A crise de paradigmas tradicionais e a emergência de novos modelos “periféricos”



 

A CRISE DE PARADIGMAS TRADICIONAIS E A EMERGÊNCIA DE NOVOS MODELOS “PERIFÉRICOS” – Professor Me. Ciro José Toaldo

 

“Viver um momento de crise significa viver um momento de mudanças de contrastes, de busca de soluções, de substituição de um mundo de incertezas por outro, onde os valores sociais anteriores, já sem significação, não respondem aos nossos anseios. É todo um processo de transformação integral, e tão rápidas e tão profundas são as transformações que nos sentimos muitas vezes abalados. Nossas idéias e sentimentos são a todo instante questionados, muitas vezes sentimos tristeza, desânimo, apatia – é como se nos faltasse uma integração interior, como se nosso centro de força não mais nos pertencesse: está sempre fora, nos padrões e valores que, espera-se, cumpramos satisfatoriamente. No entanto, esses padrões e valores perderam o sentido, como que se esvaziaram, e ainda não existem outros para substituí-los...”

A vida é transformação, e não devemos temê-la por isso. Precisaremos sempre lutar contra as forças de permanência............... (Aquino, História das Sociedades pág. 01)

Um dos desafios do mundo moderno é a necessidade de rever constantemente conceitos, crenças, e conhecimentos, na perspectiva de aprender mais.

Todos os dias, ao redor do globo, pessoas repelem novas idéias, porque  não estão de acordo com seus conhecimentos. Tais pessoas  têm em suas mentes, padrões e modelos, os paradigmas,  já desenvolvidos, assim, não conseguem enxergar nenhuma solução ou proposta que não obedeçam a estes. O mundo é visto através de paradigmas que as pessoas tem em suas mentes.

Dentro da História nos vários campos de investigação, também existem os paradigmas tradicionais.

Na introdução do livro “Domínios da História”, Ciro Flamarion Cardoso ressalta os dilemas e confrontos de paradigmas tradicionais  acerca dos debates historiográficos contemporâneos(CARDOSO, Ciro F. 1997,p.01-23 ).

Ao fazer um balanço geral da historiografia nos últimos 40 ou 50 anos, Cardoso identificou dois grandes paradigmas tradicionais : o iluminista, partidário de uma história científica e racional e portanto convencido da existência de uma realidade social global a ser historicamente explicada. O apogeu deste paradigma está situado no período 1950-1968, e dentre as suas manifestações mais expressivas, posto que criadoras de sólidas tradições historiográficas, destacar-se-iam o marxismo e o grupo dos Annales das primeiras gerações, isto é, de Febvre e Bloch a Fernand Braudel. 

O segundo caso é o pós-moderno, cético em relação a explicações globalizantes e tendente a enfatizar, em maior ou menor grau, as representações construídas historicamente.

No segundo caso, Cardoso denomina genericamente de Nova História, reservando o uso do termo para as gerações de historiadores do pós-68 que assim se auto-intitularam em diversas países, prevaleceria, no plano epistemológico, uma certa confusão entre sujeito e objeto, resultando da crença de que o observador/investigador é parte integrante daquilo que estuda. Trata-se de um predomínio de um processo  de interpretação partindo do estudo de pequenos grupos. A fase decisiva de sua construção situar-se-ia entre 1968-1989 (CARDOSO, Ciro F., op. cit.,441-442).

Segundo Le Goff, que  inscreve-se entre os representantes da Nova História, em seu livro “A História Nova”, em seu prefácio, coloca que frente a emergência de novos modelos para a  escrita da História “ falo da crise, hoje em dia, da história em geral e da crise dessa história dos Annales em particular. No entanto, o exame dessa história recente da situação atual e das polêmicas que procuramos levantar merece um estudo e uma reflexão aprofundadas e se a história das sociedades evolui, a maneira de pensar a história também. Por que a nova história, por sua vez, não deveria mudar?” (Le Goff, op. cit. 1998, p. 02).

A nova história é a história escrita como uma reação deliberada contra o “paradigma tradicional”, aquele termo útil, embora impreciso, posto em circulação pelo historiador americano Thomas S. Kuhn, que repassa a visão do senso comum da história, considerando a maneira de se fazer história, ao invés de ser percebido como uma dentre várias abordagens possíveis do passado (BURKE, Peter. A Escrita da História, 1992. P. 10)

Burke apresenta alguns contrastes entre a antiga e a nova história. De acordo com o paradigma tradicional, a história diz respeito essencialmente à política, que está relacionada ao Estado; em outras palavras era mais nacional e internacional, do que regional. Por outro lado, a nova história começou a se interessar por toda a atividade humana.

Os historiadores na visão dos paradigmas tradicionais pensam na história como essencialmente um narrativa dos acontecimentos, enquanto a nova história está mais preocupada com a análise das estruturas.

Outro aspecto apresentado por Burke é que a história, ligada aos paradigmas tradicionais, oferece uma visão de cima, se concentrando nos grandes feitos dos homens, estadistas e generais. Ao restante da humanidade foi destinado um papel secundário no drama da história. Por outro lado, vários novos historiadores estão preocupados com  “a história vista de baixo”.

Outro paradigma tradicional apresentado é que a história deveria ser baseada em documentos  e registros oficiais . O preço dessa contribuição foi a negligência de outros tipos de evidência. Entretanto, o movimento da “história vista de baixo”, demonstrou  como os  registros oficiais em geral expressam o ponto de vista oficial. 

Pelo paradigma tradicional a História é objetiva. A tarefa do historiador é apresentar aos leitores os fatos como eles realmente aconteceram. Hoje este ideal é considerado irrealista. O passado sempre é visto de um ponto de vista particular. O relativismo cultural se aplica, tanto à própria escrita da história, quanto a seus chamados objetos. O mundo só é percebido através de uma estrutura de convenções, esquemas e estereótipos, um entrelaçamento que varia de uma cultura para outra (Burke, 1992. P. 11-16).

Os maiores problemas para os novos historiadores são das fontes e dos métodos. Quando os  historiadores começaram  a fazer novos tipos de perguntas sobre o passado, para escolher novos objetos de pesquisa, tiveram de buscar novos tipos de fontes, ou seja, novos modelos para suplementar os documentos oficiais. Alguns se voltaram para a História Oral, como Paul Thompson ; outros para as evidências das imagens; outros à estatística; outros para a História das Mentalidades.  Também se provou possível reler alguns tipos de registro oficiais de novas maneiras. Por exemplo os historiadores da cultura popular  têm feito grande uso de registros judiciais, especialmente os interrogatórios de suspeitos ( Burke, 1992. P.25 )

Segundo Berta G. Ribeiro, ao escrever na coletânea “História dos Índios no Brasil”, se reportando ao livro de Le Goff “A História Nova” (1990) esta conduziu à renovação das disciplinas históricas, refletindo a preocupação de resgatar a contribuição oculta, o trabalho anônimo que tornou possível a opulência e o brilho da oligarquia política  e econômica de cada nação( CUNHA, Manuela Carneiro. Op. cit., 1998. P. 103 ).

Roger Chartier, no livro “A História Cultural” (1990), dentro da coleção “Memória e sociedade”, faz algumas considerações  sobre as mudanças que tem ocorrido nas últimas décadas na área das ciências sociais e humanas. Primeira colocação diz respeito   a pesquisa, que  procede cada vez mais através de formulações de problemas, desenvolvendo os métodos necessários à sua elucidação.  Tendem  a ser superadas  as fronteiras entre sociologia, história, antropologia e geografia, surgindo reflexões cruzadas  sobre velhos objetos e transferências metodológicas na construção de novos objetos de estudo.

Segunda colocação , o número de investigadores no campo das ciências sociais e humanas aumentou extraordinariamente nos últimos vinte anos, com maior atividades no campo da pesquisa, mais intensa e inovadora com maior troca de experiência  e uma comunicação ativa com a pesquisa internacional.

Por último, a reestruturação da oferta cultural, tanto ao nível dos agentes como dos suportes de difusão utilizados como: livros, jornais, discos , filmes e vídeos, tem caminhado a par de uma maior complexidade da procura cultural. Com efeito, o aumento do nível de instrução registrado nos últimos vinte anos e a diversificação profissional ocorrida no setor de serviços tornaram o público mais exigente e mais especializado. Este fenômeno comporta em si uma procura de leitura diversificadas, que permite compreender as tendências mais profundas da sociedade ( CHARTIER, Roger. Op. cit.,1990. P. 9-27 ).

Tais considerações feitas por Chartier contribuíram para a superação dos paradigmas tradicionais da história e na busca de novos modelos para a sua escrita.

Em algumas partes do mundo, da Itália ao Brasil, a história do povo é com freqüência chamada “a história do dominado”, assim assemelhando as experiências das classes subordinadas no ocidente àquelas das colonizadas (Burke, op. cit., 1992. p.22).

O professor Doutor Osvaldo Zorzato em sua “Anotações sobre a História Oral”, assim se expressou ao encerrar suas Anotações: “Poderia dizer que os grandes modelos explicativos que buscam dar conta de uma história total estão em profunda crise. Vive-se, hoje,  aquilo que convencionou-se chamar a ‘crise dos paradigmas’ que tem afetado as ciências sociais como um todo. O fim de um certo ‘monoteísmo teórico’ resultou na perda de referência par muitos pensadores. Mas isto permitiu o afloramento e o desdobramento de um bom número de formas de pensar e repensar o rico universo das experiências humanas. No campo da história, a chamada história oral parece ser uma dessas formas.” (1992, p.7)

Pelo exposto, se está ocorrendo uma crise dentro dos paradigmas tradicionais, novos modelos estão surgindo, pois, a história continua. E como diz Le Goff “se a história das sociedades evoluiu, a maneira de pensar a história também deve evoluir”.

 

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Autor: Ciro Toaldo


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