A alfabetização para além de técnicas: possibilidades na leitura e escrita em um diálogo com a obra "Reflexões sobre a alfabetização", de Emília Ferreiro.



A Alfabetização para além de técnicas: Possibilidades na leitura e escrita em um diálogo com a obra “Reflexões sobre a alfabetização”, de Emília Ferreiro.

Vânia Roseane Pascoal Maia[1]

 

 

            Emília Ferreiro desenvolveu a Teoria da Psicogênese, onde inspirada em Piaget, deslocou o foco do processo de alfabetização. Se antes a preocupação era “como ensinar”, Emília se preocupou em investigar “Como as crianças aprendem”, proporcionando reflexões e um novo olhar sobre esse processo que produz tantas discussões e preocupações no meio educacional.

            Através dos estudos da autora é possível que repensemos alguns conceitos, entre eles o nosso entendimento sobre o sujeito que aprende; Como se dá esse aprendizado; O nosso papel enquanto educadora/ educador; O papel da escola e de outros ambientes influenciadores, como a comunidade, igreja, ambientes de lazer, a família, entre outros, além do que estamos levando em consideração na construção dos saberes dos educandos e educandas.

            O processo de alfabetização, conforme Ferreiro começa muito antes da vida escolar e por isso não deve ser ignorado. A criança, por exemplo, não “pede permissão” para aprender, está em constantes descobertas e as fazem na prática, experimentando e agindo sobre o mundo que a cerca. Assim, desde que nasce está inserida no universo das letras, resultado do contato com diversos ambientes que lhe são desfrutados muito antes da chegada na sala de aula. Dessa forma, então, é incoerente acharmos que detemos a “fórmula da alfabetização”, como se através de uma técnica muito “bem” aplicada, “depositássemos” todo o conhecimento na mente de nossos alunos, considerando-os como “folhas de papel em branco”, prontos para serem “preenchidos” com os nossos pensamentos e “verdades”, ignorando, assim, o ser que pensa, produz, constroi e reconstroi conhecimentos. Neste sentido, Ferreiro diz que:

(...) Temos uma imagem empobrecida da criança que aprende: a reduzimos a um par de olhos, um par de ouvidos, uma mão que pega um instrumento para marcar e um aparelho fonador que emite sons. Atrás disso há um sujeito cognoscente, alguém que pensa, que constroi interpretações, que age sobre o real para fazê-lo seu. (1989, p.40-41)

            Compreendo que é necessário, assim, refletir sobre a alfabetização com foco em questões que vão além dos métodos. Se faz importante uma busca por aspectos fundamentais na aprendizagem, como por exemplo, a competência lingüística infantil e a capacidade que as crianças têm de indagação, curiosidade e vontade de conhecer, questões que infelizmente, muitas vezes, são ficadas em segundo plano ou nem são levadas em consideração.

            Ao repensar essas questões, o nosso papel enquanto educadora/educador, poderá ser repensado também, apontando para uma necessidade de criarmos um ambiente facilitador da aprendizagem, que disponibilize o acesso à leitura, o incentivo à criatividade e à imaginação, de forma que as crianças dêem continuidade aos estímulos recebidos pela família ou ainda, que tenham oportunidade, se não for o caso do ambiente familiar, de estarem em contato com materiais propícios ao mundo da leitura e da escrita. Para isso também, não excluímos a postura da professora/professor, que “facilita” a aprendizagem, mas que também se posiciona, não é neutro, media e contribui para uma leitura crítica também das realidades vividas.

            Vemos como fundamental, portanto, que a criança tenha vez e “voz”, contando com a valorização e o incentivo à produção da escrita espontânea em substituição aos exercícios cansativos e sem possibilidade de reflexão, como é o caso das cópias, tão freqüentes ainda, no ambiente escolar. Nesse caso, deveremos levar em consideração os aspectos construtivos da produção, uma oposição ao que acontece na escrita tradicional, sendo observados somente os aspectos gráficos.

            Dessa forma, respeitando o conhecimento de vida dos sujeitos envolvidos no processo e incentivando a leitura e escrita do universo eu os cercam, compreenderemos a extrema viabilidade de se conceber a escrita como uma “prática de liberdade”, apostando, assim, na capacidade de ação deles sobre o mundo. Sobre isso, trazemos uma citação lida em um texto apresentado no V Colóquio Internacional Paulo Freire, em Recife:

(...) Paulo Freire diz que ler é tomar consciência. A leitura é antes de tudo uma interpretação do mundo em que se vive. Mas não só ler permite a interpretação. É necessário também representá-lo pela linguagem escrita. Falar sobre ele, interpretá-lo: escrevê-lo. Ler e escrever, dentro desta perspectiva, é também libertar-se. Leitura e escrita como prática de liberdade. (ALMEIDA, 2007, p.7-8)

 

            Assim, trabalhando nesta perspectiva da escrita e leitura enquanto libertação é possível também que entendamos a necessidade de pensá-las enquanto representação, e não, enquanto código, para agirmos incentivando a compreensão do sistema, sem ficarmos presas (os) apenas em letras, com ordens pré-estabelecidas, visto que no mundo as coisas (e nós também), estão em constante movimento, como nos diz Ferreiro:

(...) No mundo circundante estão todas as letras, não em uma ordem pré-estabelecida, mas com freqüência que cada uma delas tem na escrita. Todas as letras em uma grande quantidade de estilos e tipos gráficos. Ninguém pode impedir a criança de vê-las e ocupar delas (...). (1989, p.37-38)

 

            Então, dando importância e pensando no sujeito que aprende, saberemos que repensar o processo de alfabetização é também deixar um pouco de lado o que entendemos como “fácil” ou “difícil” messe trabalho. É saber que é injusto “guardarmos” letras, distribuindo-as conforme achamos necessário, sem levarmos em consideração a bagagem e o conhecimento trazidos pelos alfabetizandos.

            Temos, portanto que ter consciência que dependendo da forma como a escrita é concebida mudam-se as consequências pedagógicas e se, a nossa intenção for a formação de atores sociais, capazes de lerem o mundo que os envolvem de forma crítica e reflexiva, lutaremos para não transformá-los em meros copistas e afirmaremos, ainda, a nossa negação da escrita enquanto técnica, pois ela é mais que isso: É objeto de conhecimento e pode traduzir um mundo de possibilidades.

 

Referências:

ALMEIDA, F. Exclusão Social: Um sofisticado e disfarçado olhar sobre a exploração. Artigo não publicado. São Paulo: Nov. 2002.

 

FERREIRO, Emília. Reflexões sobre a alfabetização. São Paulo: Cortez: Autores Associados. 14ª Ed.1989.

 

[1] Pedagoga; Integrante do grupo de pesquisa da FURG “Política, Natureza e Cidade”; Mestranda em Educação Ambiental. Email- [email protected]

 


Autor: Vânia Roseane Pascoal Maia


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