Psicologia e serviço social: um diálogo inter e transdisciplinar



As interrogações e os questionamentos sobre a mente humana perpassam durante a história da humanidade, sendo amplamente discutidas por inúmeros pensadores, sobretudo filósofos, que a analisam principalmente na perspectiva da linguagem e do pensamento (MARTIN, 2003). A partir da distinção entre pensamento filosófico e científico – fato consolidado após o declínio do período medieval – que surge a Psicologia, cujo sentido etimológico nos leva a entendê-la como o estudo da alma.

Por apresentar um objeto de estudo deveras subjetivo, Eidelwein (2007, p. 299) afirma que “a Psicologia, enquanto área do conhecimento científico, é multifacetada em termos de objetos de estudo, métodos e metodologias”. Segundo a autora, não há uma psicologia, mas sim psicologias, visto que durante todo o percurso evolutivo desta área, inúmeros mecanismos de análise do comportamento foram elaborados a fim de sistematizar as ações humanas movidas por “atos interiores”.

Neste prisma, as escolas da Psicologia analisavam o ser humano apenas pelo viés experimental, esquecendo-se de que existem inúmeros fatores extraimpulsivos que influenciam as atitudes humanas. Sendo assim, há um âmbito psicológico que atua sob ótica social – aspecto por vezes desconsiderado pelas demais correntes da área: trata-se da Psicologia Social, que vê o comportamento humano através da perspectiva sócio-histórica.

Diante do exposto, levanta-se a seguinte questão: o que de fato diferencia a Psicologia Social das demais “psicologias”? A resposta é simples e está na premissa de que não se pode analisar o ser humano sem considerar seus aspectos históricos e socioculturais, uma vez que

 

O viver em grupos permite o confronto entre as pessoas e cada um vai construindo o seu "eu" neste processo de interação, através de constatações de diferenças e semelhanças entre nós e os outros. É neste processo que desenvolvemos a individualidade, a nossa identidade social e a consciência de si mesmo (MAURER LANE, 1981, p. 16).

 

A partir desta perspectiva de que o mundo interior do ser humano é construído a partir de suas experiências adquiridas no convívio social, seja através da linguagem, dos costumes e da cultura, surgiu a necessidade de aplicar a Psicologia nas áreas de atuação antes somente verificadas pelas Ciências Humanas e Sociais, assim articulando-a com os diversos saberes oriundos destas áreas, dentre as quais está inserido o Serviço Social, cujo objeto de análise maior é a Questão Social em suas mais diversas facetas.

Acerca da interdisciplinaridade entre Psicologia e Serviço Social, Eildewein (idem) elucida que os saberes produzidos por ambas as áreas se auxiliam reciprocamente no entendimento da influência social exerce sobre o âmbito psicológico do ser humano, visto que

 

[...] é possível pensar que o conhecimento produzido por essa área do saber em torno de seu objeto pode contribuir para ampliar a leitura e a compreensão da psicologia social em torno das relações que se estabelecem entre sujeito e sociedade. E, por outro lado, busca-se também poder contribuir com a produção de conhecimento dentro do Serviço Social, uma vez que tal profissão intervém diretamente com os sujeitos sociais nas mais diversas situações do cotidiano (p. 300)

 

 

Apesar da visão interdisciplinar entre Serviço Social e Psicologia expressa mediante os argumentos supracitados, os conhecimentos teóricos e técnicos de ambas as áreas devem visar apenas um objetivo: identificar, analisar, explorar e criar mecanismos eficazes para intervir nos fatores que estão trazendo problemas ou dificuldades, crises e traumas ao indivíduo, em sua história pessoal, familiar e social.

É importante salientar que, sob a ótica apresentada, para que a intervenção do psicólogo e do assistente social possa ter validade assegurada, é necessário valer-se de alguns aspectos importantes, visto que

 

[...] toda profissão define-se a partir de um corpo de práticas que busca atender demandas sociais, norteado por elevados padrões técnicos e pela existência de normas éticas que garantam a adequada relação de cada profissional com seus pares e com a sociedade como um todo (CFESS, 2007, p. 31).

 

Nesta perspectiva, tanto a intervenção do psicólogo quanto a do assistente social devem ser norteadas por fatores racionais e metodológicos, respaldadas em parâmetros legais e comprometidas ao entendimento da dimensão subjetiva e social, a fim de propor ações concretas para melhorar determinada realidade, pois

 

A atuação interdisciplinar requer construir uma prática político-profissional que possa dialogar sobre pontos de vista diferentes, aceitar confrontos de diferentes abordagens, tomar decisões que decorram de posturas éticas e políticas pautadas nos princípios e valores estabelecidos nos Códigos de Ética Profissional (CFESS, idem, p. 39).

 

Enfim, não há como negar que, apesar de todas as interfaces comuns à Psicologia e ao Serviço Social, há uma sutil distinção entre tais áreas.  Enquanto que a Psicologia trata de estudar e elaborar soluções aos problemas humanos individualmente, o Serviço Social busca compreender o ser humano através da viabilização de seus direitos para que sua vivência seja melhor.

Embora haja diferenciação na abrangência de estudos, tanto a Psicologia como o Serviço Social possuem um único objeto de intervenção em comum: o ser humano. Portanto, é a partir de uma visão inter e transdisciplinar entre os saberes destas áreas que se poderá mediar o acesso dos cidadãos aos direitos sociais que lhes são assegurados por lei, uma vez que todo conhecimento somente pode ser concretizado a partir de sua articulação interdisciplinar em prol da sociedade na luta em defesa dos direitos humanos e respeito às diferenças.

 



REFERÊNCIAS

 

CFESS. Conselho Federal de Serviço Social. Parâmetro para Atuação de Assistentes Sociais e Psicólogos(as) na Política de Assistência Social. – Brasília: CFP/CFESS, 2007.

EIDELWEIN, Karen. Psicologia Social e Serviço Social: uma relação interdisciplinar na direção da produção de conhecimento. In: Revista Textos & Contextos. – Porto Alegre: PUCRS, 2007.

MARTIN, Robert. Para Entender a Linguística. Trad: Marcos Bagno. – São Paulo: Parábola, 2003.

MAURER LANE, Sílvia T. O que é Psicologia Social. 1ª. ed. – São Paulo: Brasiliense, 1981.

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Autor: David Yoshii


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