A Revisão Contratual



A REVISÃO CONTRATUAL

O Estado Social de Direito tem a incumbência de se preocupar tanto com a tutela da justiça quanto com a segurança jurídica, o preâmbulo da Carta Magna pátria de inicio já resguarda os direitos sociais e individuais tendo como base a segurança e a justiça, nesse sentido Dalmo de Abreu afirma que "entre as principais necessidades e aspirações das sociedades humanas encontra-se a segurança jurídica. Não há pessoa, grupo social, entidade pública ou privada, que não tenha necessidade de segurança jurídica, para atingir seus objetivos e até mesmo para sobreviver." [i]

A segurança jurídica ocupa papel primordial na sociedade organizada, José Afonso da Silva em seu Curso Constitucional de Direito Positivo, assevera que ela é o "conjunto de condições que tornam possível às pessoas o conhecimento antecipado e reflexivo das conseqüências diretas de seus atos e seus fatos à luz da liberdade reconhecida." [ii]

Portanto, o contrato não pode se resumir única e exclusivamente à vontade de um só contratante ou ao império autoritário do judiciário, pois assim perderia uma de suas características principais que é justamente a da segurança jurídica, uma das maiores conquistas e virtudes do Estado de Direito, pois ele é "aquele que disciplina com regras jurídicas, na maior medida possível, sua própria organização e atividade nas relações com os cidadãos e assegura, também através do Direito, a atuação em relação a si próprio, mediante institutos jurídicos adequados," [iii] portanto, mudança latente em relação ao Estado de Poder ou Estado de Policia, onde o fim justificava os meios.

Apesar de o contrato ocupar o lugar mais baixo na pirâmide jurídica ,pois é criado pelos particulares, em acordo com as normas hierárquicas não há se falar em sua invalidade, porque ele também está inserido na noção de segurança jurídica e possui importante função sócio-econômica dentro do Estado, sua importante função na circulação de riquezas depende de segurança e estabilidade, não podendo jamais ficar a mercê do acaso, da incerteza e da fragilidade, "é uma conquista do Estado de Direito, do Estado Constitucional em sentido estrito, a fixação dos direitos reputados fundamentais do individuo, e a enumeração das garantias para tornar efetivos tais direitos, quer em face dos particulares, quer em face do Estado mesmo." [iv]

As circunstancias e as idiossincrasias não podem ditar o ritmo econômico e social, a segurança jurídica assim como as garantias do ato jurídico perfeito e do direito adquirido, não podem ser eliminadas da esfera contratual, pois sua finalidade estaria significativamente comprometida, assim como o próprio Estado, por isso, segundo Celso Antonio Bandeira de Mello "Convém recordar que o Estado de Direito é a consagração jurídica de um projeto político. Nele se estratifica o objetivo de garantir o cidadão contra intemperanças do Poder Público, mediante prévia subordinação do poder e de seus exercentes a um quadro normativo geral e abstrato cuja função precípua é conformar efetivamente a conduta estatal a certos parâmetros antecipadamente estabelecidos como forma de defesa dos indivíduos." [v]

Portanto a função social do contrato, observados os princípios da boa-fé e da lealdade, não pode ser encarada como algo incompatível com a segurança jurídica, ao contrário deve possuir guarda, gerando estabilidade as relações sociais, por intermédio do ato jurídico perfeito e do direito adquirido, adotando o critério da previsibilidade.

Obviamente, no que tange a proteção contratual dos consumidores, deve se fazer presente o poder da revisão contratual em contratos prejudiciais ao pólo frágil do negócio, porem sem conceder um poder unilateral de desconstituição contratual visando somente sua pura e simples vontade, por simples razoes de cunho pessoal. O contrato isento de vícios,respeitando todos os princípios e evidentemente não contaminado pelo desequilíbrio superveniente não previsível, deve ser cumprido de forma inequívoca em sua totalidade em observância a segurança jurídica.

Nesse diapasão o próprio Código de Defesa do Consumidor reconhece a segurança jurídica acerca do contrato, a exegese da lei permite a constatação deste fato, uma vez que ao reconhecer a nulidade da clausula abusiva e conseqüentemente a manutenção do vinculo contratual, ele consagra de forma clara essa garantia, ou seja, o CDC determina "a manutenção das relações no tempo, apesar da nulidade de cláusulas e eventuais quebras de base do negocio." [vi]

Esse entendimento por parte da lei consumerista é de extrema importância para o Direito, para a Economia e para a sociedade como um todo, pois garante segurança, legalidade e legitimidade aos contratos, coibindo interferências e modificações injustificadas no negócio acordado, seja por parte do particular, seja por parte do Estado através do judiciário, reforçando explicitamente o ideário do Estado de Direito.

Acompanhando essa linha de raciocínio, verificamos que "o legislador estatui, no corpo do Código de Proteção ao Consumidor (art.4º), uma política Nacional a ser aplicada às relações de consumo, adotando os princípios específicos a serem seguidos e que convivem de forma harmônica, com os demais princípios gerais e específicos reguladores dos contratos firmados em tal espécie de negócio jurídico." [vii]

A partir do momento em que a ordem jurídica permitiu a intervenção do Estado para tornar equânime os interesses da relação, logo reconhecendo a necessidade dessa medida, torna-se de suma importância a delimitação desse poder estatal, isto porque nossa Constituição reconhece e protege a autonomia da vontade, a propriedade privada, a livre iniciativa, o ato jurídico perfeito e o direito adquirido, todos ligados a idéia de segurança.

O contrato não pode de maneira nenhuma perder sua força obrigatória, pois, "sem ela não se sustenta a propriedade e se inviabilizam a circulação de riquezas e a livre iniciativa, não se respeitam o ato jurídico perfeito e o direito adquirido, ruindo toda a promessa de segurança jurídica[viii]."

Sendo assim, a proteção dispensada ao consumidor não pode e nem deve ser considerada absoluta, essa espécie de armadura concedida pelo Estado de Direito não o faz impenetrável em suas únicas e exclusivas razões, precisa ser encarada como direito, mas nunca como uma regalia injustificada, laudêmio concedido pela bondade do legislador, pois caso contrário estaria agindo em evidente desequilíbrio, favorecendo em vez de ajustando, diante deste contexto, "a revisão do contrato, pelos tribunais, em nome dos princípios ético-sociais não pode ser discricionária nem tampouco paternalista. Em seu nome o juiz não pode transformar a parte frágil em superpoderosa, transmudando-a em ditadora do destino da convenção. Isto não promoveria um reequilíbrio, mas sim, um desequilíbrio em sentido contrário ao inicial. Se pudesse cumular a parte débil com uma desproporcionada proteção judicial, quem se inferiorizaria afinal seria o contratante de inicio forte. Solucionar-se-ia um mal com outro mal, uma injustiça com outra injustiça. Evidentemente não se reconhece em nome da justiça contratual se realize tamanha impropriedade. Daí por que a intervenção judicial na revisão do contrato tem de ser limitada, respeitando-se, com prudente moderação, as exigências da boa-fé objetiva e do justo equilíbrio entre as prestações e contraprestações." [ix]

A efetividade dessa reflexão deve ser observada de maneira imperiosa, para não correr o risco de comprometer o verdadeiro conceito axial de Justiça, pois nesse caso a justiça estaria logo de inicio abrindo mão de sua imparcialidade, característica essencial da função.

O principio da equidade, que numa primeira acepção etimológica significa retidão e justiça, aparece em um segundo momento como, moderação, correção, benignidade, piedade, abarcando a idéia de epykeia tão difundida por Aristóteles, que deve ser vista como complemento dos princípios e do direito, sempre alerta para nunca desregular a balança da justiça, portanto, seguindo essa fórmula, os tribunais precisam estar sempre atentos para essa chave mestra que é o equilíbrio real, como sabiamente anotou Blackstone, "o direito sem equidade, embora duro e desagradável, é preferível, para o bem público, à equidade sem lei. Com esta, cada juiz seria um legislador e estaria implantada a suma confusão." [x]

Como já vimos anteriormente à boa-fé ocupa posição nuclear na revisão contratual, em seu nome a disposição pactuada pode ser reformulada, adotando esse raciocínio o juiz age com flexibilidade para trazer justiça e equidade ao instituto, Sylvio Capanema ressalva que "O judiciário que era um mero espectador desse processo, um aplicador da lei, é, hoje, graças a esses princípios do (boa-fé objetiva) Código de Defesa do Consumidor, o mais poderoso dos instrumentos para que se realize esse ideal e para que se empregue, no contrato, essa nova dimensão ética, que permite a todos os contratantes tirar dele, assim como a sociedade, benefícios sociais." [xi]

No entanto, mesmo sendo um regime jurídico elástico, deve se respeitar sempre que possível o acordo celebrado, intervir somente quando se faça necessária essa medida, que é na verdade "o padrão moderno da autonomia da vontade, ou seja, o restabelecimento da justiça e da utilidade do pacto, através da recomposição da economia contratual, buscando manter o chamado sinalagma funcional do contrato, que por vezes, se afasta do sinalagma genético do mesmo." [xii]

Na sistemática do Código de Defesa do Consumidor, a revisão contratual é um direito básico e poderá ser pleiteada sempre que houver adoção de práticas e cláusulas abusivas por parte do fornecedor, se der estipulação de prestações desproporcionais na criação do contrato, conseqüentemente causando lesão ao consumidor e quando ocorrer a superveniência de fatos que tornem as prestações excessivamente onerosas. Essas medidas adotadas pela lei, não vieram desfigurar e nem subestimar o contrato, mas sim elevar seu propósito a um outro patamar, puramente social e essencialmente ético.

Dentro dessa preocupação é límpida a filosofia da norma do consumidor quando ressalta como principio basilar, a harmonização dos interesses dos contratantes no pacto e compatibilização da proteção do consumidor com a imperiosa necessidade de evolução econômica e tecnológica, que venha viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica, sempre se baseando na boa-fé e no equilíbrio das relações.

A respeito da revisão contratual com base na lesão é importante que esteja configurada a desvantagem desproporcional, não pode se levar em conta o lucro do fornecedor, que é plenamente natural, mas sim o prejuízo exagerado do consumidor, a onerosidade excessiva. Somente quando estas condições estiverem presentes, o juiz poderá interferir na economia do contrato, constatado o abuso em detrimento do consumidor, "a chamar a ação reequilibradora do novo direito contratual em sua visão social." [xiii]

Para que ocorra a revisão e esta seja justificável, imprescindível será que haja "uma analise funcional e contextual da cláusula, de seus fins e efeitos desequilibradores da engenharia contratual básica" [xiv], ou seja, a exegese do documento é essencial e não pode ser afastada pelo julgador, caso contrario poderá comprometer a decisão.




Autor: Rafael Gondim D`Halvor Sollberg


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