Terror e sangue na sentinela



A tecnologia permite recriar com fidelidade as sangrentas lutas das Idades Antiga e Medieval, os filmes e videogames estão por aí para confirmar isso. Não ouvi dizer que nenhum espectador tenha saído correndo de alguma sala de cinema ou da frente de um computador ao defrontar com tais cenas, mas imagine essa violência de verdade e a poucos metros da batalha? Qual seria a nossa reação?

Na, hoje,Penitenciária Feminina do São Bernardo, em Campinas, na época o local ainda era o chamado "cadeião", ocorreu, certa vez, rebelião tão sangrenta, envolvendo quase todos os 700 presos, dos dois pavilhões, que alguns policiais da guarita correram apavorados. Não era para menos, os presos armados com verdadeiras lanças feitas com barras de ferro e pedaços de pau estocavam uns aos outros.

Para terror da segurança, alguns detentos chegavam lamber os espetos sujos de sangue após estocarem seus desafetos. O cenário era pior do que as guerras dos tempos do Império Romano. Muitos dos presos usavam "escudos" feitos com tampas de panelas ou com barris plásticos para se protegerem das estocadas, dando ainda mais tom das guerras romanas.

A confusão e gritaria certamente fariam inveja ao Inferno, de Dante Alighieri. Minutos pareceram horas, os tiros de fuzis disparados para o ar pareciam nem ser ouvidos pelos amotinados, que tinham objetivos opostos: um grupo queria matar e outro defender-se da morte. Do lado de fora, centenas de moradores do bairro apavorados com a possibilidade de mais uma fuga em massa.

Coisas absurdas ainda verificadas tanto em cidades grandes como nas pequenas, com cadeias superlotadas instaladas em áreas muito habitadas, em alguns casos no próprio centro da cidade. Sirenes de viaturas, chegada de Tropa de Choque, do Canil e de helicóptero. A missão é desarmar amotinados, socorrer feridos, recolher eventuais mortos.

A guerra era entre bandidos, o reforço policial controla a situação sem acrescentar feridos ou mortos aquela matemática macabra. Impressionante o tanto de estiletes, pedaços de paus, barras de ferro e "escudos" recolhidos com os amotinados. O material literalmente forra um dos pátios internos do "cadeião" e ainda rendeu belas imagens para as TVs e páginas dos jornais. Entre os motivos para a guerra, a tentativa de um grupo de presos de assassinar dois irmãos que estavam na ala rival.

E foram, justamente, os dois irmãos os feridos mais graves. Os vigias, que presenciaram as cenas de selvageria, ainda se recompunham do susto e pensavam:"se entre os detentos ocorreu tanta violência,imagine se um funcionário fosse tomado refém?". Era outro retrato em preto e branco e manchado de sangue da realidade ainda verificada em muitas cadeias do país.

São milhares presos, homens e mulheres cada vez mais jovens, primários ou não, amontoados em verdadeiros "barris de pólvora", sem trabalho ou perspectiva de recuperação. É o modelo neoliberal de prisão e suas cadeias/universidades crime, com pós-graduação e doutorado em violência. Isso na época em que faltava emprego e renda até para os mais honestos e corretos,imagine então para egressos da prisão?      


Autor: Edson Terto Da Silva


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