Humano: o ser da saudade e do conflito



Humano: O ser da saudade e do conflito

 

             “Saudade é sentir que existe o que não existe mais”                                                              Pablo Neruda

 

            “Sinto saudades de tudo que marcou a minha vida.

            Quando vejo retratos, quando sinto cheiros,

            Quando escuto uma voz, quando me lembro do passado,

           Eu sinto saudades” ...                                                                   Clarice Lispector

 

             Por ser o humano um ser histórico-social, falar de saudade é falar do passado.

             Quando se faz uma re-visita ao momento histórico, ao passado, tenta-se, através de uma viagem pelas veredas da emoção, relembrar eventos que aconteceram na infância, juventude ou mesmo na idade adulta. Quando esses momentos foram momentos felizes, eles trazem uma sensação muitas vezes inexplicável. A essas sensações de lembranças recheadas de emoções que emanam das profundezas de nossa memoria em maior ou menor intensidade, nomeamos de saudade.

              Saudade: palavra paradoxal. Palavra que encanta e desencanta. Para alguns, é poética, para outros é um vocábulo triste e há quem diga, também, que é um sentimento qualquer. Ela faz parte do repertório dos poetas e dos compositores. Quantas vezes em nossas vidas não nos servimos dessas poesias e das canções que nos trazem tantas lembranças? Há pessoas que dizem sentir saudades mesmo estando perto. Pode-se observar que para alguns, o momento feliz, por si, já traz saudade. Porém, o momento infeliz também carrega esse sentimento inexplicável, mas de mágoa, tristeza, decepção, frustração e por vezes vingança.

             Para os momentos que trouxeram felicidade, conforto, alegria, procura-se revivê-lo da forma o mais intensa possível, tentando, inclusive, com certa nostalgia, reconstituí-lo. Já para os momentos que trouxeram infelicidade, desconforto, angústia, choro, dor; procura-se, por vezes, também revivê-lo. Existe aqui a ausência de prazer, mas, a cada vez que se pensa no fato, segundo alguns relatos, mais raiva, mais ódio, vem á mente.

             Assim, nota-se que muitas são as pessoas que, de forma inexplicável, valorizam mais os fatos negativos do que os positivos e, em consequência disso, criam cárceres e tornam-se seus próprios carrascos. Muitas pessoas preenchem suas mentes alugando grandes espaços com lembranças horríveis e destrutivas. Com isso, a cada vez que se relembra o fato, o ódio criado é tão grande que chega a revolver o estômago. Tem-se crises de dor de cabeça. Não se alimentam e nem dormem. Vivem vinte e quatro horas com o inimigo. E o pensamento insistente que atormenta essa pessoa transforma-se em desejo de vingança. Que conflito! Toma-se e embriaga-se de veneno mortífero na esperança de que o outro morra.

             Quando se fala em saudade e conflito, refere-se tanto a perdas quanto a ganhos, e isso envolve todas as áreas. Na área emocional, percebe-se que a saudade decorrente de uma grande perda pode gerar traumas. Por grandes perdas, podemos nos referir a pais que ficam desesperados quando perdem filhos: em acidentes, seqüestrados ou violentados e mortos por gangues. Pais que perdem seus filhos quando esses entram no submundo das drogas, da prostituição e do crime, onde o ser humano passa a viver na mediocridade, pois perde sua identidade e torna-se refém nesse abismo de trevas e horror.

             Perdi. E agora? Pode e deve-se pensar em uma profunda mudança de hábitos.

             Uma das coisas mais difíceis em nossas vidas é pensar que pode existir uma nova trajetória. Por repetidas vezes não abrimos mãos de fatos que nos fizeram sofrer. Poder-se-ia perguntar: será que é por medo?  Mas, se tal fato está fazendo mal, então, por que segura-lo? Porque não abrir mão da angustia? Acredita-se que com essa perda, perdas maiores poderão existir, pois, “quem terá compaixão de mim?”.

             Relacionamentos que por um motivo ou outro venham a ter fim fazem com que muitas pessoas tenham grande dificuldade em estabelecer novos vínculos, por medo de se sentirem incapacitadas e culpadas, de sofrerem grandes desilusões, ou medo do pensamento de abandono. Por vezes, acontece de um dos parceiros perder o encanto, não gostar mais, perder o amor. Então, o outro transforma-se em uma praga, um estorvo, pois não é capaz de abrir mão daquele romance e opta por insistir com ligações, e-mails, mensagem de celular, chegando, assim, a não mais respeitar o outro, pois age em função de interferir e impor sua vontade em função da decisão do outro. Mesmo quando escuta frase do tipo: “Porque você não me esquece!”, ainda assim, vai ao encalço e justifica que sua atitude acontece pelo fato de gostar muito, de amar, se é que existiu mesmo o tal amor, ou se o sentimento em questão foi apenas uma admiração.

             Existe uma confusão entre amar e admirar, ou seja, a admiração por uma pessoa não só nos deixa fascinados como também nos leva a fazer coisas inacreditáveis para alcançar aquilo que desejamos. No mundo concreto, fica-se “namorando” aquele carro, aquela moto, uma bolsa, ou qualquer outro objeto e esse objeto torna-se sonho de consumo, foco de fascínio e desejo, sinônimo de perfeição. Esse evento acontece, muitas vezes, também no mundo abstrato. Há relacionamentos em que a admiração chega a deixar o admirador ou admiradora boquiaberto (a), sem fala, com as mãos suando, ruborizado (a), tremendo. Quando alcança o que deseja, o admirador sente-se como se tivesse obtido o grande troféu.

             Não raro muitos homens e mulheres desfilam com a (o) conseguida (o) assim como desfilariam com o carro, com a moto ou com a bolsa maravilhosa que sonhara tanto e no intimo bradam: – “Eu sou o dono (a)”; “Isso me pertence, é minha propriedade”. Pensamento errôneo esse. Pois tudo o que se possui carece ser conhecido e conquistado a cada dia. Então, passado algum tempo, acredita-se que esta “amando”. Neste momento, frases do tipo: “Como vou viver sem você?”; “Eu te amo tanto...”; “Sinto sua falta”; dentre outras entremeadas por lágrimas, serão ditas. Mas a admiração acaba e aquele relacionamento de tanta proximidade torna-se aversão.

             Chega-se a ponto de pessoas que um dia foram “íntimas” evitem passar pelo mesmo passeio ou cruzar o caminho do outro, correndo o risco de atravessar a rua, em  meio a trânsito, dentre outras coisas, para evitar o desprazer de passar pelo outro, gerando um gasto de energia desnecessário, pois, segundo Cesare “É estupidez entristecermo-nos pela perda de uma companhia: podíamos nunca ter conhecido essa pessoa, portanto, podemos dispensá-la”.

              Já o amor, é apoio e doação, não agressão e exigência, é protetor, não esmagador. O apóstolo Paulo quando escreve a primeira carta aos Coríntios, no capítulo 13, diz sobe esse sentimento: “Ainda que eu falasse a línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine. E ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda fé, d maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse amor, nada seria. E ainda que distribuísse toda a minha fortuna para sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, e não tivesse amor, nada disso me aproveitaria. O amor é sofredor, é benigno; o amor não é invejoso; o amor não trata com leviandade, não se ensoberbece. Não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal; não folga com a injustiça, mas folga com a verdade; tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O amor nunca falha; mas havendo profecias, serão aniquiladas; havendo línguas, cessarão; havendo ciência, desaparecerá; porque, em parte, conhecemos, e em parte profetizamos; mas, quando vier o que é perfeito, então o que o é em parte será aniquilado. quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, discorria como menino, mas, logo que cheguei a ser homem, acabei com as coisas de menino. Porque agora vemos por espelho em enigma, mas então veremos face a face; agora conheço em parte, mas então conhecerei como também sou conhecido. Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três, mas o maior destes é o amor”.

             Só e somente Deus é quem ama desta forma, pois, não exige absolutamente nada em troca. Diferentemente de todos nós que, de forma geral, temos por vezes um “amor” interesseiro, de trocas, de posse, sufocante, conflitante e sempre com desconfiança.

              Resta, então, um questionamento: Será que quando temos um sentimento por determinada pessoa estamos amando ou só admirando?

               Amar é uma arte, e aprender essa arte, faz-se necessário cultivar a contemplação do belo e a capacidade de perdoar e, perdoar é algo tão difícil quanto amar.

               E a saudade? Ah!

              “Ela é a prova inequívoca

               de que somos sensíveis!

               De que amamos muito

               o que tivemos

              e lamentamos as coisas boas

              que perdemos ao longo da nossa existência”...                        Clarice Lispector                                                                          

 

 

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Autor: Jorge Afonso


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