Religiosidade E Subjetividade: A Introspecção Einsteiniana Ao Campo Do Imaginário



INTRODUÇÃO

Deus não é algo totalmente externo ao ser humano, mas é uma entidade advinda do contato do ego-pensante com o cosmo-pensante. Noutros termos, é a veneração do próprio homem para com um Ser superior ao entendimento humano. E saber que por detrás da natureza palpável ao homem existe um mistério: e é exatamente este mistério que Einstein chama de Deus, e a veneração e este é a sua religiosidade. É, de fato, o campo do imaginário (a mente humana) que faz a introspecção da idéia de Deus, ou seja, conhece esse Ser superior.

Este campo do imaginário deve ser entendido como sendo o mergulho na própria subjetividade em si mesma. A certeza de que é através da intuição que poderá chegar no conhecimento de Deus e de sua própria influência na vida humana. É justamente este o sentido que leva o presente texto defender a idéia de que em Einstein é possível afirmar que é pela introspecção sobre si mesmo que haverá a certeza da existência de uma verdade unitária, a qual criou os homens e tudo que existe de visível e invisível aos olhos humanos. A fé de Einstein é a fé na racionalidade da construção do mundo, a crença de que é possível entrever seus princípios. Sendo assim, sua célebre frase "Deus não joga dados" não se refere a um Deus personalizado que determina arbitrariamente o destino das pessoas. É uma afirmação sobre a física, mais especificamente sobre a relação de difusão da física quântica. Na religião de Einstein, não há lugar para impasses ou afirmações difusas.

È no próprio sujeito que se pode encontrar o verdadeiro vestígio do valor da religião para o homem. Acaso esse entendimento for representado empiricamente, tal representação pode ser qualquer outra coisa diferente do verdadeiro sentido da religião. Neste sentido, a religião se torna uma propriedade do próprio ego-pensante que predomina no universo cosmo-pensante. Para ele a religiosidade do sábio "consiste em espantar-se, em extasiar-se diante da harmonia das leis da natureza, revelando uma inteligência tão superior que todos os pensamentos humanos e todo seu engenho não podem desvendar, diante dela, a não ser seu nada irrisório". Este sentimento desenvolve a regra dominante de sua vida, de sua coragem, na medida em que supera a servidão dos desejos egoístas. Indubitavelmente, este sentimento se compara àquele que animou os espíritos criadores religiosos em todos os tempos.

No primeiro momento deste texto será apresentada, de forma resumida, uma biografia de Einstein, bem como as suas implicações na história, seja no campo da física ou da religião. Mostrar que muito mais do que comumente se tem como sabido de Einstein, a sua capacidade científica vai muito além do campo da física e da matemática: chega ao campo religioso. Muito embora ele não professasse nenhuma religião dogmática, a sua crença numa entidade superior vai além de toda e qualquer profissão religiosa dogmática. Chega a ponto de afirmar que Deus é um ser superior ao homem e que não é possível entendê-lo através de facticidades humanas. Mas que este só é compreendido através de um prolongado mergulho na própria subjetividade. Ai, portanto, entra o sentido introspectivo humano: numa radical crença em um Deus capaz de criar tudo o que é existente ao olho humano.

Já num segundo momento será exposto alguns traços que tangem a questão da religião como sendo crença em uma entidade superiora aos sentidos humanos. Assim, a negação de um Deus pessoal é bem visível em Einstein. Pois, se fosse admitido que deus se mostra como pessoa ao homem, toda o aspecto einsteiniano da religião teria outro sentido.

1 - Albert Einstein: uma breve biografia

Albert Einstein nasce a 14 de março de 1879, em Ulm, velha cidade de Souabe, no sudoeste da Alemanha. Tão longe quanto pode alcançar sua memória, seus ancestrais paternos e maternos aí viveram. Seus pais transmitem a ele o amor pela música e pela natureza, além de uma abertura de espírito e tolerância, típicos dos Souabes. Daí vem à aversão de Einstein pelo militarismo prussiano e pela aprendizagem mecanizada passa sua infância em Munique. Ainda muito jovem, prefere lançar-se em seus sonhos a ir brincar como as outras crianças. Dos 10 aos 18 anos, estuda no Luitpold Gymnasium, em Munique. Abandona seus estudos e vai ter com sua família na Suíça, onde arte, música e lógica ocupam um lugar de destaque. Mas Einstein deve prosseguir seus estudos. Após um ano passado na escola cantonal da cidade de Aarau, na Suíça, obtém um diploma que lhe permite ingressar na Escola Politécnica, de Zurique, escola que influencia sobremodo seu desenvolvimento intelectual, pois é aí que nasce seu interesse pela física.

Em 1901 Einstein consegue apenas empregos temporários, como professor substituto em escolas secundárias, onde aproveita o tempo para iniciar suas investigações científicas. Escreve uma tese de doutoramento, que não foi aceita pela Universidade de Zurique (uma nova tese viria a ser aceita em 1905). Com a ajuda do pai de Marcel Grossmann, Einstein recebe a promessa do seu primeiro emprego permanente, no Departamento Suíço de Patentes. Antes mesmo de ser convocado para uma entrevista, ele pede demissão de um emprego numa escola particular, em Schaffhausen, e se instala em Berna em fevereiro de 1902. Cria, com os amigos Conrad Habicht e Maurice Solovine, a Akademie Olympia. Ao lado de Paul Habicht, Michele Besso e Marcel Grossmann, esse grupo de boêmios, recém-formados procura de emprego, constitui uma contra-cultura das mais profícuas da história da ciência. Pode-se comparar a Akademie Olympia ao grupo de discussão liderado por Freud, que na mesma época se reunia em Viena. As discussões na academia giravam em torno de ciência, filosofia e política, a partir das idéias de Marx, Mach, Spinoza, Poincaré, Sófocles, etc. Com esses colegas, Einstein discute seus primeiros trabalhos sobre a teoria da relatividade restrita.

A teoria da relatividade geral surge em 1907, num artigo de revisão da relatividade restrita, e se consolida a partir de 1916, quando Einstein publica o primeiro trabalho sistemático sobre a sua nova teoria. Na revisão de 1907 ele introduz sua equação mais popular, E=mc2, e discute a deflexão da luz pela ação de um campo gravitacional. A comprovação desse fenômeno, durante o eclipse solar de 1919 - observado por duas expedições inglesas: na ilha do Príncipe, sob a coordenação de Sir Arthur Stanley Eddington, e em Sobral, no Ceará, sob a coordenação de Andrew Crommelin -, transforma Einstein numa personalidade internacionalmente conhecida. Jornais do mundo inteiro estampam manchetes alusivas ao eclipse e ao triunfo de Einstein.

Quando Einstein ocupa seu primeiro emprego universitário, em 1909 (Universidade de Zurique), já é respeitado pela comunidade científica européia. Entre 1910 e 1922, é indicado anualmente para receber o Prêmio Nobel de Física (excetuando-se 1911 e 1915), sendo agraciado em 1922 com o prêmio correspondente ao ano de 1921, que havia sido adiado. Ironicamente, o primeiro a indicá-lo foi Friedrich Whilhelm Ostwald, que o rejeitara, em 1901, para um cargo de assistente na Universidade de Leipzig. Em 1914, é nomeado diretor do Instituto de Física Kaiser Wilhelm, professor da Universidade de Berlim e pesquisador da Academia Prussiana de Ciências, ali permanecendo até 1933, quando emigra definitivamente para os Estados Unidos, fugindo da perseguição nazista. é imediatamente nomeado professor no Instituto de Estudos Avançados em Princeton, ali permanecendo até a data do seu falecimento: 18 de abril de 1955.

1.1 - Einstein e Tagore.

Foi exatamente no dia 14 de Julho de 1930 que Einstein recebeu a visita do poeta hindu Rabindranath Tagore. Ambos conversaram sobre a compreensão que cada um deles tinha sobre o universo e sua criação. Fora uma conversa distraída e feita de forma amigável, sem a finalidade de um impor a possível autoridade sobre o tema debatido entre eles.

Einstein e Tagore tinham uma coisa em comum: ambos não reverenciavam a religião nas Escrituras. Acreditavam num mundo espiritual que não fosse separado deste mundo, mas que seria a constituição de sua verdade mais íntima. Neste sentido, ambos não discordavam da afirmação de que o divino não se encontra isolado do mundo. Entretanto, ambos discordavam numa questão: enquanto Einstein via duas concepções sobre a natureza - 1) o mundo como unidade dependente da humanidade; 2) o mundo como realidade independente do fator humano - Tagore negava a presença do criador na concepção do universo:

Tagore exclui a presença do criador na sua concepção do Universo. O homem existe paralelamente à realidade do Universo, ou justamente com a realidade do Universo. O seu Universo é humano e permeado do humano, e o seu homem é parte integrante desse todo, expressão desse todo; e, portanto, não é criatura. É um ser eterno. O seu "compreende o Universo" equivale a ser o homem o próprio Universo, a expressão dele, e absorvível na personalidade humana.

Einstein indagou Tagore sobre a questão do belo e da verdade. Pois a veneração da verdade, segundo Tagore, se dá pela dependência dos seres humanos em conhecer a verdade. Já Einstein ressalta que a verdade e o belo existem independentemente do contato do homem com o objeto. Pode-se notar que o pensamento de ambos são inconciliáveis, pois um afirma a dependência do homem para que a verdade exista, outro alega a independência da beleza e da verdade. A certeza de que a beleza existe na natureza é uma afirmação conciliável dentre estes dois pensadores, mas no que se refere na questão da verdade já é discordância de idéias tanto do cientista quanto do poeta hindu. Mas, aparentemente parece-nos que Tagore não compreendeu bem a colocação de Einstein, pois:

São duas mentalidades antagônicas: um é cientista afeito às matemáticas, à lógica, à pesquisa em seu campo de atividades. Não se trata, portanto, de um leigo inocente em matéria cientifica. Além do mais, é um pensador intuitivo. É o gênio do puro raciocínio, e não alguém que se apregue exclusivamente aos sentidos e ao intelecto. Ele possui visão interna, direta, que não tropeça nas facticidades. O outro é poeta e vive no mundo das elaborações estéticas.

No final do diálogo, Tagore alegou que se existe alguma verdade que não seja vinculada com alguma relação empírica com a mente humana, tal verdade será eternamente como nada. E é justamente ai que Einstein reconhece ser mais religioso do que Tagore.

1.2 - Elogio de Einstein à Mahatma Gandhi.

Em virtude da celebração do oitavo ano da declaração da independência da índio, em 1939, Einstein proferiu as seguintes palavras:

Um condutor de seu povo, não apoiado em qualquer autoridade externa; um político cuja vitória não se baseia em astúcias nem técnicas de política profissional, mas unicamente na convicção dinâmica da sua personalidade; um homem de sabedoria e humildade, dotado de invencível perseverança, que emprenha todas as suas forças para garantir a seu povo uma sorte melhor; um homem que enfrenta a brutalidade da Inglaterra com a dignidade de um homem simples, e por isso se tornou um homem superior - futuras gerações dificilmente compreenderão que tenha vivido na terra, em carne e osso, um homem como esse.

Em que consistia esta admiração de Einstein pela personalidade Gandhi? Existe alguma relação entre o pensamento de um com o outro? De fato, tanto Einstein quanto Gandhi partem do mesmo princípio matemático-metafísico, ou seja, que o princípio da matemática é o mesmo princípio creador da mística. Ambas confirmam a idéia de que é pelo puro raciocínio que o homem pode descobrir toda lei do cosmo; sem seguer utilizar algum recurso à empiria dos sentidos nem à análise mental. Pode-se notar daí, que é através do puro raciocínio que o homem pode descobrir qualquer lei da natureza:

Basta que o homem se concentre intensamente até atingir e ultrapassar toda a zona da sucessividade analítica e entrar na zona da simultaneidade intuitiva da razão espiritual e saberá como o UNO do UNIVERSO rege o governa o VERSO do cosmos.

Tanto o metafísico quanto o místico não aceitam a realidade pelo fato de alguém a tenha demonstrado "empiricamente", mas aceitam-na independentemente de qualquer prova demonstrada, porque tem a fonte de certeza dentro de si mesma, no seu eterno UNO do seu Eu intuitivo. Sendo que nenhuma prova factual lhes pode dar certeza, também nenhum aprova lhes pode tirar. O pensamento analítico, neste sentido, se torna como necessário e preliminar, mas não suficiente para o resultado final.

Muito embora a mística de Gandhi tivesse sido admirada por Einstein, este mesmo não se considerava uma pessoa mística. Pois certa vez estava Einstein e sua esposa Elsa estavam visitando Londres em 1921. Logo a noite eles foram num jantar particular em companhia de Randall Thomas Davidson, arcebispo de Cantuária. Durante a conversa no decorrer do jantar a esposa de Davidson ressaltou a sua contenta pela teoria einsteiniana, especialmente no que dizia respeito no seu aspecto místico. Na mesma hora, Elsa achou graça pelo que tinha acabado de ouvir. Já Einstein disse que a única censura que poderia ser feita à sua teoria era exatamente o misticismo.

Ao contrario do misticismo, Einstein disse certa vez que a natureza é uma estrutura magnífica, que só pode ser compreendida muito imperfeitamente, e por isso o homem deve encher-se de um sentimento de humildade. Tal sentimento deve ser entendido como genuinamente religioso, o qual nada tem a ver com o misticismo. Por isso:

A inexistência de qualquer componente místico ou irracional na filosofia einsteiniana da religião permite que a vejamos como uma construção teórica, ou sistema de idéias, passível de ser submetida a critérios metodológicos de aceitabilidade, como por exemplo conter apenas conceitos bem definidos ou estar livre de contradições internas.

2 - A religiosidade e a subjetividade numa ótica einsteiniana.

A compreensão de Deus, segundo Albert Einstein, consistia na crença em uma entidade superior que não poderia ser captada e atingida pela inteligência humana, mas admirado pelo Ser Humano, como bem podemos notar nas próprias palavras de Einstein:

Saber que existe algo de insondável, sentir a presença de algo profundamente racional, radiantemente belo, algo que compreendemos apenas em forma rudimentar - é esta a experiência que constitui a atitude genuinamente religiosa. Neste sentido, e neste sentido somente, eu pertenço aos homens profundamente religiosos.

Ele não professava nenhuma religião institucional, muito embora fosse filho de pais judeus. Sua religião consistia numa crença em um ser superior a esta natureza visível pelo homem. Deus, neste sentido, é invisível realidade do universo, a inteligência universal, a consciência cósmica, ou no dizer de Espinosa, a "alma do universo". É a realíssima realidade, a alma do universo, que não pode ser verificada pelos sentidos humanos, mas pode ser sentida pela intuição espiritual, pelo puro raciocínio. Deus não é uma facticidade concreta, mas sim a realidade abstrata. Para Einstein, aquele que julgar ter provado a existência de Deus através das facticidades humanas é ateu. Porque prova a existência de uma facticidade, que não é Deus, mas algum pseudo-deus, um ídolo qualquer advindo pelos sentidos ou pela inteligência humana.

No decorrer de sua vida, Einstein sempre admirou o filósofo Espinosa, pelo fato que este defendia a idéia de que Deus e Natureza eram dois nomes para a mesma realidade, a saber, a única substância em que consiste o universo e do qual todas as entidades menores constituem modalidades ou modificações. Afirmou ainda que Deus era um ser de infinitos atributos, mas para o sujeito ele deu apenas dois: pensamento e extensão. Conhecendo Deus através de idéias e corpos. E mesmo o conhecendo através dos dois atribudos nos dado, não é o conhecimento completo de Deus. Pois este é a substância a qual gerou os outros seres.

Segundo Espinosa, Deus não é pessoa. Não se caracteriza por inteligência, sensação ou vontade. Não é por intenção que são dirigidos seus atos, e sim por sua própria natureza, em conformidade com leis estritas. Todas as idéias no mundo somadas constituem o pensamento de Deus. A sua visão da natureza da realidade, então, fez tratar os mundos físicos e mentais como dois mundos diferentes ou submundos paralelos que nem se sobrepõem nem interagem mas coexistem em uma coisa só que é a substância. Ao longo da construção de seus sistema, Espinosa procurou resolver o problema de Descartes, apresentando Deus como tudo e mais que tudo. O espírito e o corpo não são coisas inteiramente diferentes, porém, Deus visto de dois modos. Pode, pois, Deus afetar o mundo e o das coisas, porque ele é ambos e, portanto, o próprio ser. Para Espinosa, portanto, todo o universo é Deus ou substância, na forma de espírito e corpo. O homem é uma unidade nesse todo. È espírito e corpo. Acreditava ainda que Deus e o mundo material eram indistinguíveis quanto melhor compreendemos o funcionamento do universo, mais nos aproximamos de Deus.

Einstein sempre admirou a personalidade de Espinosa, tanto é que certa vez compor um poema para este filósofo. Essa admiração pode ser bem constatada no decorrer de uma entrevista, da qual foi solicitado para que Einstein definisse Deus, eis a resposta:

Não sou ateu, e não creio que possa me chamar de pantísta. Estamos na situação de uma criancinha que entra em imensa biblioteca, repleta de livros em muitas línguas. A criança sabe que alguém deve ter escrito aqueles livros, mas não sabe como. Não compreende as línguas em que foram escritas. Tem uma pálida suspeita de que a disposição dos livros obedece a uma ordem misteriosa, mas não sabe qual ela é. Essa, ao que me parece, é a atitude até mesmo do mais inteligente dos seres humanos diante de Deus. (...) Sou fascinado pelo panteísmo de Espinosa, mas admiro ainda mais sua contribuição para o pensamento moderno, por ele ter sido o primeiro filósofo a lidar com a a lma e o corpo como uma coisa só, e não como duas coisas separadas

Ainda numa perspectiva einsteiniana, as religiões institucionalizadas nada poderiam externar sobre o entendimento de Deus. Pois este é superior e inatingível por qualquer pessoa que se julga inteligente. Entretanto, ele respeitava qualquer que fossem as convicções religiosas sinceras e nunca abandonou essa postura:

Aprendeu a respeitar as convicções religiosas sinceras, qualquer que fosse o credo, e não abandonou essa atitude em épocas posteriores da vida, quando rejeitou ingressar em organizações religiosas institucionalizadas.

Era um adorador pelos escritos Bíblicos, nunca se preocupou em ver a Bíblia numa ótica crítica. Desde a sua infância, ainda no primário, tinha aulas de Catecismo, histórias bíblicas do Antigo e do Novo Testamento. Fato interresante é que Einstein era o único aluno judeu de sua turma, mas isso não foi motivo para que ele ficasse constrangido em meio a outros alunos que eram advindos de outra cultura religiosa. Em uma aula que era ministrada por um padre católico, este exibiu um enorme prego afirmando que foi com aquele mesmo objeto que os judeus crucificaram Jesus. E com isso toda a atenção da turma fixou em Einstein. Segundo consta, ele ficou extremamente envergonhado diante dessa constrangedora situação.

De acordo com o próprio Einstein em suas Notas autobiográficas a sua religiosidade não nasceu pela admiração da natureza: foi o reconhecimento da futilidade a rivalidade humana na luta pela sobrevivência, aliada ao sentimento de depressão e desespero, para o qual a religião pareceu trazer algum alivia:

Quando eu era um jovenzinho bastante precoce, o vazio das esperanças e esforços que persegue incessantemente a maioria dos homens pela vida afora penetrou-me na consciência com vigor considerável. Além disso, não tardei a descobrir a crueldade dessa perseguição, que, naqueles anos, era mais cuidadosamente encoberta pela hipocrisia e por palavras esplendorosas do que hoje. Pela simples existência do estômago, todos estavam condenados a participar dessa corrida. Ademais, com essa participação podia-se saciar o estômago, mas não satisfazer o homem como ser pensante e dotado de sentimentos. Como primeira saída, havia a religião, que é implantada em todas as crianças por meio de máquina tradicional da educação. E foi assim que, apesar de ser filho de pais (judeus) inteiramente irreligiosos, cheguei a uma profunda religiosidade.

É daí que o próprio Einstein descreve os três estágios do desenvolvimento da religião, que são:

A primeira ele chamou de "religião do medo". Pensando em quais teriam sido as necessidades e os sentimentos que levaram ao pensamento e à fé religiosa, entendeu que, para o homem primitivo foi, antes de tudo, o medo, seja da fome, dos animais, das doenças ou da morte. Ele não aceitava a idéia da religião se originar pela revelação, segundo a qual Deus dá a conhecer sua realidade aos homens; isso exclui a aparição a Moisés e acontecimentos como o nascimento, vida e morte de Jesus Cristo, ou ainda as palavras de um anjo, como diz o Alcorão. E é exatamente este primeiro estágio que dará origem aos outros dois que foram conseqüência deste primeiro:

Refiro-me à religião do temor que, embora não a tenha creado, representa, contudo uma etapa importante estabilizada pela formação de uma casta sacerdotal peculiar, que se arvora como medianeiro entre o povo e os seres por ele temidos, e erige uma hegemonia nesta base.

É bem visível que Einstein salienta que este medo é originário do problema da relação entre homem e a sociedade. De que o homem é um ser em constante medo de passar fome, de sofrer agressões e de morrer. Para que exista dentre os homens algum "conforto" que poderá saturar esse medo sobre aquele que vive em constante preocupação e medo ao que poderá acontecer com ele mesmo, Einstein diz que é ai que se dá a religião. Uma vez existindo algo que poderá confortar e, de certa forma, ajudar a tirar do próprio homem o medo do futuro, é óbvio que isso dará um certo conforto e ajuda para que o homem fique mais tranqüilo e com mais confiança em si mesmo e na vida como um todo.

No segundo estágio é proposto que exista a "concepção social ou moral de Deus", decorrente do "desejo de orientação, amor e apoio". É o Deus que premia e castiga, ao qual ele já havia se referido anteriormente. Einstein via no Antigo e no Novo Testamento uma ilustração admirável dessa transição de uma religião do medo para a religião da moral, ainda ligada a uma concepção antropomórfica de Deus:

As escrituras judaicas ilustram admiravelmente a evolução da religião do temor para a religião da moral, que tem a sua continuação no Novo testamento. As religiões de todos os povos civilizados, sobretudo no Oriente, são precisamente religiões morais. A transição de uma religião de temor para uma religião moral representa um grande passo na vida de uma nação.

Nitidamente que este estágio é uma conseqüência do primeiro estágio que foi descrito anteriormente. É a concretização da idéia de um Deus que dará ao homem o que pede com fé e o recompensará de acordo com as suas atitudes frentes as outras pessoas. Neste sentido, toda e qualquer atitude que houver na sociedade é justamente para que desta mesma atitude a recompensa seja dada por Deus para aqueles que fizerem o bem aos outros. Do contrário, se não for feito o bem e a vontade de Deus, este castigará aqueles que o desobedecerem.

Já no terceiro estágio Einstein chamou de "sentimento religioso cósmico" e, segundo explicou, é um conceito muito difícil de elucidar para as pessoas que não têm esse sentimento, uma vez que ele não comporta qualquer concepção antropomórfica de Deus. Ele disse que:

os gênios religiosos de todas as épocas distinguiram-se por esse tipo de sentimento religioso, que não conhece nenhum dogma e nenhum Deus concebido à imagem do homem; não pode haver uma Igreja cujos ensinamentos centrais se baseiem nele.

Assim, é entre os hereges de todas as eras que vamos encontrar homens que estiveram repletos desse tipo mais elevado de sentimento religioso e que, em muitos casos, foram encarados por seus contemporâneos ora como ateus, ora como santos. Vistos por esse prisma, homens como Demócrito, Francisco de Assis e Espinosa assemelham-se muito. É ai que se encontra o principal traço religioso no pensamento de Einstein: o conceito cósmico de Deus não se prende mais a imagens pessoais, de modo que não requer nem Igreja, nem dogmas, nem orações:

Dificilmente encontraríamos entre as mentalidades cientificas um só homem que não fosse possuído de uma religiosidade peculiar. Mas essa religiosidade é tão diferente da religião do homem ingênuo, porquanto, para este, Deus é um ser do qual se espera algum benefício ou cuja punição se teme - sentimento esse que é sublimação daquilo que uma criança sente em face de seu pai; supõe um ser com o qual seja o seu colorido de reverência.

É de certo afirma que fora esse tipo de religião, a cósmica, o modo que pendurou a concepção de religião em Einstein. Convém, ainda, ressaltar que essa religião cósmica que foi adotada por Einstein consiste na crença numa entidade divina ou na inteligência universal. Sendo esta, a inteligência universal, apresentada como a impossibilidade de ser conhecida pelos sentidos humanos, mas pode ser conhecida pelo puro raciocínio ou, nos dizeres do próprio Einstein, por uma intuição espiritual.

O Deus verdadeiro é, de fato, apresentado, verdadeiramente, através da intuição espiritual. Não podendo ser dito nada sobre ele, pois se trata de algo que não pode ser pensável, mas apenas sentido pela intuição do ego. Se acaso for externada alguma coisa que diga respeito ao entendimento de Deus, seria uma coisa ilusória. É justamente por isso que nenhum homem pode descobrir Deus, uma vez sendo que este se encontra muito além de nossas possibilidades de conhecimento.

Seria de certo afirmar que o conhecimento de Deus não advém de provas empírico-analíticas, mas sim da intuição de cada ego-pensante através de um prolongado silêncio:

O metafísico e místico não aceitam a Realidade (Deus) porque alguém a teha demonstrado "cientificamente" - mas aceitam-na anterior e independentemente de qualquer prova de demonstração, porque têm a fonte de certeza dentro de si mesmo, no seu centro e cerne, no eterno UNO do seu eu intuitivo. E, como nenhuma prova factual (e fictícia) lhes pode dar certeza, também nenhuma prova lhes pode tirar.

Assim, não existe a crença em um Deus pessoal, pois este se apresenta como algo que pode ser visto facilmente pelas facticidades humanas. Acaso Einstein professasse a crença em um Deus pessoal que seria visível pela experiência empírica humana, então todo o seu conceito de Deus Cósmico perderia o seu verdadeiro sentido e se tornaria qualquer outra coisa, de menos o seu valor clássico.

É de suma importância a presença religiosa na vida de Albert Einstein, torna-se público que este mesmo pensador não apresentava tendências ateis na sua compreensão de mundo. Como já fora aludido no tópico acima, Einstein foi contrário ao dogmatismo religioso e demais vertente que impõem saberes religiosos já previstos.

De fato, a sua religiosidade pode ser considerada como a crença num ser superior ao entendimento humano. O homem encontra Deus através do contato de si mesmo com a natureza e daí que interioriza essa beleza do universo e chega a conclusão que por detrás desse Universo existe um UNO (Deus, ser superior) que criou esse mundo e nós, seres humanos, somos os VERSOS (criaturas criadas por Deus).

Portanto, a religiosidade einsteiniana consiste na certeza de que por detrás dessa beleza do universo existe um ser Superior (UNO) que dele adveio todas as coisas existentes no mundo (VERSOS). E é exatamente esta a concepção religiosa que permeou todo o pensamento de Albert Einstein ao longo de sua vida.

CONCLUSÃO

Deus é uma entidade superiora a qualquer facticidades humana que possa existir em meios aos homens, mesmo que estes sejam cientistas com avançados procedimentos para a descoberta de qualquer coisa com relação ao campo da física e em qualquer outra área. Isso é bem visível no decorrer deste trabalho que teve por finalidade apresentar alguns traços religiosos no pensamento de Einstein. É óbvio que existe grandes estudiosos que, possivelmente, já trabalharam esta temática de forma mais abrangente. Mas a finalidade foi de apresentar de uma forma mais objetiva a concepção que Einstein tinha sobre a religião e sobre Deus.

Entender que a religião é algo do próprio sujeito e cabe apenas este conhecer Deus a partir de uma constante reflexão e introspecção, para que assim se chegue a conhecer Deus como uma entidade superiora ao próprio homem. Daí que se pode concluir a verdadeira desmembração de Einstein sobre as religiões dogmáticas, em especial a dos Judeus. Portanto, a religião é expressa, se assim pode ser dita, com a contemplação da criação de Deus visível ao sujeito. E, também, a certeza de que por detrás de toda e qualquer coisa existente se faz necessário um princípio que seja a unidade de toda a pluralidade existente no mundo empírico. Esta unidade é Deus, a unidade expressa não por contemplações empíricas, mas sim na certeza que é ele o ser unitário da natureza. Uma vez não podendo ser conhecido, ele se torna um mistério. É este mesmo mistério que Einstein qualifica de religião. Ou seja, na certeza de que é Deus o criador das coisas matérias.

Não podendo ser provado empiricamente, não há vestígios para afirmar que Deus se mostra como pessoa ao homem. E séria até contraditório dizer que a noção de Deus pessoal é presente em Einstein. Deus é como um mistério, uma entidade superiora a toda e qualquer capacidade humana. Assim, uma pessoa religiosa é devota no sentido de não ter nenhuma dúvida quanto ao valor e eminência dos objetivos e metas suprapessoais que não exigem nem admitem fundamentação racional. Eles existem, tão necessária e corriqueiramente quanto ela própria. Nesse sentido, a religião é o antiqüíssimo esforço da humanidade para atingir uma clara e completa consciência desses valores e metas e reforçar e ampliar incessantemente o seu efeito. Quando concebemos a religião e a ciência segundo estas definições, um conflito entre elas parece impossível. Pois a ciência pode apenas determinar o que é, não o que deve ser, isso está fora do seu domínio, logo todos os tipos de juízos de valor continuam a ser necessários. A religião, por outro lado, lida somente com avaliações do pensamento e da acção humanos: não lhe é lícito falar de factos e das relações entre os factos. Segundo esta interpretação, os famosos conflitos ocorridos entre religião e ciência no passado devem ser todos atribuídos a uma apreensão equivocada da situação descrita.

Bibliografia:

EINSTEIN, Albert. Como vejo o mundo. Tradução de H. P. de Andrade. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981.

EINSTEIN, Albert. Notas autobiográficas. Tradução de H. P. de Andrade. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982

JAMMER, Max. Einstein e a religião: física e teologia. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Contraponto, 2000.

MONTEIRO, Irineu de. Einstein - reflexões filosóficas. São Paulo: Alvorada, 2000

RODHEN, Huberto. Einstein - o enigma do universo. São Paulo: Martin Claret, 2005.

ROHDEN, Huberto. Mahatma Gandhi - o apóstolo da não violência. São Paulo: Martin Claret, 2007.
Autor: Thiago Marques Lopes


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