Aborgens políticas em Mato Grosso do Sul e suas influências na categoria do magistério público estadual: 1979-1996.



Ciro José Toaldo

     

“ABORGENS POLÍTICAS EM MATO GROSSO DO SUL E SUAS INFLUÊNCIAS NA CATEGORIA DO MAGISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL: 1979-1996.”

 

Uma contribuição à pesquisa: “O Movimento dos Professores Públicos Estaduais de Mato Grosso do Sul à luz do Novo Sindicalismo.”

 

       

DOURADOS

2001

  

Ciro José Toaldo

      

“ABORGENS POLÍTICAS EM MATO GROSSO DO SUL E SUAS INFLUÊNCIAS NA CATEGORIA DO MAGISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL: 1979-1996.”

 

Uma contribuição à pesquisa: “O Movimento dos Professores Públicos Estaduais de Mato Grosso do Sul à luz do Novo Sindicalismo.”

 

Trabalho apresentado como requisito para conclusão da disciplina: Mato Grosso do Sul: História e Historiografia, coordenada pelo professor Doutor Paulo Roberto Cimó Queiroz, Programa de Pós-Graduação, Mestrado em História, da UFMS.

                                                                                  

DOURADOS

2001

 

“A insatisfação parece ter sido um ingrediente inseparável, ao menos de uma parcela do magistério deste Estado, desde os tempos do antigo Mato Grosso. Vários fatos  inquietavam os professores, antes mesmo da criação do Mato Grosso do Sul em 1979, onde  governadores, como Pedro Pedrossian, representante da oligarquia latifundiária, em seu mandato de 1966/1970, pouco se preocupou  com a Educação. E os professores, desta época ficaram  à beira da pobreza, vivem   da política de “pão e água”, pois, não recebiam  em dia e recebiam salários indignos” (Biasotto & Tetila).”[1]

 

 

INTRODUÇÃO

 

A disciplina “Mato Grosso do Sul: História e Historiografia, ministrada pelo Professor Doutor Paulo Roberto Cimó Queiroz , dentro do programa de Pós-Graduação em História, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS, Câmpus de Dourados – CEUD nos fez refletir sobre as várias temáticas ligadas a História de Mato Grosso do Sul. Dentro das expectativas da pesquisa: ”O Movimento dos Professores Públicos de Mato Grosso do Sul à Luz do Novo sindicalismo[2]”, as questões abordadas na sexta temática da referida disciplina: “Historiografia e Identidade: Querela do Divisionismo”[3], trouxeram vários elementos  importantes que possibilitaram uma maior compreensão e reflexão dos “atos políticos” dos governadores sul-mato-grossenses e seus efeitos junto à categoria do magistério público estadual.

No Mato Grosso do Sul, segundo Biasotto & Tetila : “os professores não se organizavam porque eram dominados pelo medo... Qualquer movimento que se fizesse podia ser entendido como manifesto subversivo[4]...”. Quais eram estes medos? Quem estava no poder e quais os meios utilizados que impedia a organização do magistério público estadual? O estudo da tese de doutorado da professora Marisa Bittar: “Mato Grosso do Sul: Do Estado Sonhado ao Estado Construído (1892-1997)” ajudou a sanar muitas indagações a cerca de como o poder político em Mato Grosso do Sul foi utilizado para privilegiar um pequeno grupo, detentor da hegemonia política desde os tempos de Mato Grosso. De modo especial, os trabalho dos professores Wilson V. Biasotto e de José Laerte Tetila: “O movimento reivindicatório do magistério público estadual de Mato Grosso do Sul : 1978 – 1988”; bem como o da professora Maria Dilnéia Fernandes: “Políticas Públicas de Educação - Gestão Democrática na Rede Estadual de Ensino em Mato Grosso do Sul”, são estudos de suma importância para maior enriquecimento ao estudo da temática acerca do sindicalismo dos professores públicos estaduais em Mato Grosso do Sul.

 

ABORDAGENS POLÍTICAS EM MATO GROSSO DO SUL E SUAS INFLUÊNCIAS NA CATEGORIA DO MAGISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL

 

Em 1977 aconteceu a divisão de Mato Grosso, fato este que a população do sul de Mato Grosso foi surpreendida com a notícia do desmembramento do Estado. Concluídos os estudos e acertos pela equipe governamental, foi aprovada a lei complementar número 31 pelo Congresso Nacional Brasileiro, o Presidente Ernesto Geisel sancionou , em 11 de Outubro de 1977, a lei que criou o Estado de Mato Grosso do Sul.

As considerações de Marisa Bittar[5] acerca da criação do estado de Mato Grosso do Sul, que não contou com a participação da população, pois, não ocorreu um plebiscito para que todos os mato-grossenses tivessem opinado, levou o deputado federal Antônio Carlos de Oliveira (MDB), em 11 de Outubro de 1977, reclamar da ausência de um  plebiscito para a população opinar sobre a divisão do Estado. Sendo assim, as organizações populares e os partidos políticos existentes à época não foram envolvidos no processo da divisão, demonstrando a ausência de “sujeitos coletivos”.

A nova unidade que emergiu da divisão denominou-se, de início, Estado de Campo Grande, entretanto, esse nome não vingou. Em outubro de 1977 já se chamava Mato Grosso do Sul.

Com a bipartição do estado o Mato Grosso do Sul integrou-se por 55 municípios totalizando 350.549 quilômetros quadrados, tendo uma população de um milhão de habitantes (dados de 1970), dos quais 453.000 na zona urbana e 547.000 na zona rural. Em 1980, segundo Marisa Bittar “a população sul-mato-grossense era de um milhão e trezentos e sessenta e nove mil e quinhentos e sessenta e sete habitantes, sendo 919.123 na zona urbana e 450.444 na zona rural”.[6]

A primeira equipe governamental que dirigiu Mato Grosso do Sul foi conduzida pelo governador indicado Harry Amorim Costa em 1º de janeiro de 1979. Pois, a ARENA sul-mato-grossense não estava coesa no nome de Pedrossian; desta forma o governo militar apostou numa “solução técnica”, indicando o gaúcho Harry Amorim para governar o Estado.   “A estrutura administrativa adotada por Harry Amorim constava de poucas Secretarias de Estado: Secretarias de Meios (Planejamento, Fazenda e Administração); Secretaria de Desenvolvimento de Recursos Humanos (Saúde, Cultura, Educação, Trabalho e Promoção Social); e Secretaria de Desenvolvimento Econômico (Agricultura, Indústria e Comércio, Turismo, Fiscalização Agropecuária e Preservação Ambiental).” [7]  Este governador insistia que não era “político” e que governaria com uma estrutura inédita no Brasil, e exclusivamente administrativa e técnica. O próprio Governador Harry Amorim era ex-presidente do Departamento Nacional de Obras e Saneamento.[8]

Lembrando que paralelo aos feitos dos governadores de Mato Grosso do Sul, no ano de 1979 era fundada a FEPROSUL (Federação Dos Professores De Mato Grosso do Sul). Amarílio Ferreira Júnior relata as circunstâncias da fundação da FEPROSUL em 03 de abril de 1979, afirmando que “a conjuntura nacional impregnada pelo primeiro ciclo de greves operárias do ABC paulista deu origem a uma nova concepção de luta sindical e possibilitou um novo nível de consciência de classe do movimento sócio-político dos trabalhadores brasileiros.”[9] No entendimento de Biasotto & Tetila: “A FEPROSUL foi fundada em 07/04/1979. Somente quem participou de tal fundação pôde sentir toda a tensão, o arrebatamento dos espíritos e a emoção, indescritíveis, daquela reunião da fundação da FEPROSUL”.[10]

Outro aspecto que acontece no governo de Harry Amorim e antes mesmo deste assumir, eram as cartas destinadas ao futuro governador de Mato Grosso do Sul, colocando a situação que se encontravam os professores, como relata Biasotto: “Outra carta importante para reforçar o ideário foi a dirigida ao governador Harry Amorim Costa, que muito antes de sua posse percorreu o Estado todo, conversando com as lideranças locais. Aliás, não houve uma carta, mas dezenas de cartas.”[11]

Em 13 de junho de 1979, um dia após a promulgação da Constituição Estadual, a articulação desencadeada de Brasília não encontrou resistência na Assembléia Legislativa de Mato Grosso do Sul, que aceitou depor Harry Amorim Costa sem nenhuma resistência.

Um dado importante que Marisa Bittar expõe em sua tese de doutorado diz respeito ao poder econômico e político das famílias e personagens dominantes em Mato Grosso do Sul. As famílias que se destacaram na atividade política em Mato Grosso do Sul foram: Barbosa Martins (vinda de Ituverava e Franca no século XIX) da qual descende Wilson Barbosa Martins; Souza Coelho (ou simplesmente Coelho, chegam ao sul do antigo Mato Grosso posteriormente à Guerra do Paraguai e chegam a acumular um “império” de terras, a tal ponto que o senador Lúdio Coelho (PSDB) é conhecido no senado como “rei do gado”; recentemente foi interpelado por uma repórter, que lhe perguntou: “Senador, dizem que o senhor é o dono de Mato Grosso do Sul?!”. Ao que ele respondeu: Não, minha filha! Só da metade “. A família dos Coelhos veio de Minas Gerais)”. A família dos Derzi (Os Coelhos ligam-se, por laços matrimonias, à família Derzi, de origem árabe, economicamente poderosa e politicamente influente: Rachid Saldanha Derzi, cunhado de Lúdio Coelho, acumulou, até 1994, data em que perdeu as eleições para senador, 50 anos de vida pública, sendo deputado estadual, federal (UDN) e senador (ARENA). Os Derzi são uma das famílias mais ricas do estado, famosos pela excelência de seu gado nelore). ”O ex- senador Rachid Saldanha Derzi é considerado um dos quatro grandes chefes políticos que têm dominado a política mato-grossense e sul-mato-grossense nos últimos 30 anos. Os outros três grandes chefes são: Lúdio Coelho, Wilson Barbosa Martins e Pedro Pedrossian.” (Bittar, 1997:307).

 A família dos Machados é procedente de Portugal. Dessa família descende, pelo lado materno, Paulo Coelho Machado, nome de destaque na História de Mato Grosso do Sul. Outra família vinculada à grande propriedade rural e à política sul-mato-grossense, a Alves Ribeiro fez parte da leva migratória que desceu do centro-norte em direção ao sul do Estado, tomando posse de extensa área pantaneira. Os Alves Ribeiros foram os proprietários da Fazenda Taboco que no início do século XX, contava com luz elétrica à base de gerador. Fazenda de destaque na História sul-mato-grossense.

A família Fragelli veio para o Brasil no século XIX, vindos da Itália. Um dos destaques desta família foi José Fragelli, político conservador e convicto defensor da “revolução de 1964”, afirma que “foi ótimo” ser governador sob a vigência do AI-5.

Da colônia armênia, no sul de Mato Grosso, destacando-se na política a família Pedrossian. Pedro Pedrossian foi engenheiro e diretor (indicado) da Noroeste do Brasil. Em 1965, estreou na política de Mato Grosso, concorrendo ao cargo de governador pelo partido Social Democrático (PSD) derrotando o também estreante, Lúdio Martins Coelho, da UDN. Pedrossian contou com o apoio de Filinto Muller, chefe político mais poderoso do Mato Grosso.

Em 1965, quando Pedrossian foi eleito, Biasotto e Tetila referem-se ao governo Pedrossian: “Os professores podiam trabalhar meses, anos e serem dispensados sem aviso prévio e sem qualquer indenização; eram como “bóias-frias” do magistério. Para esses pobres arrendadores de aulas voltar a lecionar no próximo ano era sempre uma incógnita. O clima de insegurança no emprego era generalizado.” (1991:25) Pedrossian governando Mato Grosso de 1966 até 1970, preocupava-se com as obras “faraônicas” como as construções dos estádios de futebol “Morenão”em Campo Grande e o “Verdão” em Cuiabá e as questões e problemas sociais ficavam no esquecimento. Na análise da professora Maria Dilnéia[12],  o estilo de governar de Pedro Pedrossian, se por um lado priorizava as grandes obras, por outro, não modificara em nada as práticas clientelistas no trato da coisa pública, muito menos a política salarial de algumas categorias, caso magistério público, que pelo projeto político colocado em prática contrariava sua fala de governo que tinha vindo de baixo para cima.

Conforme Biasotto & Tetila:

 “O governo Pedrossian não hesitou em manter o professorado à beira da pobreza franciscana, embora já se vivesse, aqui, naquele momento o capitalismo monopolista, onde tudo já estava sendo valorizado em termos econômicos. A propósito, enquanto o país iniciava um período de euforia econômica – após 1968 – que foi o controvertido ‘milagre brasileiro’, inclusive com taxas do PIB (se bem que por meios escusos) chegando a índices de 10% ao ano, enquanto se verificava também a ascensão – ainda que artificial – de uma nova classe média, aqui no Estado, o professorado simplesmente amargava um congelamento salarial jamais visto antes ou após o governo Pedrossian.”[13]

 

O governo de Pedrossian parecia não se dar conta do que acontecia em âmbito nacional. Tanto é que continuaram as grandes obras. Entretanto, para o funcionalismo público e para a população o custo social desse momento foi muito mais sentido que o anterior. A educação, a saúde e a segurança pública foram setores fortemente atingidos pela política do desmando e do arrocho salarial.

Sobre o arrocho salarial da categoria do magistério no curto período de governo de Pedro Pedrossian,  Biasotto & Tetila afirmam: “Prova da defasagem salarial sofrida pelo professorado está no fato de que, quando Marcelo Miranda foi apeado do poder, ganhavam 2.9 salários mínimos e quando Pedrossian deixou o poder, ganhavam 0.8 salários mínimos.”[14]

No final da década de 70 o MDB (partido de oposição durante o regime militar – Movimento Democrático Brasileiro), este partido crescia devido à reorganização da sociedade civil brasileira, e em Mato Grosso do Sul, a tendência oposicionista fortalecia-se por meio de movimentos das camadas médias urbanas, como professores da rede pública estadual, representadas pela Federação dos Professores de Mato Grosso do Sul – FEPROSUL; advogados, organizados na OAB e os trabalhadores do campo, organizados na Federação dos Trabalhadores na Agricultura (FETAGRI). Contudo, quem dava as cartas era a ARENA (partido do governo – Aliança Renovadora Nacional).

Inicialmente, as conspirações de bastidores e dissensões no interior da ARENA (1977-1980) desencadearam dois golpes palacianos e nomeação de três governadores no curto período de 1977 a 1980: Harry Amorim Costa (janeiro-junho de 1979); Marcelo Miranda Soares (junho de 1979 a setembro de 1980) assim que assume o estado adotou a estrutura administrativa das demais unidades federativas brasileiras e o pequeno rol de órgãos estaduais da curta gestão de Harry Amorim Costa, logo desapareceu; Pedro Pedrossian (outubro de 1980 a março de 1983). As articulações para tirar Harry Amorim e Marcelo Miranda eram feitas pelo grupo de Pedrossian, feitas com o objetivo de levá-lo a chefiar o executivo estadual. Em outubro de 1980, João Batista Figueiredo nomeou o fiel amigo para ser governador de Mato Grosso do Sul até 1982, ano em que ocorrem eleições para governadores, propiciando a normalização político-institucional; mas, no Mato Grosso do Sul não redundou em renovação dos quadros dirigentes, para prová-los basta observar o rol de governadores que o estado teve desde sua criação”. Ainda afirma Marisa Bittar, que antes da restauração das eleições, governaram Mato Grosso do Sul: “Harry Amorim Costa, Marcelo Miranda Soares e Pedro Pedrossian. A partir de 1983, elegeram-se: Wilson Barbosa Martins (PMDB, 1982), Marcelo Miranda Soares (PMDB, 1986), Pedro Pedrossian (PTB, 1990); Wilson Barbosa Martins (PMDB, 1994) [15]”.

Maria Dilnéia Espíndola Fernandes ao escrever sobre “Políticas Públicas de Educação”, ressalta:

“Quando, em 1982, o PMDB ganha as eleições para o governo do Estado com Wilson Barbosa Martins cuja história política remonta à formação das tradicionais elites políticas mato-grossenses. O paradoxo é que, apesar de o PMDB posar de oposição, e, de fato, em Mato Grosso do Sul ele se opunha ao PDS (Partido Democrático Social), essa oposição não questionava a ordem de dominação, tampouco as relações entre capital e trabalho. Opunha-se, sim, à forma de fazer governo do então governador Pedro Pedrossian.”[16]

 

Embora o estudo de Marisa Bittar[17] (1992) mostre a importância dessas eleições para a democracia brasileira e o quanto foi inusitado o PMDB ganhar as eleições em Mato Grosso do Sul, por ser este um Estado conservador na composição eleitoral, a história do Estado mostra que o PMDB também não garantiu mudanças significativas na qualidade de vida da população. Pois, o projeto político de sociedade do PMDB, apesar de na época aglutinar forças distintas com outros projetos políticos de sociedade, sustentava-se também no clientelismo político, em 1982, com a vitória da oposição (PMDB), acontece exonerações de muitos funcionários do poder estadual para serem substituídos por outros ligados ao novo partido que assumiu o poder.

Os professores da rede estadual em novembro de 1983 começam a segunda grande greve, pois estavam insatisfeitos, Pedrossian no final de seu governo havia dado um reajuste de 97%, não tinham recebido mais nenhuma reposição, embora a inflação continuasse a corroer dia a dia os salários, não só dos professores, mas de toda a classe trabalhadora. O autoritarismo do governo de Wilson Barbosa Martins no inicio de seu governo, pois, suspende as negociações com a FEPROSUL.

Contudo, Marisa Bittar em sua tese insiste em afirmar que “no período de 1983 até 1985 a Secretaria de Educação Estadual de Mato Grosso do Sul inaugurava uma série de medidas inovadoras para o setor educacional... a educação avançou significativamente pela valorização salarial.” [18] (Grifo é meu). Será que isto realmente aconteceu?

Um dado lembrado por Marisa Bittar é a reforma partidária que provocou a divisão da esquerda num momento de grande agitação e mobilização política no estado: um grupo de militantes estudantis, sindicais e parlamentares que até então atuava com o PCB, fundou o Partido dos Trabalhadores (PT) sob a liderança do deputado federal Antônio Carlos de Oliveira, o mais votado em Mato Grosso do Sul nas eleições de 1978, que pelo MDB fez 39.772 votos.

Segundo Maria Dilnéia, a categoria do magistério reagiu diante das políticas de arrocho salarial travadas pelos governadores. Os professores começam a se organizar efetivamente através das associações municipais de professores e se organizam as grandes greves do período, denunciando para a sociedade a faceta do descaso tanto com a categoria, quanto com o ensino público do estado.

Quando Pedrossian deixou o governo do Estado em março de 1983, Mato Grosso do Sul encontrava-se fortemente endividado pelos empréstimos contraídos, tanto nacional quanto internacionalmente, feitos para realizar as grandes obras. E como revanchismo ao seu sucessor, Wilson Barbosa Martins, eleito governador do Estado nas eleições de 1982 com 258.192 votos pela oposição (PMDB), Pedrossian determinou um reajuste salarial para o funcionalismo público da ordem de 97.[19]

No período de 1982 a 1990, quando o PMDB governou o Estado, o projeto de sociedade desse partido e a ordem mundial e nacional do capital não deram mostras de superação da qualidade de vida da população.

Nessa conjuntura, o PMDB operava de forma dicotômica e populista, chegando a eleger 26 governadores de Estado em 1986, em cima do então Plano Cruzado.

Será nessa conjuntura de euforia que Mato Grosso do Sul elege novamente o PMDB; volta à cena Marcelo Miranda Soares.

Marcelo Miranda, em 1986 foi eleito o segundo governador de Mato Grosso do Sul pelo (PMDB) com 413.266 votos, apoiado pelo ex- governador Wilson Barbosa Martins (PMDB) que também se elegeu senador com 240.468 votos. Segunda Marisa Bittar: “em 1986 voltava ao poder a facção dissidente que deixara o PDS em 1980.”[20]

O governador Marcelo Miranda, a partir de 1986, têm no grupo do magistério público estadual os reflexos das grandes mobilizações reivindicatórias do funcionalismo público. Segundo os relatos de Biasotto e Tetila, o magistério público estadual reivindicava junto ao governo Marcelo Miranda: “reajuste salarial, reforma estatutária, eleições diretas para diretor, ensino público e gratuito para todos os níveis, verbas públicas somente para escolas públicas.”[21] Como as reivindicações dos professores não foram atendidas em 14 de outubro de 1987 iniciaram a greve em 41 municípios, que atingiram uma média geral de 85% de paralisação. Sendo que em 22 de outubro de 1987 a greve atingiu seu pico máximo. Todas as 59 associações filiadas à FEPROSUL estavam em greve .“O movimento paralisou 96,6% dos professores (11.592), fechou 339 escolas e deixou sem atividade escolar 246.909 alunos.”[22] Em 11 de novembro de 1987, ocorre uma enorme passeata em Campo Grande, que segundo os dados apontados por Biasotto e Tetila “o magistério sul-mato-grossense conseguiu a façanha de colocar nas ruas de Campo Grande, nada menos que 20 mil pessoas.”[23]  E mesmo assim o governador Marcelo Miranda não quis receber as lideranças do magistério.

Marcelo Miranda deixa o governo no final de 1990 e início de 1991, em um episódio de repercussão nacional, quando foi expulso da governadoria por trabalhadores da polícia civil, da saúde e do magistério demonstrando grande organização, ocuparam a governadoria por trinta dias como afronta ao poder e protesto por cinco meses de salários atrasados. Em entrevistas com a atual presidente da FETEMS Fátima da Silva e com o Presidente do SIMTED de Naviraí José Carlos da Silva, emocionados relataram como foi que a governadoria foi tomada e ocupada pelos professores e demais funcionários públicos estaduais.

O terceiro governador eleito de Mato Grosso do Sul, em 1990, foi Pedro Pedrossian (PTB) com 417.589 votos. E segundo Marisa Bittar:

“O perfil do eleitorado sul-mato-grossense nessas eleições pode ser analisado também à luz dos resultados nacionais da primeira eleição presidencial no Brasil (1989) depois da ditadura militar. O percentual de Collor no primeiro turno em Mato Grosso do Sul foi um dos mais altos do país (53,23%), sendo que no segundo turno Collor obteve 72,8%. Esses dados numéricos permitem concluir que os seus votos não eram oriundos exclusivamente do campo político-ideológico representado por Pedrossian, pois os votos dados aos candidatos do PMDB, PSDB, PDT e PL no primeiro turno não migraram todos para Lula no segundo turno.”[24]

Em 1990, Pedro Pedrossian fez sua campanha para governador a partir do discurso da modernidade e da reciclagem (pela terceira vez no poder, denuncia a corrupção e promete a austeridade, mas os gastos da cerimônia de posse parecem indicar o caminho oposto) [25], convencendo a população de que seu governo seria o governo do novo.

Segundo Maria Dilnéia, “O primeiro ato de Pedrossian foi adotar um conjunto de medidas para resolver a catástrofe de seu antecessor, para criar condições de governabilidade frente ao movimento dos trabalhadores do Estado.”[26]

Entretanto, ao lado de lançamento de grandes obras, a tradicional política de arrocho salarial e desrespeito às organizações sindicais, notadamente na área educacional. Em 1993, os professores organizam uma greve cujo término lembrou o método utilizado em 1981, quando Pedrossian ameaçou com demissões. No Quadro Verde da FETEMS, os professores assim se expressavam, em janeiro de 1993: “Em dezembro, os professores chegaram ao patamar de 1,5 salários-mínimos, o maior piso conquistado pela categoria no governo de Pedrossian. Em janeiro isso vale 0,6 salário-mínimo. Uma vergonha que nos lembra a triste realidade dos professores do sertão do nordeste.” [27]

Em 1994 ocorre a quarta eleição para governador em Mato Grosso do Sul, sendo eleito, novamente, Wilson Barbosa Martins (PMDB) com 392.365 votos. Uma maratona de manobras transcorridas em 1993 mostrou, mais uma vez, a forma de fazer política da classe dominante sul-mato-grossense.

Contudo, governador Wilson Barbosa não implementou projetos previstos em campanha, desde a posse, em 1995, desgastou-se junto aos segmentos que o apoiaram. É o caso do magistério público, que vive há anos o drama causado pela desvalorização brutal de sua qualidade de vida. E a crise da administração pública atingiu em cheio a educação.

Conforme as atas das Assembléias Gerais da Federação dos Trabalhadores em Educação de Mato Grosso do Sul, em 1995 ocorre uma greve de 9 dias[28]; passeata em  Campo Grande em 04/10[29];na Assembléia Geral da FETEMS de 05/12/1995, os professores reclamavam dos salários atrasados. O ano letivo de 1996 começou com greve[30]. No final de julho e início de agosto de 1996 novamente os professores e os demais servidores públicos de Mato Grosso do Sul estão em greve[31].

O magistério público sul-mato-grossense, que segundo Marisa Bittar: “viveu sua melhor situação salarial na 1ª gestão Wilson Barbosa Martins (1983-1986) não perdoa o governador: durante a greve de 1996, endereçou-lhe nota intitulada:  “Para o pior governo do mundo”. Nela a FETEMS, à qual se filiam 65 sindicatos municipais da categoria docente, denunciou que, em virtude dos dois meses de atraso no pagamento, os professores e funcionários já estão passando fome. Preocupados com as demissões voluntárias, com o desestímulo causado por baixos salários e falta de perspectiva profissional, revelou sua frustração o presidente da FETEMS, François Vasconcelos: “Estamos querendo um maior investimento na educação, mas o governador sempre justifica que o Estado não tem condições de atender às nossas solicitações.”[32]

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Na pesquisa sobre ”O Movimento dos Professores Públicos Estaduais de Mato Grosso do Sul à Luz do Novo sindicalismo”, a disciplina: “História e Historiografia de Mato Grosso do Sul” irá contribuir para aprofundar os conhecimentos acerca do processo político desenvolvido em Mato Grosso do Sul e seus reflexos no grupo do magistério público estadual.

As considerações e reflexões do historiador Josep Fontana[33] de como devemos elaborar uma visão da história que nos ajude a entender que cada momento do passado não contém apenas a semente de um futuro pré-determinado e inescapável, mas sim a de toda uma diversidade de futuros possíveis. Um dos desafios que temos como historiadores é o de voltar a metermo-nos nos problemas do nosso tempo, como fizeram no passado àqueles nossos antecedentes que ajudaram melhorar as coisas com seu trabalho.

Que a pesquisa que estamos nos propondo nos faça ser “agentes de transformação” dentro do magistério estadual sul-mato-grossense, categoria da qual fazemos parte e atuamos. Sabemos e temos consciência que o passado não pode ser mudado, por mais que se queira. As perguntas que dirigimos a ele são movidas pelos interesses e preocupações do presente, iluminadas por novas abordagens históricas e pelas contribuições de outras disciplinas. Espero que os conhecimentos, discussões e reflexões, oportunizadas nessa disciplina,  possam estar presentes na pesquisa sobre o movimento sindical dos professores de Mato Grosso do Sul.

 Que as lutas do magistério público sul-mato-grossense suas frustrações, erros e acertos possam ser bem analisados para que os 25 mil trabalhadores em educação filiados a FETEMS, sejam conscientizados que a luta continua. O editorial do “Jornal Quadro Verde”, órgão oficial de divulgação da FETEMS: “Como nunca nos acomodamos precisamos estar unidos para mostrarmos nossa força e garra para continuarmos na luta por melhores condições de trabalho.”[34]

 A história seduz não pela possibilidade de se mudar, agora, o que hoje é vivido, mas pela possibilidade de se desmistificar, preservar ou alargar valores e projetos de vida considerados justos e, que por isso, são merecedores de serem trabalhados, na esperança de que gerações futuras possam dar continuidade a eles. Porém, para isso, é preciso ser portador do sonho. Daquele que permite vislumbrar as possibilidades de uma práxis social capaz de fundamentar a transubstanciação daquilo que seria a utopia de um mundo de homens livres e solidários em um projeto coletivamente sonhado e realizado.

O historiador deve apresentar aos leitores os fatos. A argumentação do historiador Edward Carr sobre os fatos: “Os fatos falam apenas quando o historiador os aborda: é ele quem decide quais os fatos que vêm à cena e em que ordem ou contexto.”[35]

Sendo assim, o estudo sobre o movimento dos professores públicos de  Mato Grosso do Sul ligado ao Novo Sindicalismo, deve ter presente um quadro teórico e uma metodologia que deixe uma contribuição à essa temática e faça com que o leitor seja estimulado a refletir. Sendo assim, os ensinamentos, leituras e autores estudados na disciplina historiografia de Mato Grosso do Sul, nos proporcionou importantes meios para produzirmos uma pesquisa científica dentro da temática que nos propomos. E com certeza: Janaína Amado, Valmir Corrêa, Osvaldo Zorzato, Lylia Galetti, Paulo Roberto Cimó Queiroz, Virgílio Corrêa Filho, Lúcia Salsa Corrêa, Francisco Doratioto, Gilmar Arruda, Marisa Bittar, Wilson Valentim Biasotto, Laerte Tetila, Maria Dilnéia Espíndola Fernandes e tantos outros ligados à historiografia sul-mato-grossense não serão esquecidos, estes historiadores estarão presentes nessa pesquisa.

O Centro de Documentação do CEUD - Centro Universitário de Dourados merece nossos parabéns, pois através de seu acervo temos a oportunidade de aprofundarmos nossos conhecimentos da história de Mato Grosso do Sul. Uma Universidade que tem a preocupação de estimular e preservar as produções de seus acadêmicos, não só está no melhor caminho, mas assegura um ensino de qualidade, demonstrando que existe a produção do conhecimento.

  

[1] BIASOTTO, Wilson V., TETILLA, José Laerte. O movimento reivindicatório do magistério público estadual de Mato Grosso do Sul : 1978 – 1988. Campo Grande: UFMS, 1991.p.12/41.

[2] O tema proposto foi aprovado em dezembro de 2000 pela banca examinadora do Curso de Pós-Graduação em História da UFMS/CEUD. Tendo como orientador o Professor Doutor Wilson Valentim Biasotto.

[3] Destacamos a tese de doutorado de Marisa Bittar: Mato Grosso do Sul: Do Estado Sonhado ao Estado Construído (1892-1997) – Divida em duas partes. A primeira parte estuda em sala com o professor Paulo Roberto Cimó Queiroz. A Segunda parte – 1977-1997 “A prática política da classe dirigente sul-mato-grossense” é que será enfocada neste artigo.

[4] Biasotto, 1991: p. 22.

[5] BITTAR, Marisa. Mato Grosso do Sul : Do Estado Sonhado ao Estado construído (2ª parte – 19977-1997). Tese de doutorado, USP, 1997:p. 240.

[6] BITTAR, 1997:p. 260.

[7] Ibid., p. 264.

[8] Ibid., p. 265.

[9] JÚNIOR, Amarílio Ferreira. A luta sindical dos professores públicos Estaduais e Transição democrática em Mato Grosso do Sul: 1979 – 1986.  Dissertação de Mestrado – 1992. p. 03

[10] Biasotto, 1991: p. 57

[11] Biasotto & Tetila, 1991: p. 64/66 (Encontra-se, na íntegra, a carta que os professores de Dourados entregaram em outubro de 1978 ao governador Harry Amorim Costa, que ainda não tinha tomado posse).

[12] FERNANDES, Maria Dilnéia E. Políticas Públicas de Educação: Gestão Democrática na Rede Estadual de Ensino em Mato Grosso do Sul. Campo Grande, MS; Ed. UFMS, 2000. p.101

[13] Biasotto & Tetila, 1991: p.23-4.

[14] Ibid., p. 127.

[15] Bittar, 1997: p. 352/360. Cf. Maria Dilnéia, 2000: p. 63 – Quando comenta sobre “Os anos 80 ou de como o Discurso foi recuperado.”

[16] FERNANDES, Maria Dilnéia E. Políticas Públicas de Educação: Gestão Democrática na Rede Estadual de Ensino em Mato Grosso do Sul. Campo Grande, MS; Ed. UFMS, 2000. p.93.

[17] BITTAR, Marisa. Estado e política educacional em Mato Grosso do Sul (1986/86): Limites de uma Proposta Democrática. p. 16.

[18] Bittar, 1997: p. 425.

[19] Maria Dilnéia, 2000: p. 103.

[20] Bittar, 1997: p. 453.

[21] BIASOTTO e TETILA, 1991: p. 152.

[22] Ibid., p. 153.

[23] Ibid., p. 157.

[24] BITTAR, 1997: p. 449.

[25] FERNADES, Maria Dilnéia, 2000: p.105.

[26] Ibid., p.105/106.

[27] Cf. Quadro Verde. Órgão oficial da FETEMS. Campo Grande, dez.jan.fev., 1992-1993, p. 03.

[28] Cf Ata da Assembléia Geral da FETMS de 26/05/95.

[29] Cf. Deliberação da Assembléia Geral da FETMS de 20/09/95.

[30] Cf. Atas das Assembléias Gerais da FETEMS de 27/02/96; e de 04/03/1996.

[31] Cf. Atas das Assembléias Gerais da FETEMS de 24/07/96; de 12/08/96; 04/09/96 (greve continua) e de 11/09/96 (com o retorno das atividades e promessa de não retaliação).

[32] Bittar, 1997: p.472. Cf. Correio do Estado. C. Grande 25-26 ago. 1995, p.11 – Municípios recebem recursos a mais, diz FETEMS.

[33] FONTANA, Josep. História: análise do passado e projeto social. Tradução Luiz Roncari. Bauru, EDUSC, 1998. p. 275.

[34] Jornal Quadro Verde n.º 86, Julho de 2001.

[35] CARR, Edward H. O que é História. RJ : Paz e Terra, 1996. p. 47

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Autor: Ciro Toaldo


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