CAIRO, DAMASCO E SALVADOR



Não, aqui não se falará sob a ótica do direito civil, militar, nem sob o respaldo de estudiosos das relações internacionais. Não vem ao caso. Não se discorrerá muito menos sob as prerrogativas governamentais, nem corporativistas que engendram os conflitos no Cairo, Damasco e Salvador.  Aqui abordaremos uma questão simples, mas crucial, sob a ótica de um ser humano que questiona os fatos, a luz da soberania nacional, constitucional e o estado de preservação de direitos do cidadão.

O vínculo e ponto de identidade entre o que está ocorrendo no Cairo, em Damasco e o que ocorre (já ocorreu e ocorrerá) em Salvador é o confronto entre os mesmos, ou seja, os nacionais. De um lado, no Oriente Médio, é o povo na rua, para o que der e vier, buscando seu rumo na história. A conflagração entre milhares de torcedores, resultando em 624 feridos e 74 mortos, ao término de uma partida de futebol, no Cairo, foi apenas parte de uma guerra civil que lá já se estabeleceu. A derrubada de Muhammad Hosni Said Mubarak (Egito) foi uma questão de sobrevivência de uma nação levada ao extremo em contraposição ao poder coercitivo dominante há décadas. Em contrapartida, o governo que lá se instalou desde então, não tem atendido ao clamor e aos ideais ecoados nas manifestações públicas. Não há mais o que negociar, por isso, o povo egípcio ocupa as ruas do Cairo sob a bandeira de que “os que morreram sem merecer exigem a vida dos que não merecem viver” (comentário este entreouvido em noticiário da televisão).  Também em Damasco, capital da Síria - cujo opressor (Bashar Al Assadé), acusado de massacrar seu próprio povo, para manter-se no poder,  à custa de muitos milhares de mortes de civis e escombros - não há volta e, mesmo sob os escombros de muitas mortes, muita destruição, o povo vencerá e uma nova ordem estabelecer-se-á. O momento entrópico a que chegaram esses países do Oriente Médio desde o ano passado não permite o retrocesso; o processo conflito-caos-ordem virá até novo momento em que novas lutas surgirão, recrudescerão, para, posteriormente, conduzir a superação do estabelecido resultante do conflito anterior. É assim o fio da evolução das civilizações humanas e das leis naturais.

Em Salvador, os policiais amotinados – é preciso que se ressalte - por reivindicações justas contra os salários indignos e que não encontraram eco no campo do debate, no âmbito do entendimento e da busca do consenso entre seus superiores – governo/corporação - chegou às ruas objetivando repercussão junto à opinião pública. Este, também, é um momento de ruptura. E, quando isso ocorre, consequências advirão. É o que vimos online acontecer na trópica, turística cidade brasileira de Salvador, capital do estado da Bahia. Obviamente, não podemos validar o estado de caos ali instalado; a população não pode ficar a mercê da incompetência governamental, do vandalismo e da decisão da corporação (organizada em motim), que têm como dever manter a ordem pública. No episódio, a tropa nacional, convocada pelo governador Jaques Wagner à camarada Dilma, precisa ter um comando moderado; não pode permitir nem adotar o confronto com as forças amotinadas e seus familiares e amigos civis. Não estão na Rocinha (RJ) combatendo o tráfico. Foram requeridos e, lá, estão para proteger a população, o patrimônio público e o privado. Se, a “ordem” for de reprimir os reivindicadores a todo custo, o caos instalar-se-á e as consequências, que são imprevisíveis, ainda podem se agravar.

Os governos autoritários precisam descer dos seus tronos monárquicos e atender os reclamos de seus servidores, pois estes, os mandatários, não são proprietários do erário, são os capatazes, lá colocados para gerir, por nós, os conflitos próprios de um sistema democrático. Legisladores, governadores, prefeitos, políticos de qualquer naipe ou agremiação, magistrados e dirigentes de estatais não precisam ir ás ruas reivindicar remuneração justa para o seu trabalho, pois tratam antes de qualquer compromisso republicano, de seus próprios interesses, legislando sempre em causa própria. Por que, então, professores, bombeiros, policiais, profissionais da saúde, dentre outros, precisam e chegam a esse recurso extremo? Há algo de errado nessa lacuna.

Não haverá diferença entre o Cairo, Damasco e Salvador se o confronto das forças nacionais se der contra os amotinados e seus familiares; será sempre um cidadão nacional contra outro cidadão nacional. Lá, no Egito, a causa é político-econômica e significa um momento entrópico de mudança para novos patamares civilizatórios.  Longe de uma apologia às greves e suas maléficas consequências para a população, é preciso que se ressalte, governabilidade, não se exerce com força nacional nas ruas contra quem lá está por força da intransigência e falta de negociação entre os incapazes.

 

Maria Angela Mirault

http://mamirault.blogspot.com

 

 


Autor: Maria Angela Mirault


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