A Embriaguez Habitual no Direito do Trabalho



 
Miguel Teixeira Filho

Advogado em Joinville/SC

www.teixeirafilho.com.br

 1. Introdução

O presente artigo trata do procedimento a ser observado pelo empregador em caso de embriagues habitual, frente ao que dispõe o ordenamento jurídico pátrio e os modernos conceitos de proteção social.

2. Análise da Questão

O art. 482 identifica a embriaguez habitual ou em serviço como uma das razões que justificariam a demissão do empregado por justa causa. Veja-se:

Art. 482 - Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador:

[...]

f) embriaguez habitual ou em serviço;

A partir desta previsão legal, diversos doutrinadores sustentam que a embriaguez habitual e, com mais razão, a embriaguez em serviço caracterizam falta grave a justificar o rompimento do contrato de trabalho, por iniciativa do empregador. Nesse sentido pontificam Délio Maranhão, Dorval de Lacerda e José Martins Catharino (apud Amador Paes de Almeida, CLT Comentada. São Paulo : Saraiva. 3ª edição. 2005, p. 232).

De fato, durante muito tempo este foi o entendimento predominante. O vício da embriaguez sempre foi tido como ato anti-social incompatível com a boa ordem interna da empresa, afetando, como de fato afeta, a rotina normal do trabalho e a sua boa execução, a justificar a demissão por justa causa.

No entanto, o entendimento médico contemporâneo a respeito da embriaguez habitual não autoriza mais que o Direito do Trabalho dê ao problema solução tão simplista: vale dizer, a partir do entendimento que, preso no vício da embriaguez, o agente está a cometer falta grave, cabe lhe aplicar a pena trabalhista máxima.

Segundo vasta corrente doutrinária, o art. 482, f, da CLT deve ser aplicado com os devidos temperamentos.

Tanto a doutrina como a jurisprudência, em face da evolução das pesquisas no campo das ciências médicas, vêm considerando a embriaguez não mais como um desvio comportamental, mas como verdadeira patologia e como tal, assim devendo ser considerada.

É notório que a Organização Mundial deSaúde, de longa data, já incluiu o alcoolismo, em suas diversas fases, como uma das doenças que provocam alterações mentais, estando atualmente relacionado no Código Internacional de Doenças (CID), no Código F.10, sob o título "transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de álcool" (vide em http://www.datasus.gov.br/cid10/webhelp/cid10.htm)

Há que se distinguir, evidentemente, a hipótese em que o agente sofre do vício do alcoolismo (embriaguez habitual) da hipótese em que, não sendo alcoólatra, comparece embriagado ao local de trabalho.

No caso do alcoolismo, a jurisprudência, como já dito, já pacificou o entendimento que, uma vez reconhecida como patologia, a hipótese não se enquadra na figura de que trata o art. 482, f, da CLT.

Veja-se, do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região:

ALCOÓLATRA – JUSTA CAUSA – NÃO CARACTERIZAÇÃO – A hipótese capitulada na letra f do art. 482 da CLT não pode ser confundida com o alcoolismo, que é doença e, como tal, tem de ser tratada. Neste caso não há caracterização da justa causa para a dispensa do empregado como aliás vem decidindo a mais recente jurisprudência de nossos Tribunais." (TRT 3ª Reg., no RO nº 13.517/1992, ac. da 4ª T., rel. Juiz Nereu Nunes Pereira, inDJ-MG de 05/02/1994, p. 97);

No mesmo sentido, do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região:

JUSTA CAUSA. ALCOOLISMO CRÔNICO. Não cabe a aplicação do artigo 482, alínea "f", da CLT quando comprovado ser o empregado portador de alcoolismo crônico, reconhecido como doença pela Organização Mundial de Saúde - OMS, sob a denominação de "síndrome de dependência do álcool" (CID F-10.2). (TRT/12ª - 2ªT – Recurso Ordinário - 00188-2003-004-12-00-7 – Decisão de 17/11/2004 – DJSC 01/12/2004)

Amauri Mascaro do Nascimento (apud Amador Paes de Almeida, obra citada) afirma que o empregado, nessas condições, precisa muito mais de assistência médica adequada que da perda de emprego, sugerindo, outrossim, seu encaminhamento à Previdência Social e suspensão do contrato de trabalho, por auxílio-enfermidade.

Nessa linha, esclarecedora é decisão de 19/04/2004 do Egrégio Tribunal Superior do Trabalho, por ocasião do julgamento dos Embargos no Recurso de Revista 586.320.

A ementa desta decisão está assim redigida:

EMBARGOS. JUSTA CAUSA. ALCOOLISMO CRÔNICO. ART. 482, F, DA CLT.

1. Na atualidade, o alcoolismo crônico é formalmente reconhecido como doença pelo Código Internacional de Doenças (CID) da Organização Mundial de SaúdeOMS, que o classifica sob o título de síndrome de dependência do álcool (referência F- 10.2). É patologia que gera compulsão, impele o alcoolista a consumir descontroladamente a substância psicoativa e retira-lhe a capacidade de discernimento sobre seus atos. Clama, pois, por tratamento e não por punição.

2. O dramático quadro social advindo desse maldito vício impõe que se dê solução distinta daquela que imperava em 1943, quando passou a viger a letra fria e hoje caduca do art. 482, f, da CLT, no que tange à embriaguez habitual.

3. Por conseguinte, incumbe ao empregador, seja por motivos humanitários, sejaporque lhe toca indeclinável responsabilidade social, ao invés de optar pela resolução do contrato de emprego, sempre que possível, afastar ou manter afastado do serviço o empregado portador dessa doença, a fim de que se submeta a tratamento médico visando a recuperá-lo.

4. Recurso de embargos conhecido, por divergência jurisprudencial, e provido para restabelecer o acórdão regional.

(DJU 21/05/2004)

Num longo e detalhado voto, o relator, Ministro Relator João Oreste Dalazen ressaltou que o alcoolismo "é patologia que gera compulsão, impele o alcoolista a consumir descontroladamente a substância psicoativa e retira-lhe a capacidade de discernimento sobre seus atos", merecendo, por isso, "tratamento e não punição".

E acrescenta que "por se tratar de enfermidade [...] ao invés de ensejar a dispensa por justa causa, deveria inspirar no empregador, sobretudo por motivos humanitários, sempre que possível, atitude dirigida ao encaminhamento para tratamento médico e/ou psiquiátrico do empregado que se encontrar em tão degradante e aflitiva condição, com o seu conseqüente afastamento do serviço e a suspensão do contrato de trabalho".

Evidentemente que no caso do empregado se recusar a se submeter a acompanhamento e tratamento médico, fica o empregador autorizado a desligá-lo dos seus quadros. No entanto, em função das considerações acima, o máximo que poderá o empregador fazer é demitir o empregado em tais condições sob a modalidade sem justa causa.

3. Conclusões

Em face do exposto, concluímos que:

1)Com suporte em pesquisas médicas, atualmente é consenso que a embriaguez habitual (alcoolismo) se constitui em patologia, estando inclusive assim catalogada pela Classificação Internacional de Doenças, mantida pela Organização Mundial da Saúde, órgão das Nações Unidas;

2)Assim considerando, a doutrina e a jurisprudência evoluiu para afastar a embriaguez habitual (alcoolismo) da hipótese de dispensa por justa causa, conforme previsto no art. 482, f, da CLT, dispositivo que deve ser tomado com tais temperamentos;

3)Considerando os princípios de responsabilidade social, o recomendável, em tais hipóteses, é encaminhar o empregado para assistência médica adequada, incluindo-se, se for o caso, o seu encaminhamento para Previdência Social e suspensão do contrato de trabalho, por auxílio-enfermidade;

4)Apenas na hipótese em que o empregado se recusar a se submeter a acompanhamento e tratamento médico, fica o empregador autorizado a desligá-lo dos seus quadros. No entanto, em função das considerações acima, o máximo que poderá o empregador fazer é demitir o empregado em tais condições sob a modalidade sem justa causa.

Joinville, SC, 25 de Agosto de 2.008.


Autor: Miguel Teixeira Filho


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