A interferência da mídia no processo penal



 

        

Resumo

 

Esse artigo tem como objetivo fazer uma discussão crítica sobre a interferência da mídia no processo penal. Todos nós sabemos empiricamente, do grande poder de persuasão que a mídia exerce sobre as massas, muitas vezes tem gerado sérios problemas durante o processo penal. Sempre que a mídia divulga uma informação relacionada a um crime ou delito, a mesma cria uma sensação de medo e insegurança em toda a população, gerando pânico e desejo de vingança de boa parte dela.

 

 Introdução

 

        É notório o poder de influência da mídia na sociedade brasileira. Sempre que ocorre um crime, principalmente de homicídio, a mesma sempre divulga esses acontecimentos de forma sensacionalista e espetacular, transformando a dor humana em espetáculo midiático para a grande massa. Os meios de comunicação em geral não esperam a polícia concluir o inquérito para averiguar se o imputado é culpado ou não. De acordo com Carnelutti ´´ Basta apenas ter surgindo uma suspeita; o imputado, sua família, sua casa, seu trabalho, são inquiridos, requeridos, examinados, despidos, na presença de todo mundo. ´´(CARNELUTTI, 2006, p.67.)

           O autor é bastante contundente em seu posicionamento sobre a mídia, demonstrando claramente que a mesma prejudica o imputado e também sua família. As suas garantias constitucionais, como a presunção de inocência, são simplesmente ignoradas pela mídia, que não se importa com a veracidade dos fatos narrados, tendo por seu único objetivo conseguir índices de audiência através de verdadeiros espetáculos humanos. Podemos citar como exemplo, o caso Nardoni, que foi bastante explorado e divulgado pela mídia, que em nenhum momento preservou os seus direitos e garantias individuais.

 

 Desenvolvimento

 

 

 1 - DA LIBERDADE DE IMPRENSA E DO PROCESSO PENAL MIDIÁTICO

 

         O Brasil viveu durante os anos de1964 a 1985, o período da ditadura militar, no qual a imprensa de maneira geral era extremamente censurada, isso só veio a mudar com a nova constituição que foi redigida em 1988, através da Assembléia Nacional Constituinte. Só a partir desse momento que a mesma passou a ter a liberdade de se expressar livremente. A liberdade de imprensa no Brasil é garantida pela Constituição Federal de 1988:

 

Art.220. Amanifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

§ 1º - Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.

§ 2º - É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.

           É de fundamental importância que a imprensa seja livre em um estado democrático de direito, no entanto, cabem algumas reflexões sobre essa liberdade quando realizada de forma descomedida: até que ponto ela pode interferir no processo penal? Sabemos que a mídia e a imprensa de forma geral têm uma grande influência na formação da opinião pública, principalmente numa sociedade de massa, onde boa parte das pessoas não possui um senso crítico a respeito das informações difundidas e recebidas através da mídia.

         De acordo com Vieira, ´´ a informação na atualidade não mais transmite a realidade autêntica, seus aspectos essenciais. As notícias são fragmentadas, superficiais, parciais, sensacionalistas.´´( VIEIRA, 2003, p. 44).Isso  acaba gerando o descrédito da informação, além de prejudicar sua real função da informação, que seria a de noticiar fatos de forma verídica .Infelizmente a mídia  vem perdendo  já há tempo seu objetivo de informar a sociedade com informações  minimamente verdadeiras,  seus objetivos nem sempre são mais os de interesses públicos e coletivos. Segundo Vieira á mídia de maneira geral pertencem a grandes ´´ conglomerados empresarias que visam á obtenção de lucro a qualquer custo, ainda que este seja a dignidade do ser humano.´´( VIEIRA, p.44).Portanto, seus fins não são mais os mesmos de antes, agora a mídia esta a serviço de grupos que apenas tem interesses comerciais.

        Utilizamos o conceito de processo penal para esse trabalho nos referenciando em Mirabete (2008). De acordo com esse autor processo penal´´ é o conjunto de atos cronologicamente concatenados (procedimentos), submetido a princípios e regras jurídicas destinadas a compor as lides de caráter penal ´´.(MIRABETE, 2008 p.9).Assim que ocorre um crime, surge a necessidade  do estado punir o delito, para isso se utiliza o processo penal, que deve obedecer à normas e aos princípios constitucionais.Como afirma Mirabete (2008) o artigo 9.º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, diz que ´´toda pessoa se presume inocente até que tenha sido declarado culpado ´´ .A Constituição Brasileira de 1988 traz uma série de princípios e garantias processuais penais, vejamos agora  alguns desses princípios. São garantias do devido processo legal na carta magna. - a garantia do juiz natural, com a proibição dos juízos ou tribunais de exceção, abrangendo a idéia de juiz competente, (art.5º XXXVII e LIII); - o contraditório e a ampla defesa (art. 5º. LV); - a igualdade processual, decorrente do princípio da isonomia (art. 5º. I), significando a paridade de armas ou par conditio, igual possibilidade de atuação das partes no processo civil ou penal; a publicidade e o dever de motivar as decisões judiciárias (arts. 5º. LX, e 93, IX); e a presunção de inocência do acusado (art. 5º. LVIII). A constituição de 1988 traz um leque de garantias para o acusado, sendo que, no entanto, nem sempre essas garantias são de fato preservadas no decorrer do processo.

          No Brasil não se respeitam as leis e normas constitucionais como deveriam, o indivíduo quando é preso ou simplesmente acusado por um crime, ´´ tem sua vida particular devassada, posta a descoberto, pessoas, até então respeitáveis, deixam de sê – lo porque a imprensa relata o crime e os motivos sórdidos e imorais que ela supõe terem existido. ´´(VIEIRA, 2003 p.155). De acordo com a Constituição, em seu art.5.º; inciso XLIX é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral, entretanto não é isso que têm acontecido nas prisões e delegacias de todo o País. Sempre que ocorre um comentário a respeito de um suspeito, imediatamente a mídia já o acusa de culpado de algo, que às vezes o próprio suspeito desconhece. Cabe ressaltar que nesse momento o indivíduo é apenas suspeito e não culpado.

        Como exemplo dessa prática dos meios de comunicação Batista indica o programa Linha Direta da Rede Globo, que divulgou informações falsas sobre crimes:

 

O exame do primeiro programa mostra um cruel Marcos “Capeta”,      chefe de numeroso bando, que maneja uma metralhadora ponto 50, instalada na carroceria de uma picape, contra policiais atônitos, que empunham revólveres calibre 38, numa Kombi que explode. ´´Capeta” foi morto numa casa situada em local ermo, isolada e portanto facilmente sitiável. Seu corpo tinha 22 orifícios de entrada de projéteis de arma de fogo, além de uma aparentemente desnecessária lesão contusa na região cervical. ( BATISTA , 2002, p.17)     

          Essa descrição nos mostra nitidamente o quanto a mídia cria e manipula notícias que chocam e aterrorizam a população. De acordo com o autor o programa noticiou uma reportagem cheia de mentiras e espetáculo cinematográfico. A televisão criou a imagem de uma pessoa dizendo que o mesmo se encontrava junto a um bando, com armas de grosso calibre. Na verdade, não havia nada disso, tudo não passou de uma construção midiática. Como salienta Batista, ´´ os documentos depõem em outro sentido. Das quatro armas que a polícia disse ter encontrado no local, uma não disparara (exame negativo para pólvora combusta), e a outras três (dois revólveres 38 e uma pistola 380) estavam parcialmente carregadas: mas a metralhadora ponto 50 da encenação do Linha Direta simplesmente não existia. E o numeroso bando estava reduzido a um garoto de 14 anos. ´´( Batista 2002, p.17)

         A mídia vem influenciando cada vez mais as decisões judiciais brasileiras. Como afirma Gomes em todos os ´´ casos  midiáticos ´´  tal como caso Nardoni por exemplo é praticamente impossível a inexistência de ´´ juízos paralelos ´´ desencadeados pela mídia.(GOMES,2009,p.1). Pois quando as informações chegam ao público receptor, essas já estão de forma condensada, distorcida, e às vezes eivadas de má fé. Nesse caso seus objetivos não são informar, e sim desinformar uma imensa parte da sociedade. Cabe ressaltar que a mídia não tem e nem deve ter poder de julgamento, para isso, temos os tribunais responsáveis pela elaboração e finalização dos processos penais.

          

                     

 

   2 -  CASO DE INTERFERÊNCIA MIDIÁTICA - Caso Isabela Nardoni

 

             Analisaremos de forma bem sucinta a interferência descomedida dos meios de comunicação no caso Nardoni. Esse caso ocorreu na noite de 29 de março de 2008, tornou - se  em um grande espetáculo midiático assistido pela população brasileira. Segundo a polícia Isabela Nardoni foi encontrada ferida, no dia 29 de março de 2008, após ter sido jogada de uma altura de seis andares, no jardim do edifício London, prédio residencial na Rua Santa Leocácida, Zona Norte de São Paulo. No apartamento, que pertencia a seu pai, moravam além dele a madrasta da menina e dois filhos do casal, um de onze meses e outro de três anos.  A menina chegou a ser socorrida pelos bombeiros mas não resistiu e morreu a caminho do hospital.O pai de Isabella teria afirmado em depoimento que o prédio onde mora fora assaltado e a menina teria sido jogada por um dos bandidos.   Segundo divulgado pela imprensa ele teria dito que deixou sua mulher e os dois filhos do casal no carro e subiu para colocar Isabella, que já dormia, na cama. O pai da vítima teria descido para ajudar a carregar as outras duas crianças, respectivamente de 3 anos e 11 meses, e, ao voltar ao apartamento, viu a tela cortada e a filha caída no gramado em frente ao prédio.  Entre o momento de colocar a filha na cama e a volta ao quarto teriam passado de cinco  (5)  a  dez (10) minutos, de acordo com o depoimento do pai.

             A grande mídia ficou várias semanas divulgando imagens e matérias sobre o assunto, causando uma grande comoção na população. Essa intensa massificação da mídia contribuiu para tumultuar todo o processo investigatório e também a própria sentença do casal. Percebe - se nesse caso, que a mídia quando mostra um crime de forma sensacionalista, ela cria uma sensação de insegurança e instabilidade, gerando um caos na sociedade. De acordo com GOMES:

 

o cuidado que todos juízes devem ter consiste em saber quem nem sempre a voz do povo é a mais justa..... em razão da carga emocional que carrega, em matéria de castigo, muitas vezes, nada mais injusta, desequilibrada e insensata que a voz do povo.A voz do povo serve para impressionar o legislador ..... gerar mais reformas legislativas ,... serve para reforçar o imaginário popular de que ele tem voz e vez ......, mas nem sempre é boa conselheira... para tomada de decisões razoáveis no âmbito da política criminal( nem tampouco para a solução judicial de um conflito).´´( GOMES 2009 p.01).

        O autor é bastante categórico ao comentar sobre a influência da mídia no processo de julgamento do réu, afirmando que é muito difícil termos um julgamento objetivo e independente,´´ sobretudo nas sociedades  democráticas atuais, que são sociedades de opinião pública ´´(GOMES,2009,P.01). De fato vivemos numa sociedade onde o que determina se o acusado é culpado ou inocente é a opinião pública, que é geralmente formada ideologicamente pela mídia. O caso Nardoni foi extremamente explorado, prejudicando seu julgamento. O caso Isabela Nardoni, foi mais um caso assistido em rede nacional, com muitas dramatizações e simulações sob a forma que a menina Isabela foi morta, essas não passaram de uma criação teatral e fictícia de um crime que ninguém viu, no entanto, essas imagens criadas para o público expectador, se tornaram verdades, prejudicando dessa forma também o corpo de jurados que julgaram os Nardoni. ´´ As publicações que dizem respeito aos atos judiciais penais não podem ser desvirtuadas dos fatos, distorcidas da realidade, nem tampouco consistentes em acusações levianas e irresponsáveis. ´´(VIEIRA, 2003, p.131).

 

 

RESULTADOS

 

         Constatamos que de fato, a mídia pode interferir no decorrer do processo penal. A imprensa segue de maneira indiscreta todo o processo investigatório, divulgando informações que na maioria das vezes prejudica o andamento processual, além de lesar a honra, a imagem, e a intimidade dos indivíduos que estão sendo investigados. Ressalte - se que ´´ a investigação preliminar poderá não dar lugar a um processo penal, ou poderá finalizar com a absolvição ´´ (JR, Aury 2006,p.127), no entanto a mídia condena e estigmatiza o individuo que está passando por um processo de investigação, tal como aqui é analisado.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

       

         Esse trabalho trata de uma temática bastante complexa. Inicialmente tecemos considerações sobre a liberdade de imprensa, que é um fator essencial em um estado democrático de direito, depois abordamos o processo penal e a influência midiática em seu decorrer. Analisamos a questão de informações relacionadas a processo de investigação, onde existe apenas uma suspeita do fato ou autoria, no entanto, a mídia divulga essas informações como sendo verdades absolutas, e acaba distorcendo a realidade das investigações policiais. Pode ocorrer de, às vezes, a investigação não gerar um processo penal, mas o individuo, este já está condenado pela opinião pública, ou melhor, opinião publicada pela mídia. Analisamos também um caso prático, Isabela Nardoni, caso esse que ainda gera muita polêmica e dúvidas sobre os culpados pela morte da menina.

 

 

FONTES CONSULTADAS

 

 

 [ 1 ] CARNELUTTI, Francesco. As misérias do Processo Penal, Carnelutti; tradução da versão espanhola do original italiano por Carlos Eduardo Trevelin – São Paulo: Editora Pillares, 2006. Pg.67.

 

  [ 2 ] VIEIRA, Ana Lúcia Menezes, processo penal e mídia,  São Paulo:Editora revista dos tribunais, edição 1ª.2003,pg. 44,131 e 155.

 

  [ 3 ] MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal, 18ª. Ed. São Paulo: Atlas, São Paulo , 2008.pg.09

 

   [4]  BATISTA, Nilo disponível no endereço http://www.bocc.uff.br/pag/batista-nilo-midia-sistema-penal.pdf, pg.17.

[ 5 ] GOMES, Luis Flávio. Mídia e caso nardoni: Haverá julgamento objetivo e independente? Disponível em htt://WWW.lfg.com.br. 10 de maio de 2009. Pg.01.     

[ 6 ] JR,Aury Lopes, Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal, 4 ª. Edição, revista, ampliada e atualizada, Editora, Lúmen júris, Rio de Janeiro, 2006, pg.127.

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Autor: Josenildo Santos Rodrigues


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