Quebradeiras de coco babaçu



QUEBRADEIRAS DE COCO BABAÇU

dependência do babaçu livre*

 

Kezia Letícia da Silva Velôso**

Leonardo Víctor Paixão Mesquita**

 

Sumário: Introdução; 1. A formação do Grupo; 2. A lei do Babaçu Livre; 3. As lutas e os Direitos; Conclusão; Referências Bibliográficas.

 

RESUMO

 

As minorias sempre lutam para que seus direitos sejam concretizados, assim são as quebradeiras de coco que lutam pela lei do babaçu livre, ou seja, a possível liberdade de adentrar terras particulares a fim de realizarem a retirada do coco babaçu e desse, angariar sustento de sua família. A lei do babaçu livre seria a princípio a principal conquista desse grupo, pois como não possuem condição financeira de adquirir suas próprias terras, portanto, devem ter o acesso livre aos locais em que tais palmeiras de babaçu são abundantes, pois caso seja negado adentrar em terras particulares, seria extinto um grupo minoritário e esta não teria direito de afirmação.

 

PALAVRAS CHAVE

Direito. Minorias. Quebradeiras de coco. Babaçu livre.

 

Introdução

 

Ultimamente os grupos minoritários buscam ainda mais o reconhecimento de sua identidade no meio social e para isso se organizam politicamente para buscar a garantia de seus direitos, eles se posicionam de tal forma a se relacionar com o Estado para que este os afirme e efetive seus direitos.

Existe ainda uma grande dificuldade no total reconhecimento das minorias, pois se distanciam em suas práticas do ordenamento jurídico vigente e o Estado acaba por criar um enorme “déficit de direitos” para vários grupos sociais, principalmente as minorias.

Assim o direito faz-se dotado de universalidades, pois não reconhece e garante os direitos das minorias, têm-se dificuldade de relativizar, construir e afirmar a pluralidade, esta que concebe formas de proteção diferenciadas aos grupos, consoante suas necessidades.

Então neste paper, ocupar-nos-emos de mostrar que as quebradeiras de coco lutam pelos seus direitos, que possuem como principal objetivo a continuação da lei do babaçu livre, pois se esta for extinta culminará no fim de uma “minoria”, já que estaria possibilitando esse grupo de realizar sua única atividade de meio de sustento, pois as quebradeiras necessitam de um mínimo (acesso às palmeiras) para poder lutar por seu reconhecimento.

 

1. A formação do grupo

 

Os direitos das minorias quase nunca são concretizados, estas têm que ir à luta em busca de seus interesses, e foi então com a necessidade do enfrentamento de conflitos específicos pelo acesso ao uso do coco babaçu, que foi organizada na segunda metade da década de 80 os movimentos sociais que agrupam as chamadas quebradeiras de coco babaçu.

Este movimento que consolida a união de várias mulheres que têm como atividade quebrar o coco e ainda objetivam buscar a garantia do acesso às áreas de ocorrência de babaçu, que haviam sido cercadas e desapropriadas injustamente por fazendeiros, pecuaristas e empresas agropecuárias.

Embora a primeira tentativa de organização das quebradeiras de coco babaçu tenha sido em 1989, seu reconhecimento deu-se apenas em 1991 com a AMQCB (articulação das mulheres quebradeiras de coco babaçu), e em 1995 foi que se consagrou o MIQCB (movimento interestadual de quebradeiras de coco babaçu), pois estas mulheres que participavam desse movimento sentiram necessidade de se interelacionarem com as demais regiões que se concentram em quatro estados da federação estendendo-se “[...] por centenas de povoados distribuídos desde o vale do Parnaíba, no estado do Piauí, até o vale do Tocantins, atravessando diagonalmente o estado do Maranhão”.[1]

Essas regiões são as que fazem parte do MIQCB e este movimento reconhece essas mulheres como sujeitos políticos, e à medida que foram crescendo juntas, tanto economicamente, como politicamente, foram formando cooperativas, sindicatos e associações.

Hoje, além da busca pela identidade, pelo acesso livre aos babaçuais, elas lutam pela sua afirmação como trabalhadoras rurais, como focaliza Farias:

[...]a propriedade da terra, de caráter concentrador, é um dos marcos históricos mais firmes de exclusão e de impedimento à mudanças e, portanto, à própria democratização do país. Os movimentos sociais rurais têm uma história recente, cerca de 40 anos, de luta por direitos básicos de cidadãos com direito à terra e ao trabalho. As mulheres trabalhadoras rurais experimentam essa exclusão somada à discriminação de gênero e lutam, ainda [...] hoje, pelo direito ao reconhecimento da própria categoria de “trabalhadoras rurais”.[2]

 

2. A lei do babaçu livre

 

Como anteriormente divulgado, comentou-se acerca da origem do movimento que hoje se encontram todas as mulheres quebradeiras de coco babaçu, definindo tal prática de extrativismo como essencial para o sustento de inúmeras famílias localizadas principalmente no norte e nordeste do Brasil. Sendo o coco babaçu o principal instrumento para esse movimento, deu-se origem a um grande problema a ser resolvido não apenas pelo movimento, mas também, pelo Estado, ou seja, a questão da terra e do livre acesso aos babaçuais.

Grandes conflitos entre fazendeiros e quebradeiras de coco babaçu acontecem principalmente pela disputa de terras,

[...] há ainda casos de violência física contra as quebradeiras no qual gerentes da fazenda, vaqueiros ou encarregados submetem as mulheres a surras e violência sexual. Há ainda casos em que a mulher precisa roçar a quinta, ou seja, limpar a área do pasto, para ter acesso à área de quebra e coleta do coco.[3]

 

Os fazendeiros não aceitam que suas terras sejam invadidas pelas quebradeiras, salientando que estas ingressam em suas terras de forma ilícita e acabam por destruir todos os babaçuais não os repondo. São comuns reclamações de que as quebradeiras de coco estariam cortando cercas com o objetivo de fazer um caminho mais curto até os babaçuais. Muitas vezes também, estariam deixando a casca do coco espalhada no chão, provocando ferimentos nos casos dos animais. Além disso, a realização de “caieiras” – método artesanal para a fabricação do carvão a partir da queima da casca do coco – dentro das propriedades é criticada sob a alegação de que traz risco de incêndios.

Embora estas reclamações sejam coerentes à realidade, o fato de acontecerem não diz respeito apenas às quebradeiras de coco, mas aos próprios proprietários de terra que usam até da força, da violência, para expulsarem as quebradeiras de suas terras, impedindo estas de realizarem por direito a extração de babaçuais assim como o seu próprio sustento. Acontece que os fazendeiros, apesar de não usufruírem de coco babaçu em nenhum aspecto, a não ser é claro quando possuem contrato com alguma indústria que também se utiliza do coco babaçu, mas fora isso, de nada se utilizam da palmeira e muitas vezes acabam por efetuas eles mesmos, queimadas sobre os babaçuais, impedindo que as quebradeiras de coco realizem seu trabalho para terem de migrar para outra região. Acontece então uma mera questão de má vizinhança.

Analisa-se como questão de boa ou má vizinhança, justamente porque os fazendeiros são os únicos que criam problemas com as quebradeiras de coco, uma vez que, existem situações que os próprios fazendeiros doam parte de suas terras para estas mulheres, para que possam trabalhar sem preocupação, existindo muitas vezes até uma forma de aluguel da terra, sendo que o lucro obtido pelas quebradeiras de coco é repartido com os fazendeiros, estabelecendo entre eles porcentagens, ou seja, ¾ para os fazendeiros e ¼ para as quebradeiras, sendo que esta forma não é justa e é estabelecida em poucos casos, pois a maioria estabelece um acordo de que o lucro obtido é dividido igualmente.

Deste dado momento surge a maior luta do movimento MIQCB, a luta pelo babaçu livre, no que diz respeito a seguir:

A expressão “babaçu livre” tornada bandeira de luta do movimento das quebradeiras de coco babaçu, compreende a garantia do pleno acesso das trabalhadoras extrativas aos babaçuais, sem quaisquer interdições. Separa a propriedade do imóvel rural do uso da floresta de babaçu nele incidente.[4]

 

A lei do Babaçu Livre basicamente garante às quebradeiras de coco e às suas famílias o direito de livre acesso e de uso comunitário dos babaçus (mesmo quando dentro de propriedades privadas), além de impor restrições significativas à derrubada da palmeira. Essa lei foi uma iniciativa e vem se alastrando, atualmente, 13 municípios (oito no Maranhão, quatro no Tocantins e um no Pará) possuem legislação do gênero.

Entretanto, o argumento de que a Lei do Babaçu Livre viola o direito de propriedade privada marca aquele que é, sem dúvida, o ponto mais polêmico dos debates em torno do tema. E foi justamente com base nessa alegação que o relator do projeto no Congresso Nacional, deputado federal Wagner Lago (PDT – MA), fez alterações profundas em seu texto original. “São mudanças que, na prática, removem a garantia de livre acesso das quebradeiras de coco aos babaçuais, mantendo apenas aspectos referentes à preservação da palmeira.” [5]

 Joaquim Shiraishi Neto, professor do Programa de Pós-Graduação em Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e pesquisador do tema, questiona a suposta ênfase dada à propriedade privada em detrimento dos interesses coletivos nessa discussão. “A Constituição reconhece o país como formado por uma sociedade pluriétnica, identificando inclusive alguns grupos com realidades e direitos específicos” [6], explica ele. Portanto, pelo princípio da igualdade, o Estado também tem de reconhecer as quebradeiras de coco e as formas de reprodução social desse grupo.

 

3. As lutas e os direitos

 

Frisa-se que é de tamanha importância que o acesso às palmeiras de coco não seja negado, pois o babaçu é atividade que condiz a renda exercida por um grupo de mulheres, as quebradeiras de coco.

Elas realizam atividade extrativa da matéria-prima (coco) e assim podem usufruir com a produção de produtos que a partir da venda obterão renda, essas mulheres travam muitas lutas com relação à comercialização desses produtos e ainda contra os fazendeiros com o único objetivo de exercer sua atividade com dignidade, como menciona Cynthia Martins,

 

Após os intensos conflitos que resultaram na desapropriação, houve um fortalecimento das formas coletivas de mobilização a partir da criação da ASSEMA das associações das trabalhadoras rurais e de movimentos como o MIQCB, que trouxeram propostas de beneficiamento da produção e organização dos trabalhadores em cooperativas. É nesse contexto que são criadas, com apoio do CNPT, as cooperativas, cujo objetivo principal centrava-se na organização de uma linha de comercialização que eliminasse a figura do intermediário e conseqüentemente, uma venda mais justa.[7]

 

Outro grande problema a ser enfrentado é novamente contra os donos das terras, os fazendeiros, pois eles alegam propriedade privada, mas a constituição de 1988 procurou reconhecer os grupos sociais distintos e para isso assegurou na constituição uma “sociedade fraterna, pluralística e sem preconceitos”.[8]

Além disso, a constituição do maranhão de 1989 aborda no art. 190 “nas terras publicas e devolutas do estado assegurar-se-á a exploração dos babaçuais em regime de economia familiar e comunitária.” [9]

A propriedade privada deve então ser funcionalizada devido às quebradeiras, sendo que em relação ao âmbito jurídico isso implica reconhecê-las como grupo social e efetivar seus direitos contidos no ordenamento jurídico, assim salienta Joaquim Shiraishi,

O próprio código civil de 2002 se reservou, apartando da propriedade do solo, determinados bens, que não se constituem em objeto de propriedade do solo, determinados bens que não se constituem em objeto de propriedade, com efeito, não desconhecemos que o estado sempre se acautelou, reservando para si alguns bens ou, na hipótese de não fazê-lo, o direito de legislar sobra eles, sobretudo quando desconhece o seu valor econômico. Trata-se de resguardar as riquezas existentes no território nacional, passiveis de serem exploradas economicamente.[10]

 

 

As quebradeiras de coco buscam aquilo que já é seu, mas que não é efetivado, seus direitos, e como o principal, a livre disponibilidade das terras com palmeiras, pois elas em sua grande maioria não possuem propriedades com ocorrência de babaçu então o livre acesso aos babaçuais mesmo em propriedades privadas seria o ápice de suas conquistas, pois o babaçu livre é a condição de existência das quebradeiras de coco babaçu.

 

Conclusão

O movimento MIQCB se originou com a luta das mulheres quebradeiras de coco por seus direitos, a livre exploração das palmeiras de babaçu e o livre acesso a terras. Marcou-se a luta principalmente contra os fazendeiros que possuem em suas terras a maior parte dos babaçuais existentes nas regiões norte e nordeste e onde se encontram um numero vasto de famílias que necessitam de coco babaçu para sua sobrevivência.

A luta maior volta-se para a manutenção da lei do babaçu livre como condição de existência de sua atividade e de seus grupos, ate mesmo de renda família, pois a maioria das mulheres quebradeiras obtém sua renda devido essa atividade.

Portanto a lei do babaçu livre deve permanecer como forma de garantir a existência de uma classe de trabalhadoras e para que haja multiculturalismo e que este seja reconhecido e que cada grupo social possa exercer com liberdade a sua atividade sem ser extinto o direito principal, o de sua existência como minoria e o reconhecimento desta.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

 

ALMEIDA, Alfredo Wagner B. Quebradeiras de Coco Babaçu: Identidade e Mobilização. São Luís: III Encontro Estadual das Quebradeiras de Coco babaçu. 1995.

 

__________.Preços e Possibilidades: A organização das quebradeiras de coco babaçu face à segmentação dos mercados. In: ALMEIDA, A. W B. et al. (Orgs.). Economia do babaçu: Levantamento preliminar de dados. 2ª ed. São Luís: MIQCB; Balaios Typographia, 2001.

 

ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. (ORG). Economia do babaçu: levantamento preliminar de dados/ Alfredo Wagner Berno, Joaquim Shiraishi Neto, Benfamin Alvino de Mesquita (ORGs), Helciane de Fátima Abreu Araujo, Cynthia Carvalho Martins, Miguel Henrique- São Luis, MIQCB/ Balaios Typhografia, 2000.

 

ARAÚJO, Helciane de Fátima et al. As quebradeiras de coco babaçu e a luta pelo fim da sujeição no campo. In: Direitos humanos no Brasil: relatório da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos. São Paulo: Fundação Heinrich Böll, 2004.

 

CAMPOS, André. Babaçu Livre. Repórter Brasil, agência de notícias. Disponível em <http://www.reporterbrasil.com.br/exibe.php?id=521>. Acesso em 25 de outubro de 2008.

FARIAS, Maria Dolores M. Nem calados, nem silenciados: as falas das mulheres trabalhadoras rurais e a desconstrução de sujeitos políticos tradicionais. In: FERREIRA, Maria Luzia Miranda A. etal (Orgs.). Os saberes e os poderes das mulheres: A construção do gênero. São Luís: EDUFMA; Salvador, REDOR, 2001

NETO, Joaquim Shiraishi: O Direito das Minorias: Passagem do invisível real ao visível formal? – Curitiba, 2004.

SHIRAISHI, Joaquim Neto. Babaçu Livre: conflito entre legislação extrativa e práticas camponesas. In: ALMEIDA, Alfred W. et al.(Orgs.). Economia do babaçu: Levantamento preliminar de dados. 2ª ed. São Luís: MIQCB; Balaios Typographia, 2001.


[1] ALMEIDA, Alfredo Wagner B. de. 2001, p. 15.

[2] FARIAS, 2001, p. 156.

[3] ARAÚJO; CARVALHO, MAGALHÃES, 2004, p. 223.

[4]ALMEIDA, Alfredo Wagner B., p. 12.

[5] CAMPOS, André. Babaçu Livre. Repórter Brasil, agência de notícias, 2006.

[6] CAMPOS, André. Babaçu Livre. Repórter Brasil, agência de notícias, 2006.

[7] ALMEIDA, 2000, p. 144.

[8] Preâmbulo da CF de 1988.

[9] Art.190 da constituição do Maranhão.

[10] SHIRAISHI, Neto, 2004, p. 190.

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Autor: Kezia Da Silva Veloso


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