Luís vaz de camões traços melancólicos de uma época



 

 

 

Luís Vaz de Camões

Traços Melancólicos de uma Época

 

 

Por Ariana Lourenço da Silva

 

Na segunda metade do século XVI e nas duas primeiras décadas do século XVII, o “Maneirismo”: que se apresenta como a primeira manifestação da decadência do Classicismo Renascentista, refletindo a quebra do equilíbrio e da simplicidade propostos pelos renascentistas, (o homem não se considera mais tão auto-suficiente e tão crente em sua potencialidade e importância) manifesta-se na Literatura Portuguesa influenciando diversos artistas da época.

Desta plêiade de artistas influenciados por este movimento de pensamento, encontra-se o maior poeta português, Luís Vaz de Camões, que embora, seja essencialmente um autor do Classicismo, podemos notar em algumas de suas obras certos traços maneiristas. Logo, é debruçando o meu olhar sobre a lírica camoniana, mais especificamente na no poema “Muda-se os tempos, mudam-se as vontades” e na cantiga popular “Na fonte está Leonor” que fundamento este ensaio com um dos temas preferenciais do maneirismo: A Melancolia.

Considerando a melancolia como uma doença, Sigmund Freud, o pai da psicanálise, a define como um árduo estado de desânimo, de desinteresse pelas coisas do mundo, incapacidade de amar, contenção na realização de qualquer tarefa, baixa gradual da auto-estima, até alcançar um patamar de desejo de uma punição.[1]

Ah quanta melancolia!
Quanta, quanta solidão!
Aquela alma, que vazia,
Que sinto inútil e fria
Dentro do meu coração!
Que angústia desesperada!
Que mágoa que sabe a fim!
Se a nau foi abandonada,
E o cego caiu na estrada –
Deixai-os, que é tudo assim.
Sem sossego, sem sossego,
Nenhum momento de meu
Onde for que a alma emprego
Na estrada morreu o cego
A nau desapareceu.[2]

(Fernando Pessoa)

A partir de estudos realizados, observa-se que no maneirismo, assim como em outros movimentos literários, não nos falta componentes melancólicos, isso porque o estado melancólico se prolonga no tempo e no espaço, tendo em seu caráter a indefinição de sua evolução, ou seja, o estado melancólico muda constantemente manifestando-se sob diversas formas. Se para “definir” melancolia as palavras chave são: transitoriedade temporal, espaço e mudança. Citemos Camões, autor influenciado pela melancolia do maneirismo:

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,

muda-se o ser, muda-se a confiança;

Todo o mundo é composto de mudança

Corroborando essa idéia de mudança; transitoriedade temporal, e sendo a melancolia um estado de espírito sem causas precisas que afeta todo tipo de pessoa, independente de idade, sexo, raça ou credo, Eduardo Lourenço (1999)em seu Livro Mitologiada Saudade diz que:

Há que lembrar, porém, que a melancolia – porque não é uma modalidade, entre outras, da sensibilidade e do sentimento, mas uma manifestação estrutural do ser humano, afetado pela sua relação com o tempo – não pode ser confundida com expressões contingentes da nossa existência como a tristeza ou a nostalgia. A tristeza e a nostalgia têm causas, origens e motivações identificáveis na ordem da experiência empírica dos homens. Não é esse o caso da melancolia.  (LOURENÇO, p.100).

Ao escolher a lírica camoniana para falar sobre a melancolia, observou-se que além da influência maneirista, Camões sofre influência de sua Pátria já que a melancolia é um dos componentes principais da cultura portuguesa.

Nas nossas ruas, ao anoitecer
Há tal soturnidade, há tal melancolia,
Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia.

Despertam-me um desejo absurdo de sofrer.

(VERDE, p.116)

 A importância do significado da palavra “melancolia” para o povo português encontra-se na expressão utilizada por Almeida Garrett em ‘desejo melancólico’ “A melancolia se expressa também naquele mais luso dos sentimentos, a saudade”. (SCLIAR ,p.148)

Sendo o saudosismo um dos traços melancólicos do povo português, podemos verificar esse saudosismo no poema e na cantiga de Camões: “Diferentes em tudo da esperança; do mal ficam as mágoas na lembrança, e do bem se algum houve, as saudades.” (Poema - Muda-se os tempos, mudam-se as vontades) “Depois  que de seu amor soube novas, perguntando de improviso a vi chorando.” (Camões - Na fonte está Leonor). Como aponta Silvio Lima, a saudade é:

“retrotensa”, intensa e “protensa”. Retrotensa porque nos envia ao passado. Itensa, no sentido de “esticada”, “retesada”, é intensa, ainda, por ter uma intenção. E é protensa porque projeta a pessoa para um futuro, mas um futuro que contém o passado melancólico.

(LIMA, p. 232-233)

A melancolia da lírica camoniana analisada, além do saudosismo está associada também à paixão, esse sentimento arrebatador que nos transporta para fora da realidade.

Posto o pensamento nele,

porque a tudo Amor a obriga,

cantava; mas a cantiga,

eram suspiros por ele.

Nisto estava Leonor

o seu desejo enganado,

às amigas perguntando:

- vistes lá meu amor?

(Camões – Na fonte está Leonor)

É interessante observar que o eu - lírico da Cantiga, além de ter em si todo um universo melancólico, a postura física de Leonor é descrita por Camões, como a postura física típica de uma pessoa melancólica;

 O rosto sobre tua mão;

os olhos no chão pregados

que, de chorar já cansados,

algum descanso lhe dão...

Desta sorte Leonor

suspende de quando em quando

sua dor; e em si tornando

mais pesada sente a dor.

(Camões – Na Fonte Está Leonor)

Segundo Moacyr Scliar (2003) “A melancolia às vezes é uma doença, às vezes não é.” Sendo a melancolia uma doença ou um “estado de espírito” metaforicamente falando, Camões, pela sua história pessoal e sob influencia do maneirismo revela-nos, tanto na cantiga, quanto no poema, uma lírica resplandecente de melancolia. O verso “E em mim converte em choro o doce canto.”, arremata o pensamento epocal da melancolia camoniana.

 

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Bibliografia

 

LIMA, Silvio. “Reflexões sobre a consciência saudosa”. In: BOTELHO, Afonso & TEXEIRA, Antônio Braz. Filosofia da saudade. Lisboa, Imprensa Nacional, 1986.

LOURENÇO, Eduardo. Portugal como destino / Mitologia da saudade. Lisboa,Gradativa, 1999.

SCLIAR, Moacyr. Saturno nos trópicos: a melancolia chega ao Brasil. São Paulo: Companhia de Letras, 2003.

VERDE, Cesário. Todos os poemas. Organização, introdução e bibliografia de Jorge Fernandes da Silveira. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1995.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


[1] www.infoescola.com/psicologia/melancolia

[2] www.luso-poemas.net

 

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Autor: Ariana Lourenço Da Silva


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