Resenha de "O discurso filosófico da modernidade - Habermas"
Resenha
O Discurso Filosófico da Modernidade
Jurgen Habermas
São Paulo
Ed. Martins Fontes
2002
J. Habermas é discípulo de Escola de Franckfurt, fundada na Alemanha, notadamente, discípulo de T. Adorno. A Escola de Frankfurt é considerada o berço dos estudos de teoria crítica. Fundada em 1924 por iniciativa de Félix Weil, chamada originariamente de “Instituto para a Pesquisa Social”, surgiu para suprir as lacunas das universidades alemãs que eram indiferentes aos estudos dos movimentos trabalhistas de inspiração socialista. Habermas foi um crítico de determinada concepção da modernidade como filósofo ou como sociólogo.
A modernidade é compreendida pelo período que se estende entre meados do século XV e o momento no qual nos encontramos. Diferentemente das classificações histórico-antropológicas, que dividem a existência humana na face da terra em períodos (Pré-história, Idade Antiga, Média, Moderna, Contemporânea) a partir de mudanças naturais (geológicas ou biológicas), sociais ou fatos políticos relevantes, a modernidade recebe essa denominação para configurar e denotar uma modificação no modo de compreensão do mundo que se observa a partir de meados do século XV e que se desenvolve até hoje. E quais são as principais peculiaridades desse modo de compreensão do mundo que é a modernidade, pode-se dizer, é que o modo de compreensão moderna do mundo que traz em si a valorização do elemento da subjetividade e da razão como instância por excelência de definição dos parâmetros sociais, políticos, culturais e cognitivos.
Pela leitura das páginas 03 a 33, do livro supra indicado, entende-se modernidade como um momento do pensamento humano, um estatuto de um mundo em constante movimento. [1]
Levando-se em conta essa caracterização da modernidade cultural, vamos encontrar em Kant sua expressão filosófica inaugural, uma vez que as três Críticas kantianas analisam as condições de possibilidade dos três campos de legislação: teórico, prático e estético. Para Habermas, em lugar de um abandono resignado e rancoroso ou de uma aventura emancipatória estética ou heróica, seria mais vantajoso acompanhar a história recorrente de uma crítica imanente ao próprio projeto da razão desde a sua origem.
Com a análise dos fundamentos do conhecimento a Crítica da Razão Pura assume a tarefa de uma crítica ao mau uso que fazemos da nossa faculdade de conhecer talhada à medida dos fenômenos. Kant substitui o conceito substancial da razão da tradição metafísica pelo conceito de uma razão cindida nos seus momentos e cuja unidade não é mais do que formal. Ele separa a faculdade da razão prática e a faculdade de julgar do conhecimento teórico e assenta cada uma delas nos seus fundamentos próprios. Ao fundar a possibilidade de conhecimento objetivo, de discernimento moral e de valorização estética, a razão crítica não apenas assegura as suas próprias faculdades subjetivas nem apenas torna transparente a arquitetônica da razão, mas desempenha também o papel de um juiz supremo mesmo perante a cultura no seu todo. [2]
O projeto crítico kantiano pode ser pensado como inaugurador da modernidade filosófica, segundo Habermas. O filósofo encaminha sua proposta de resgate do potencial normativo da modernidade à sua crítica aos que a abandonaram como projeto emancipatório e reduziram seu potencial normativo às formas da razão teórica. Habermas, afirma que “a modernidade não pode e não quer tomar dos modelos de outra época os seus critérios de orientação, ela tem de extrair de si mesma a sua normatividade” [3]. É necessário, porém, dialogar com I. Kant.
Para Kant a filosofia transcendental tem a tarefa de buscar as condições de possibilidade do conhecimento, unindo a sensibilidade e o entendimento. Através da assim chamada Revolução Copernicana efetuada por Kant, os objetos devem se regular pelo conhecimento e nas categorias os objetos são produtos. A resposta de Habermas à Kant segue na linha do que a experiência não pode ser equiparada a consciência transcendental a priori, mas o sujeito deve interagir com o mundo. Para Habermas a objetividade não é condição suficiente para a verdade. Ele afirma:
Kant expresa el mundo moderno en un edificio de ideas. Pero esto sólo significa que en la filosofía kantiana se reflejan como en un espejo los rasgos esenciales de la época sin que Kant alcanzara a entender la modernidad como tal. Sólo mirando retrospectivamente puede Hegel entender la filosofía de Kant como la autoexplicitación decisiva de la modernidad; Hegel cree conocer lo que incluso en esta expresión más reflexiva de la época sigue sin entenderse: en las diferenciaciones que se producen dentro de la razón, en las trabazones formales dentro de la cultura, y en general en la separación de esas esferas, Kant no ve desgarrón alguno, Kant ignora, por tanto, la necesidad que se plantea con las separaciones impuestas por el principio de la subjetividad.[4] (página 31)
Com a análise dos fundamentos do conhecimento a Crítica da Razão Pura assume a tarefa de uma crítica ao mau uso que fazemos das faculdades de conhecer os fenômenos. Kant substitui o conceito substancial da razão da tradição metafísica pelo conceito de uma razão cindida nos seus momentos e cuja unidade não é mais do que formal. Ele separa a faculdade da razão prática e a faculdade de julgar do conhecimento teórico e assenta cada uma delas nos seus fundamentos próprios. Ao fundar a possibilidade de conhecimento objetivo, de discernimento moral e de valorização estética, a razão crítica não apenas assegura as suas próprias faculdades subjetivas nem apenas torna transparente a arquitetônica da razão, mas desempenha também o papel de um juiz supremo mesmo perante a cultura no seu todo. [5]
Por conseguinte, importa ressaltar que pela separação entre as faculdades do juízo estético, da razão prática e do conhecimento teórico, estas uma por uma foram assentadas em fundamentos próprios, permitindo do ponto de vista filosófico apontar na reflexão kantiana a gênese da auto-compreensão da modernidade. Habermas, deixando entender que no conceito kantiano de razão formal e em si diferenciada encontra-se o delineamento da teoria da modernidade, faz notar que a mesma se deixa caracterizar por dois aspectos igualmente relevantes: por um lado, a salutar renúncia da racionalidade substancial da tradição religioso- metafísica em favor de uma razão formal.
A filosofia kantiana buscou refletir a respeito das condições de possibilidade da experiência – mediante o arcabouço teórico transcendental – visando a demonstração das condições a priori das operações do entendimento, as quais se baseiam segundo regras já previamente determinadas. O esforço kantiano em estabelecer uma reflexão baseada na fundamentação transcendental facultou-lhe abrir, segundo Habermas, dois enfoques para a filosofia moderna. Num primeiro momento permitiu a criação da teoria do conhecimento que atribuiu à filosofia uma reserva de conhecimento a priori e, conseqüentemente, elevou o seu domínio de atuação acima das ciências.
O panorama da filosofia após Kant se manifesta numa relação entre teoria do conhecimento, o qual confere à filosofia o papel de indicador de lugar às ciências, e um sistema de conceitos, que colocados acima da cultura, fornece à filosofia o papel de juiz supremo perante a cultura na sua totalidade. Para Kant, a vitória da autonomia da razão em face da tradição metafísica concede à filosofia uma racionalidade exigente que se constituirá em tribunal, no qual todas as coisas devem passar pelo crivo da crítica. Segundo afirmação do próprio Kant, na Crítica da Razão Pura, essa idéia se deixa espelhar na seguinte passagem:
A nossa época é a época da crítica, à qual tudo tem que submeter-se. A religião, pela sua santidade e a legislação, pela sua majestade, querem igualmente subtrair-se a ela. Mas então suscitam contra elas justificadas suspeitas e não podem aspirar ao sincero respeito, que a razão só concede a quem pode sustentar o seu livre e público exame. [6]
A preocupação de Habermas, nesse aspecto, é saber se a teoria da modernidade assim delineada pela filosofia kantiana. No que se deixa entender, Habermas quer manter de Kant o delineamento da teoria da modernidade pautada numa razão complexa. Ao que parece, Habermas quer assegurar a modéstia à filosofia sem abrir mão de seu estatuto como guardiã da racionalidade. Podemos verificar ainda, nessa rápida retomada por Habermas das filosofias de Kant e Hegel como teorias da modernidade, a colocação do problema da auto-certificação da modernidade. Neste contexto é preciso lembrar que o tema da auto-certificação não é localizado simplesmente no idealismo alemão, mas determina igualmente o pensamento de Habermas.
Extrair critérios internos às formas modernas, sem, no entanto, recorrer às formas históricas particulares é uma exigência que toca nos fundamentos normativos da teoria crítica. A modernidade constituiu-se, enquanto tal, como expressão da liberdade da subjetividade, que passou a determinar de modo amplo, as configurações da cultura que emergiram da dissociação do passado. A também moral ganhou autonomia mediante leis universais permitindo aos sujeitos, o reconhecimento de suas liberdades subjetivas.
A mudança que Habermas promove nesse contexto acima mencionado em relação aos modelos transcendental e absolutista de filosofia, parece refletir (inclusive de acordo com a introdução da obra) a influência weberiana na sua teoria da modernidade. No quadro da teoria de Weber – no qual o conceito de racionalidade aparece desligado de propósitos realizados sob a égide da metafísica – Habermas reconhece a configuração da modernidade, sem pretensões de conceder à filosofia novos patamares de fundamentação ou explicar esse quadro atual como conseqüência ou interferência da filosofia.[7] Habermas procura demonstrar que este processo tornou possível, a cristalização de três dimensões da razão sem que para isto ocorresse a intervenção da filosofia.
Segundo Habermas, a autorização concedida à filosofia para abandonar o papel O objetivo no entrelaçamento entre filosofia e ciência é abrir caminho para as mais variadas cooperações, entre as quais destacamos a relação entre as éticas cognitivistas e a psicologia do desenvolvimento da consciência moral. A preocupação de Habermas está em pensar como as éticas filosóficas podem-se conciliar com a teoria empírica do desenvolvimento moral, na filosofia, na arte.
[1] HABERMAS, J. O discurso filosófico da modernidade. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
[2] HABERMAS, J. O discurso filosófico da modernidade. São Paulo: Martins Fontes, 2002. P.29.
[3] HABERMAS, J. O discurso filosófico da modernidade. São Paulo: Martins Fontes, 2002. P.12
[4] HABERMAS, J. El Discurso Filosófico de La Modernidad. Taurus Humanidades. Versión castellana de Manuel Jimenez Redondo, Madrid. 1989. P. 31
[5] KANT, I. Crítica da Razão Pura. Trad Valerio Rohden e Udo Baldur Moosburger. Nova Cultural. SP. 1999.
[6] KANT, I. Crítica da Razão Pura. Prefácio A VII a XII. Trad A. F. Morujão e M. P Santos. F.c. Gulbekian. Segunda edição. Lisboa. 1989. Pp. 3-6
[7] HABERMAS, J. El Discurso Filosófico de La Modernidad. Taurus Humanidades. Versión castellana de Manuel Jimenez Redondo, Madrid. 1989. P. 11