O índio na historiografia brasileira



O ÍNDIO NA HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA

                                                                                        Prof. Me. Ciro José Toaldo

 

A historiografia brasileira, ao longo das últimas duas décadas, tem buscado incorporar grupos sociais antes ignorados pela bibliografia. Ao mesmo tempo, abordagens antropológicas têm penetrado em diversas áreas de investigação histórica, abrangendo estudos sobre a inquisição, a escravidão, as relações de gênero, as mentalidade, entre  outros assuntos. Diante do que se apresenta, é de se estranhar a pouca atenção dispensada aos povos indígenas pelos historiadores. Entretanto, entre os antropólogos, tem surgido um interesse pela história indígena, tentando preencher as lacunas e omissões legadas pelos historiadores e antropólogos de gerações anteriores, através de pesquisa e discussões críticas das formas pelas quais o passado indígena tem sido abordado desde os tempos coloniais.

Segundo, John Manuel Monteiro, autores tão diversos como Alexandre Rodrigues Ferreira, Capistrano de Abreu, Florestan Fernandes e entre outros, buscaram ao seu modo, diante dos desafios políticos e limites teóricos de suas respectivas épocas, atribuir um significado à história das populações indígenas.  Porém, o traço comum entre esses pensadores é o pessimismo que encaram o futuro dos povos nativos.

Manuela Carneiro da Cunha, na introdução do livro História dos índios no Brasil, coloca a necessidade de perceber as sociedade indígenas como  parte do futuro e não só do passado, sendo assim, o  estudo das sociedade indígenas,  deve ser otimista, onde  as relações estabelecidas com estes povos,  devem ser mais justas,  não como foram durante quase cinco séculos, onde os índios foram  pensados como seres efêmeros, em transição: transição para a cristandade, a civilização, a assimilação, o desaparecimento. Ou seja, a História do Brasil, foi uma sucessão de atos injustos cometidos contra os indígenas.

 A maior das armadilhas acerca da história indígena é a ilusão de primitivismo, da segunda metade do século XIX, época do triunfo do evolucionismo, prosperou a idéia de que certas sociedades teriam ficado a estaca zero da evolução, e que eram portanto algo como fósseis vivos que testemunhavam o passado das sociedades ocidentais e como pararam no tempo, não cabia procurar-lhes sua  história. (Carneiro Cunha, 1998:11).

As conseqüências desse suporte teórico são levadas pela política indigenista pelo país a dentro que redundava no deslocamento de populações, na imposição de sistemas de trabalho que desagregavam as comunidades, na assimilação forçada, na descaracterização étnica e, em episódios de triste memória, até na violência premeditada e no extermínio físico. Mesmo nas fases mais esclarecidas da “proteção” oficial, os órgãos indigenistas trabalhavam no sentido de amenizar o impacto do processo “civilizatório”, considerando um fato inevitável que, dia mais, dia a menos levaria à completa integração dos índios à nação brasileira.

Nos últimos anos, entretanto, o pressuposto de que os índios simplesmente deixarão de existir começou a ser revertido, pairando um otimismo no horizonte do futuro dos índios. A principal voz discordante, em enfática negação da tese  do desaparecimento, não pertence ao “órgão indigenista oficial”, mas aos próprios índios que, através de novas formas de expressão políticas, tais como as organizações indígenas, reivindicam e reconquistam direitos históricos.

Um elemento positivo, colocado por Darcy Ribeiro é que hoje os índios estão aumentando de número. Há trinta anos eles se reduziram a cerca de 100 mil. Hoje se acercam dos 300 mil e dado de 1996, do Governo Federal é de 325.652 o número de índios existentes no Brasil.

Outro ponto colocado é a  força de organização dos índios, que recebem apoio de toda a sociedade nacional e internacional, tais órgãos tem contribuído para reformular fundamentalmente  o modo de pensar o futuro das sociedades indigenistas, isto se fez sentir nos avanços conquistados pela Constituição de 1988 ( Darcy Ribeiro, 1996: 13).

Uma história propriamente indígena ainda está por ser feita, pois, em nossos livros de história ela se inicia em 1500, sendo que escavações no sudeste do  Piauí, ,  iniciadas em 1978, por Niéde Guidon, demonstraram que no Brasil o homem pré-histórico já esta há cerca de 60 mil anos. Em outros países  América latina, o culto a uma ancestralidade pré-colombiana passa em geral por uma vasta mistificação, que dissolve o passado e portanto a identidade indígena em um magma geral. Ter uma identidade é ter uma memória própria. Por isso a recuperação da própria história é um direito fundamental das sociedades. Este  fator deve ser relevante na historiografia brasileira ao se resgatar o estudo sobre o “índio”.

No contexto do índio na historiografia brasileira, segundo Manuela Carneiro cunha e John Manuel Monteiro, esta historiografia tem um duplo desafio. Por um lado, cabe ao historiador recuperar o papel histórico dos atores nativos na formação das sociedades e culturas do  continente, revertendo o quadro hoje prevalecente. Por outro lado, e muito mais complexo, é necessário repensar o significado da história a partir da experiência e da memória de populações que não registraram, ou registraram pouco, seu passado através da escrita.

Nessa grande reavaliação das sociedades indígenas, a historiografia tem um papel fundamental, pois, cabe ao historiador, através de uma revisão séria das abordagens vigentes, não apenas resgatando mais esses “esquecidos” da história, mas antes redimir a própria historiografia de seu papel conivente na tentativa, fracassada, de erradicar os índios.

A historiografia deve fornecer fundamentos  e diretrizes para a compreensão do desafio teórico e político que os índios apresentam para a sociedade e para o estado brasileiro. Trata-se de uma revisão das coletâneas e publicações já existentes, como é caso do livro “História dos Índios no Brasil”, organizado por Manuela Carneiro da Cunha e com mais 30 colaboradores.

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Autor: Ciro Toaldo


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