À Espera De Catarina



A última paixão de Toninho desfez-se quando Dona Izolda tascou-lhe um carinhoso, porém constrangedor, beliscão na bochecha rubra em plena sala de aula, na presença dos amigos, que haviam, durante todo o bimestre, ouvido dos seus sentimentos pela professora. Risos e indignação

 - Ingrata! E eu que tinha na bolsa uma rosa de dois tostões para lhe dar assim que permitisse a coragem!

Certo que o menino desenvolvera-se mais que o normal para os treze anos, completados recentemente, no Dia da Independência, mas nada que causasse interesse nas moçoilas, recém-formadas que fossem. Ainda mais na mulher feita, que lhe ensinava os segredos sobre senos, co-senos e tangentes.

As raparigas sonhavam com rapazes de bons modos e brilhantina no cabelo e, por tal causa, tiravam de suas gavetas arranjados vestidos, que trajavam nos passeios pela praça do relógio, construída a mando do Coronel Gervazo, como propaganda para o seu candidato de confiança à sucessão da prefeitura da cidade.

Toninho desdobrava-se em lábias para convencer a mãe a ceder-lhe as roupas do irmão mais velho, que servia ao Exército e só vinha para casa nos dias findouros do mês. Borrifava líquido fixador sobre a cabeça de maneira a emplastar a cabeleira castanha. Esculpia a aparência aos modos dos cantores de bolero em evidência naqueles tempos. A camisa sobrava-lhe nas calças, com as barras conservadas estrategicamente dobradas para dentro, para esconder os enormes sapatos, recheados de papelão. Desnecessariamente espalhava espuma de barbear na púbere face e a removia cuidadosamente com a afiada navalha que furtara do avô.

Não que as galhofas dos moços feitos não lhe causassem constrangimentos, mas resistia a vontade de apressar os anos da nascente adolescência.

Nas tardes de domingo, matava o tempo na barraca de garapa do Seu Joaquim, até que o ponto de encontro dos paqueradores se enchesse e ele pudesse ser pouco notado pelos debochados mais crescidos. Andava encantado agora com a dama que vira na tela do Cine Palmares, o único da cidade, também construído pelo Coronel. A amizade com o bilheteiro permitia-lhe assistir às sessões, mesmo a um ano da idade recomendada. Via cenas de beijos, que repetia às escondidas no papel dos reclames de porta-seios e penhoares.

Seu encanto platônico era dirigido à bela Catarina, musa do filme francês em cartaz a exatos dois meses. Via a diva em todas as garotas de cabelos negros, queixos levemente encovados e olhares de anjo.

O vento lhe afrontava naquele dia, colando-lhe a roupa no corpo e delineando sua deselegância. Resolvera que não deveria contar ao amigo Joaquim sobre sua nova paixão. De certo que, se dissesse se tratar de um figura de cinema, o velho sorriria com menos zombaria que os galhofeiros da praça dos namorados, por ser ouvinte oficial de suas fantasias, mas, certamente, também se faria descrente de sua sandice. Um papel branco e pautado surgiu na espiral do ar em movimento, prendendo-se em seu rosto, tirando-lhe a visão, a paciência e afastando os pensamentos secretos que povoavam sua mente e o prendiam no banheiro por longos minutos, todos os dias pela manhã. Antes de rasgá-lo, sua curiosidade ganhou força.

Era um bilhete de amor:

De Catarina para... Antônio.

- Meu amor, a saudade me é imensa.

Chego no expresso das dezesseis e trinta.

Olhou o relógio da praça, faltavam exatos dois minutos. Não teve dúvida. Era para ele o recado. Correu para a plataforma de desembarque do outro lado da cancela, que já se ia abaixando, mas o menino valeu-se da agilidade que têm os da sua real idade e passou. Assustou o velho Joaquim com sua pressa e seguiu desapercebido pelos gozadores mancebos.

Pensou em Catarina. A da carta, a do cinema, a dos seus sonhos. Ela viria com seu vestido azul acetinado e o chapéu branco, assemelhando-se a uma princesa que vira nos contos infantis. Beijaria-a de forma demorada, como fizera o galã no filme, como treinara nas figuras das revistas da avó.

O primeiro a ser visto no trem foi o maquinista, com seu quepe preto e olhar cansado e rude. Depois desceram quatro senhoras de certa idade, que lembravam suas tias maternas. Alguns homens agarrados a maletas escuras, caixeiros, comuns na cidade. Uma moça loira, não tão bela quanto Catarina, algumas crianças, casais e um senhor de idade aproximada à do amigo Joaquim. Sua amada não viera, teria talvez perdido o embarque.

Aproveitando-se do descuido da guarda de plataforma, corcoviou-se e seguiu por detrás das pernas dos passageiros.

Abordou a composição e não se importou com o apito da locomotiva, que avisava do retorno à capital e se despedia dos habitantes do lugarejo. Iria embora daquela vila. Na cidade grande haveriam de compreendê-lo. Saudades, só do amigo das garapas, da mãe e da cachorra Filó. Um dia voltaria, depois que encontrasse Catarina ou, provavelmente, ao chegarem à próxima parada, onde certamente perceberiam seu grotesco disfarce de adulto e, em meio a muitas risadas, mandariam-no de volta. 


Serginho Poeta

Autor: Sergio Luis Oliveira Mesiano


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