O homem: um ser cultural



O homem: um ser cultural

 

Desde Aristóteles estamos acostumados e ouvir a afirmação de que o homem é um ser político. Desde o inicio do cristianismo aprendemos que o homem é um ser espiritual. Desde Marx somos informados que o homem é um ser trabalhador. A partir da sociologia o homem é apresentado como um ser social, e com o advento da antropologia conseguimos descobrir que, na realidade, o homem e um ser cultural. Disso pode nascer a pergunta: efetivamente, o que é o homem? O que é esse ser apresentado como um emaranhado de características que não o explicam? O que somos nós?

O ser humano, não é político, espiritual, trabalhador, social ou qualquer outra coisa, pois ultrapassa os conceitos e definições. Ele não se distingue dos demais seres pela vida social, nem por trabalhar, mas porque, ao trabalhar relaciona-se  com outros seres, seus semelhantes. Porque, ao trabalhar, deixa sua marca intencional, no mundo e, portanto produz cultura. Percebe-se no mundo, mas almeja algo além do mundo – daí a dimensão da espiritualidade.

E se fossemos nos interrogando, veríamos que todas essas caracterizações dizem algo de nós, mas não definem o ser humano; não existe um elemento definidor, mas será que há algo ou algum elemento distintivo para caracterizar o ser humano?

Sim. Existe um elemento que nos diferencia dos demais existentes: nossa capacidade de interferir, criar e recriar o mundo. Somos seres culturais. E isso porque as relações sociais e políticas, a espiritualidade e o trabalho resultam de intencionalidades que desenvolvemos a partir dos valores que aprendemos no ambiente em que vivemos. E o tudo que aprendemos e as ações que realizamos formam o conjunto de elementos que caracterizam a cultura, fazendo de nós seres culturais. Pois é nossa capacidade de criar, desenvolver e transformar a cultura que nos distingue dos demais viventes e existentes. Esse é um elemento essencialmente humano. A cultura é nossa marca distintiva.

Mas quais as implicações disso?

A constatação de que somos seres únicos. Não há nada que se iguale a eu e você, que seja como nós!

A espécie humana é única porque além de fazermos o que os demais seres vivos fazem – buscar alimento, acasalar, proteger a prole, proteger-se dos perigos... como fazem os demais viventes, nós fazemos algo a mais. Damos sentido a tudo isso: selecionamos os alimentos, selecionamos os parceiros sexuais, manifestamos sentimento de amor em relação às crias, enfrentamos nossos medos criando mecanismos de defesa que vão além do instinto natural.

E vamos além. Alguém já viu algum outro animal criando distintas estratégias para atingir diferentes fins? Se estamos com fome buscamos alimento. Mas criamos a possibilidade de plantar as sementes ou criar os animais que transformaremos em alimento; criamos a possibilidade de não só produzir nossos alimentos como também criamos diferentes meios de fazermos outros produzirem aquilo de que necessitamos.

Desenvolvemos sentimentos em relação às pessoas com as quais convivemos: amamos a algumas e detestamos outras. Fazemos o imponderado para agradar a quem amamos e, ao mesmo tempo, realizamos os mais absurdos gestos e mecanismos para agredir a quem odiamos. Fazemos esforços descomunais para ajudar aqueles que nos são próximos ou que desfrutam de nossa amizade e, por outro lado, criamos os mais incríveis caminhos para nos vingarmos dos desafetos. Prejudicamos os concorrentes; “puxamos” o tapete dos “colegas” de trabalho que estão progredindo mais do que nós; somos desleais no jogo dos interesses pessoais. Tudo isso representa aspectos aprendidos, portanto são manifestações culturais.

Além disso as ações do ser humano são temporais. Isso implica dizer que são históricas, pois mesmo morrendo um homem, suas experiências e suas realizações permanecem e podem ser reaproveitadas, recriadas, reformuladas por outros homens e isso é uma marca cultural. Mesmo os que não são seus descendentes podem utilizar seus saberes. Isso porque o ser humano visualiza o fato, as realizações e as produções num antes, no agora e num depois.

A esse respeito podemos nos lembrar dos versos da música “Canto para minha morte” de Raul Seixas e Paulo Coelho:

“Oh morte, tu que és tão forte, / Que matas o gato, o rato e o homem. / Vista-se com a tua mais bela roupa quando vieres me buscar / Que meu corpo seja cremado e que minhas cinzas alimentem a erva / E que a erva alimente outro homem como eu / E eu continuarei neste homem, e nos meus filhos, na palavra rude que eu disse para alguém de quem não gostava /e até no uísque que não terminei de beber aquela noite...”

Então o que é o ser humano? Um ser que se explica, mas que não se satisfaz com as explicações; um ser que cria e reformula o sentido das coisas e de si mesmo. Forma-se e se desenvolve a partir daquilo que produz, por isso é um ser cultural.

Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Rolim de Moura - RO


Autor: Neri P. Carneiro


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