atender aos clientes. Uma senhora olhou-o com desprezo, cochichou para um homem elegantemente vestido. Ele chegou até o segurança, e Joel percebeu que teria que sair dali o mais rápido possível.
O garoto estava com 13 anos, e perambulava já tinha uns no Centro da cidade. Pele branca, porém encardida com a sujeira do mundo; corpo de criança de seis anos; cabelos grandes; cicatrizes longas e grossas por todo o corpo; andado perdido. A roupa surrada abismava os que topavam com ele no dia a dia.
Sua história se resume no abandono. A mãe vivia debaixo duma ponte. Eram seis irmãos e num janeiro frio, e escasso de alimentos, sua mãe saiu com dois irmãos mais novos e nunca mais voltou. Ele ficou na responsabilidade dos irmãos mais velhos que logo, também foram embora. Joel ficara sozinho aos oito anos.
Apesar de viver à rua, e precisar furtar umas frutas na feira, algumas pessoas gostavam dele. Seu olhar era humilde, quando alguém se aproximava ele fixava com amor, atenciosamente e sem pretensão, respondia respeitavelmente a quem fosse.
Na idade em que se encontrava, nunca havia estudado – seu sonho era de freqüentar regularmente uma escola. Mas ele aprendera a ler. Soletrava as fachadas, os jornais usados por ele para dormir. Sempre que tinha dúvidas perguntava ao vendedor de Pequi, Seu Inácio: “Qual é aquela letra mesmo?”. O velho, nunca havia estudado, contudo sabia “ler um tiquinho”, dizia.
Joel gostava de ajudar as mulheres do bairro com as compras do hipermercado. Quando lhe ofereciam dinheiro pelo serviço, ele “ousava” não aceitar. “Veja só menino! Pegue.”, dizia-lhe dona Sônia, mulher de um juiz aposentado. Essa e outras atitudes faziam do pequeno muito característico.
Uma mulher, em especial, era quem mais adorava aquele garoto. A professora Inês. Tentara levá-lo para abrigos, sem sucesso, procurou ajuda em conselhos tutelares. Nada adiantou. “Vamos adotá-lo amor?”, pedia ao marido. “Não quero marginal aqui!”, dava por encerrar a conversa, troncudamente o esposo.
Enquanto o marido estava fora, Inês ajudava o jovem a ler e a escrever na praça, de vez em quando eram interrompidos por algumas sementes vindas das árvores derrubadas por travessos periquitos Professora e aluno sorria alegremente. Foi difícil convencer o jovem a ter confiança na mulher que chamara “Os Homi”, como os moradores de rua apelidam o conselho tutelar ou o pessoal da prefeitura. No entanto a amizade os uniu.
O menino foi crescendo. Aos 17 anos já não tinha mais o carinho de antes para com as pessoas. A vida o fez assim. Não pôde suportar a pressão do sistema, foi literalmente, insuportável ser bom o resto da vida. Ele Precisava sobreviver.
De vez em quando ele passava à porta da casa da professora. Ela o via, corria até a porta. Dava-lhe uma garrafinha com suco, bolo e despedia-se carinhosamente, chamando-o de “meu filho”.
Joel desapareceu. Os moradores inquietaram-se.
– A policia deve ter matado!
– Ele estava envolvido com tráfico de drogas. Foi traficante!
Inês procurou-o em hospitais, no IML. Nas delegacias. Nada. Seu marido, realista, a criticava, e ameaçara separar-se dela, se não parasse com tal desespero.
– Então vá embora. Se eu tivesse cuidado dele, não teriam o matado.
O homem ficou calado. Os anos passaram-se. Inês sempre muito fraterna rezava para o rapaz, que “havia de estar vivo”, dizia convicta.
O velho do pequi contava aos clientes que não existia garoto igual. Dona Sônia o via como um transgressor em sua vida. “Existia um nojo dentro de mim aos moradores de rua. Sinto pena e caridade agora”, enchia a boca e dizia. Ninguém sabia donde estava Joel.
Alguns anos depois.
– Onde está o senhor Inácio do pequi?
– Morreu já tem dois anos.
– Que pena... – Suspirou profundamente – Muito obrigado!
Palmas. Aparece na porta uma senhora de cabelos brancos. Rosto enrugado. Olhos firmes.
– Olá boa tarde!
– Boa tarde!
– A senhora é a professora Inês?
– Sim. E você quem é?
Silêncio anfibológico.
– Sou Joel. – Disse com olhos lacrimejados.
Os dois se abraçaram. E contaram como viveram nos últimos anos. Joel havia sido preso, saiu logo após alcançar seus 18 anos. Conseguiu um emprego, estudou numa escola para adultos, conheceu Mariana, colega de turma, casaram-se e tiveram uma filhinha. Faz faculdade de Administração e trabalha como gerente de um restaurante elegante. Vive num apartamento no bairro nobre da capital de outro estado.
– Por que voltou? – Perguntou Inês.
– Decidi voltar e agradecer ao velho do pequi, a dona Sônia e igualmente a senhora, por terem acreditado em mim.
Foram de mãos dadas à praça onde ele aprendeu a escrever com Inês. Ambos ficaram parados, sentido o esparramar do ecoar do som dos periquitos que brincavam nas árvores. As lágrimas desceram.
Autor: Yago Sales
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