Nenhuma verdade



Nenhuma verdade

 

O período pré-eleitoral nos permite algumas reflexões. Afinal, até o final do ano saberemos quem serão os novos vereadores e prefeito.

Quando afirmamos que nenhuma verdade existe é porque pretendemos afirmar que tudo é mentira ou, no mínimo, falseado.

Embora seja uma afirmação universal, e, portanto, se levada a sério, expressaria uma contradição, pois se é verdade que não existe verdade, então pelo menos essa verdade existe: a verdade de que não existe verdade. Entretanto quando observamos as pessoas e suas atitudes; as sociedades e seus comportamentos, veremos que a afirmação de que não existe verdade expressa uma verdade!

E se observarmos os comportamentos sociais, políticos, a situação econômica, as relações interpessoais... constataremos que todas essas relações se baseiam não em verdades mas em mentiras, em convenções, em aparências. Os comportamentos se desenvolvem ao redor das máscaras. Vive-se de fachada. O mundo passou a ser um grande palco em que cada um de nós representa alguns personagens

Não é a toa que nosso mundo se caracteriza como um emaranhado de crises que se sucedem; a nossa é uma sociedade na qual as pessoas não mais confiam umas nas outras. A desconfiança está cada vez mais presente nas relações ocupando os espaços por meio de contratos, firma reconhecida, selo oficial de autenticidade. Todos os elementos que nossa sociedade produziu para atestar e comprovar a autenticidade nada mais são do que uma declaração da impossibilidade da confiança. A necessidade de comprovação de autenticidade evidência o ambiente de desconfiança; e se existe desconfiança é porque existem situações que as provocaram. Se não posso confiar, ao ponto de necessitar de um contrato e de uma autenticação desse contrato, é porque não poso confiar nem na pessoa com quem estabeleci o contrato como também não posso confiar num dos instrumentos criados para atestar a veracidade. Que é isso se não uma relação baseada na mentira?

Por que tenho que fazer um contrato? Porque não confio na palavra! Por que tenho que registrar o contrato? Porque o documento pode ser adulterado! Por que precisamos de testemunhas? Por que... O fato é que quanto menos confiamos nos outros maiores serão as solicitações de garantias. E, em muitos casos, a desconfiança em relação aos outros reflete nossa própria condição de pessoas não confiáveis.

Quando afirmamos que nenhuma verdade existe não estamos querendo trazer a discussão para as searas da filosofia, embora esta seja uma discussão filosófica. Negar a existência de verdade não nos coloca dentro da essência da mentira, mas no drama existencial provocado pela ausência da verdade. Ocorre que, se as relações se baseiam na mentira, a vida humana e a própria sociedade se tornam não mais algo agradável e espaço de realizações, mas um esconderijo, um antro de falsidade. Em vez de felicidade passamos a construir sofrimento, pois o que nos move são as desconfianças. E onde há desconfiança não há paz.

Afirmar a ausência da verdade é afirmar a crise em que se encontra o ser humano. É afirmar o “o sem sentido” da vida. A vida sem sentido é um dos temas da produção artística nestes últimos anos. A arte vem retratando o cotidiano. Um exemplo disso pode ser “Deja vu”, música da Pitty.

“Nenhuma verdade me machuca/ Nenhum motivo me corrói/ Até se eu ficar só, na vontade já não dói/ Nenhuma doutrina me convence/ Nenhuma resposta me satisfaz/ Nem mesmo o tédio me surpreende mais/

Mas eu sinto que eu tô viva a cada banho de chuva que chega molhando meu corpo nu...

Nenhum sofrimento me comove/ Nenhum programa me distrai/ Eu ouvi promessas e isso não me atrai/ E não há razão que me governe/ Nenhuma lei prá me guiar/ Eu tô exatamente aonde eu queria estar

A minha alma nem me lembro mais/ em que esquina se perdeu/ ou em que mundo se enfiou/ Mas já faz algum tempo /

A minha alma nem me lembro mais/ Em que esquina se perdeu/ ou em que mundo se enfiou/ Mas eu não tenho pressa”

São significativos alguns versos dessa música: a vida vazia se expressa em afirmações como: “Nem mesmo o tédio me surpreende mais”. Por que isso ocorre? Porque “Eu tô exatamente aonde eu queria estar”, talvez incapaz de alimentar sonhos; tornamo-nos completamente insensíveis ao ponto de que “Nenhum sofrimento me comove”.

“Nenhuma verdade me machuca”, pois o que realmente vem nos machucando é a ausência das verdades.

O que isso tudo tem a ver conosco? Ocorre que essa situação se aplica à nossa sociedade, principalmente nestes tempos em que se discutem as eleições municipais.

Observe o que dizem os candidatos! Analise suas propostas!

Verdade? Nenhuma!!!

Neri de Paula Carneiro

Filósofo, teólogo, historiador. Mestre em Educação

Rolim de Moura - RO


Autor: Neri P. Carneiro


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