A Corrosão Do Caráter: Conseqüências Pessoais Do Trabalho No Novo Capitalismo.
A Corrosão do
Caráter: Conseqüências Pessoais do Trabalho no Novo Capitalismo.
P/Rosany Mary S.
Souza e Sandro R. Falcão
Neste livro,
organizado em oito capítulos e um apêndice, escritos em linguagem acessível e
com uma interessante análise sociológica das transformações do mundo do
trabalho, Richard Sennett oferece-nos uma instigante reflexão sobre as
influências do capitalismo flexível no universo das relações trabalhistas e
suas repercussões no caráter humano, convidando-nos a promover uma análise sobre
as conseqüências sociais advindas destas inovações vividas na sociedade. Na
primeira parte do livro o autor mostra como o capitalismo contemporâneo, a
flexibilização do mundo do trabalho, a lógica hiper-competitiva e os padrões
atuais de "sucesso", corroem a escala de valores e qualquer forma de
disciplina ética, mesmo para os padrões do próprio capitalismo. Ele argumenta
como este regime econômico e social vive um novo momento, caracterizado por uma
natureza flexível, que ataca as formas "engessadas" da burocracia, as
conseqüências da rotina e os sentidos e significados do trabalho; produzindo
uma situação de angústia nas pessoas, que não tem conhecimento dos riscos que
estão correndo e onde irão chegar, colocando à prova o próprio senso de caráter
pessoal.
Pode-se observar que
Sennett dá enfoque a esta situação em citação a seguir: caráter é (...) o
valor ético que atribuímos aos nossos próprios desejos e às nossas
relações com os outros, ou se preferirmos... São os traços pessoais a
que damos valor em nós mesmos, e pelos quais buscamos que os outros nos valorizem
(p. 10).
Segundo o autor, o
capitalismo flexível afeta o caráter pessoal, principalmente porque não propõe
condições para construção de uma história linear de vida, sustentada na
experiência, mostra também, ao utilizar o recurso metodológico de narrações de
histórias de vidas, como o assalariado apesar de desenvolver uma atividade
rotineira, consegue construir uma vida planejada, onde conseguiu acumular
condições para tornar realidade seus objetivos baseada no uso disciplinado do
tempo com expectativas em longo prazo. Evidente que, no caso do Rico
(personagem apresentado por Sennett, no Capítulo I, do livro comentado), um "discípulo"
do capitalismo flexível, os laços sociais não se processam em longo prazo, em
decorrência de uma dinâmica de incertezas e de mudanças contínuas de emprego e
de lugares, comportamento que dificulta as pessoas, conhecer os vizinhos,
estabelecer vínculos de amizade (presencial), e manter laços com a própria
família, impedindo um equilíbrio emocional no que tange a este aspecto.
Diante das mudanças no
mundo do trabalho, muito bem colocadas pelo autor,... Como se podem buscar
objetivos de longo prazo numa sociedade de curto prazo? Como se podem
manter relações duráveis? há um convite ao leitor a refletir sobre este
grande desafio que as pessoas na situação atual precisam enfrentar.
O capitalismo flexível,
devido a sua dimensão no tempo (curto prazo), elimina vínculos sociais, o
crescimento e a maturação interior, corrompe o caráter e as experiências,
também as instituições familiares são prejudicadas, porque faz incorporar nos
indivíduos falsos estigmas, como conservadorismos culturais, para amenizar a
falta de coerência existente em suas próprias vidas. É um "ficar sem
rumo" sem controle, confirmado pelas crises das instituições burguesas e
das relações interpessoais.
No capitalismo
flexível, baseado na fragmentação, no individualismo metodológico, na seleção
natural de Darwin, em que os mais fortes sucumbem aos mais fracos os indivíduos
valem-se do "salve-se quem puder", no Estado Mínimo que reduz o
âmbito público e exacerba o privado, onde passamos a ser controlados e
manipulados pelo "deus" mercado, e aquele que se apresenta pela fome
de mudança, jamais permite que se façam as coisas do mesmo jeito por longos
períodos de tempo, através do denominado "capital impaciente"!
O autor parece
considerar que a sociedade busca resolver o problema da rotina no trabalho com
uma nova estruturação do tempo, com instituições mais flexíveis, criando formas
novas de poder e controle, sendo este um segundo elemento central de sua
problematização.
Esta flexibilidade do
tempo requer também, uma flexibilização do caráter, demonstrada pela ausência
de apego temporal em longo prazo e pela tolerância com a fragmentação. O curto
prazo minimiza a obrigação formal, a confiança, o compromisso mútuo,
características de uma era de estabilidade, e o pior, alavanca a falta de
compromisso ético, moral, dos consumidores (nova terminologia designada aos
indivíduos) capitalistas. O curto prazo também prejudica o sentido de vida
linear, cumulativa e narrativa, a relativa estabilidade. Para Sennett, o longo
prazo torna-se uma prática disfuncional, "o setor de força de
trabalho que mais rápido cresce [...] é o [...] temporário. O
mercado acredita que o rápido retorno é mais bem gerado pela ágil mudança
institucional (p.22). A pós-modernidade consegue desestruturar o único
recurso que a plebe tinha de graça, ou seja, o tempo. Seria interessante se
Sennett tivesse citado Nietzsche quando ele antecipava o espírito da nova era..."
tem-se vergonha do repouso, a meditação mais demorada causa remorso.
"Reflete-se com o relógio na mão, da mesma forma como se almoça, com os
olhos fixos no pregão da bolsa...".
Em função desta
flexibilidade do tempo que requer maleabilidade de caráter,
caracterizada, pela tolerância com a fragmentação, impelida sempre pela
motivação de ascensão social, ou tão somente pela sobrevivência, são lentamente
corroídos laços de amizade e de família, já que falta tempo para outras
valorações, como o lazer entre amigos e até mesmo no lar, onde os ensinamentos
sobre moral e ética, eram costumeiramente passados dos genitores para seus
filhos, carecendo de tempo comum para tal fim. Percebe-se certa alienação, que
é refletida pela ausência de limites, de orientação, dos pais para com seus
filhos, deixando-os à mercê dos seus próprios conceitos e atitudes em formação.
Rejeitam-se também,
estilos de vida oriundos das classes proletariados; o casamento entre pessoas
de classes sociais diferentes; aumentando as ideologias, ou chamados,
conservadorismos culturais, em que se odeiam as parasitas sociais, os excluídos
(negros, homossexuais, pobres), os quais são muitas vezes correlacionados à
ausência de coerência de suas próprias vidas, das incertezas aleatórias que
querem se defender, ou seja, da erosão das qualidades de caráter, lealdade,
compromisso, propósitos profissionais, pessoais e familiares.
O capitalismo flexível
ainda passa a idéia, e isso é bem colocado pelo autor no primeiro capítulo, que
o pequeno empresário ou microempresário, terá que exercer diversas funções ao
mesmo tempo, se quiser continuar "sobrevivendo" em sua economia
local, enquanto que nas grandes corporações, que geram tendências de mercado, o
regime baseia-se não mais em pirâmides de poder, mas sim em redes; arquipélagos
de atividades relacionadas, que afrouxam os laços sociais e valorizam a
lealdade institucional, adaptando-se sempre as novas tendências, caprichos ou
idéias dos que pagam pelos seus produtos, já que eles mesmos tornam-se produtos
dessas instituições estigmatizadas como fetiches de mercadorias, enfatizando a
potencial forma de lucrar em menor espaço de tempo, associados a reduzidíssimos
desvios padrões de perda. No final do primeiro capítulo do livro, o autor diz
que "talvez a corrosão do caráter seja uma conseqüência
inevitável" (p.33), enfocando uma visão fatalista, esquecendo-se que
cresce um processo de conscientização mundial, facilitado pela globalização,
que difunde ideologias de caráter ético, que refletem sobre esta realidade, às
vezes com indignação, o que pode no futuro gerar uma nova revolução no modo de
trabalho, baseada em valores fundamentais, como a dignidade da pessoa humana,
buscando concretizá-la através de ações dominantes e, não apenas marginais e
específicas.
Um ponto claro na
discussão de Sennett é que embora o trabalho flexível tente romper com a rotina
e a burocracia, ele não conseguiu ainda superar o trabalho fordista, pelo
contrário, tornou precárias as relações de trabalho, assim como, a ética do
trabalho em equipe, não superou a ética da rotina; as duas convivem em uma
relação dialética. Percebe-se, entretanto, que o autor coloca os dois lados da
rotina, um, baseado em uma posição frutífera e positiva, fincado na obra de
Diderot, a "Enciclopédia" e o lado destrutivo, pela obra de Adam
Smith – A Riqueza das Nações, como no Fordismo e Taylorismo. Além disso, é
ressaltada a escravidão, que antes era baseada na combinação de abrigo e subordinação
à vontade do "amo", para ser substituída pelo trabalho assalariado.
Richard Sennett deixa claro que a fuga da rotina trouxe conseqüências de
reafirmação do capitalismo, bem como, a degradação das massas trabalhadoras,
que interessadas em redução de tempo de trabalho se sobrecarregam de modo
intenso levando a degeneração física precoce e doenças crônicas típicas da
pós-modernidade, causadas principalmente pela péssima alimentação (lanches
rápidos) e pelo stress, além do fantasma da perseguição da classe média,
gerando as mesmas conseqüências.
A
repulsa a rotina burocrática e a busca de flexibilidade produziriam novas
estruturas de poder e controle, em vez de criarem as condições para libertarem,
baseadas em três elementos chaves: reinvenção descontínua de instituições;
especialização flexível da produção; e a concentração de poder sem centralização.
O primeiro elemento como algo que busca reinventar decisiva e irrevogavelmente
as instituições, para que o presente se torne descontínuo com o passado, uma
alusão à quebra do tempo cronológico, em que o futuro é agora e de total
rompimento com o passado, enfatizando uma idéia de fragmentação e
imprevisibilidade. A desagregação vertical (pirâmides) oferecendo a um menor
número de administradores o controle sobre um maior número de subordinados,
como uma técnica de reengenharia que reduz empregos e que torna as instituições
disfuncionais, mas que se tornou uma prática altamente lucrativa para os
acionistas; simplesmente porque a organização deve provar ao mercado que pode
mudar.
No
segundo elemento parte do princípio que uma estratégia de inovação é
permanente: mudar ad infinitum, ao invés de controlá-la. A antítese do
fordismo, a fábrica de montagem quilométrica que é substituída por ilhas de
produção especializadas e inserida pela alta tecnologia, infovias, instantâneas
decisões e pela demanda mutante que o mundo externo tem que determinar
estrutura das instituições internas. Assim, os regimes tendem a prosperar a
desigualdade social (anglo-americano) instituída pelo livre comércio
É mostrada também a concentração sem centralização, pela descentralização de um
poder, o que teoricamente daria as pessoas do baixo escalão das organizações
mais controle sobre suas atividades, transmitindo as operações aos vários
setores da organização, sobrecarregando-os, já que são pressionados a produzir
ou ganhar muito mais do que está em suas capacidades. A flexibilidade de tempo,
característica desse elemento gerou desordem e limitações, ou seja,
autodestruição para os que trabalham na base do regime flexível; técnicas de
rastreamento e controle à distância da classe média (transação de submissão
pessoal pela eletrônica).
Essas características enfatizam a mudança do paradigma da exploração industrial
pela tecnológica, em que se perseguem não mais bens duráveis, estoques em
demasia, mas sim, um capitalismo financeiro baseado em papéis, ações e capital
de giro (dinheiro em espécie), enfatizando o justing time, o tempo justo
entre a produção e a venda; enfocando cada vez, o valor agregado à mercadoria
do que é produzindo em larga escala, reduzindo os empregos, os custos de
produção e obtendo lucros exorbitantes num menor espaço de tempo.
No capítulo quatro, o autor aborda o desemprego estrutural proveniente do
capitalismo flexível, em que homens são substituídos por máquinas, aumentando a
produtividade homem/hora, sem, contudo perder em qualidade, bem como, a
superficialidade dos proletariados remanescentes em suas funções. Tornam-se
acríticos, dependentes totalmente, das máquinas, apenas forças de trabalho,
energias para alimentar a cobiça do capitalismo.
No local de trabalho high-tech flexível,
tudo é muito fácil de usar, já que a dificuldade e a resistência são contra
produtivas ao avanço neoliberal do capitalismo - mas os empregados se sentem
pessoalmente degradados pela maneira como trabalham situação em que o
operacional é muito claro, mas o emocional totalmente incompreensível,
tornando-se meras aberrações vegetativas, já que não pensam, falam, criticam,
nem realizam autocríticas; os trabalhadores ficam alienados pela perda de
qualificação.
Sennett
mostra que a flexibilidade elevou as desigualdades sociais, criando distinções
entre superfície e profundidade, aqueles que são objetos menos poderosos da
flexibilidade são obrigados a permanecer na superficialidade, como meros peões
de um jogo de xadrez, subalternos ao seu rei: o capitalismo.
Os trabalhadores tornam-se indiferentes, não mais agindo com honra, trabalhando
cooperativa e honestamente, como nos tempos pretéritos recentes, literalmente,
não entendem o que estão fazendo, e que a maquinaria é o único verdadeiro
padrão de ordem. E quando acontece a quebra acidental ou provocada, sentem o
impulso de enfrentar o problema, mas ficam perplexos com a tecnologia que os
deixa à deriva, levando a um esvaziamento, a uma alienação, em que a única
solução é apelar para as assistências técnicas pedindo reparo imediato.
O intuito mais uma vez perseguido é de redução de custos, tanto pela eliminação
imediata do desemprego estrutural, como pela falta de qualificação que reduzem
encargos e salários. Um outro ponto característico e bem explorado no texto
está calcado no desperdício associado aos altos índices de produção que geram
graves problemas ao meio ambiente, é o estilo marcante do capitalismo, em que a
produção é desprovida de qualquer forma de efeito sustentável, o que importa é
o lucro, devastando áreas e, não mais as suprindo posteriormente.
Podemos observar também a exclusão do capitalismo flexível com o passado, o
velho, o anacrônico, seja do ponto vista tecnológico, humano e do conhecimento,
as pessoas de meia-idade são tratadas como descartáveis, tanto do ponto de
vista biológico como sociológico, suas experiências acumuladas relegadas a um
ínfimo valor, sentem-se em teste, constantemente, mas nunca sabendo em que
posições se encontram nas redes. E, para continuarem vivas no mercado, é
necessário o risco ao extremo.
A produção da riqueza é sistematicamente acompanhada pelas produções sociais de
risco, não mais exclusivas dos capitalistas de risco ou indivíduos extremamente
aventureiros. A inconstância profissional na pós-modernidade está em viver
constantemente no limite, apesar do risco não oferecer garantias, permanecendo
num contínuo estado de vulnerabilidade e incertezas.
A
sociedade não mais se baseia em tempo e espaço definidos, mas sim em formas
desreguladas, descontínuas de relações espaços-temporais, de forma, que essa
continuidade de exposição ao risco extermina o senso de caráter pessoal.
O risco
encaminha para três buracos estruturais específicos: as mudanças laterais
ambíguas, as perdas retrospectivas e dos resultados salariais imprevisíveis. O
primeiro é o chamado movimento de "caranguejo", em que, embora
creditem que estejam subindo de patamar, na verdade existem, apenas,
deslocamentos laterais, devido exatamente à transação das pirâmides
hierárquicas em redes frouxas e amorfas. O segundo está galgado no fato de
perceberem que tomaram más decisões, sejam na forma de garantias trabalhistas
como em qualidade de vida, somente, bem posterior às mudanças de emprego, se
arriscam em demasia por um resultado que normalmente não aparece. E,
finalmente, da perda salarial que, geralmente, acontecem na troca de cargos, já
que as corporações traçam caminhos mais fluidos e individualizados para
promoções e salários.
Continuando sua explanação sobre o risco, Sennett diz que a moderna cultura do
risco é mostrada segundo a qual, nada deve ser imutável, se assim ocorre é
visto como fracasso, o destino será sempre superior que o ponto de partida, e
dentro deste dinamismo do capitalismo, as pessoas passivas murcham. E a
flexibilidade é vista como algo que acentua a desigualdade, do mercado, em que
o vencedor leva tudo, ou seja, a elite tecnológica, somente ela irá conhecer os
caminhos para tal feito, não se levando em conta as próprias instituições de
ensino, que apesar do grande esforço de produzir conhecimento, as bases
fundamentais e específicas destas elites, isto será um segredo somente deles,
não sendo traduzidas pelas áreas de ensino. Ademais o próprio conhecimento
caminha com a pós-modernidade e, se as pessoas não se atualizarem
constantemente estarão fadadas a tornarem-se obsoletas, e não ser mais "de
ponta"; o capitalismo não percebe o passado, a tradição, os costumes e os
valores,
Só o agora e o novo, maleáveis, tanto em termos de assumir riscos quanto de
submissão imediata. Quanto à ética no trabalho o que o autor demonstra é que a
ficção de comunidades de trabalho justifica a feroz resistência do capitalismo
frente aos sindicatos operários, em que a responsabilidade da elite é
transferida para as classes de massa e intermediária, enfocando a neutralidade
do capitalismo flexível pela responsabilidade limitada das corporações
inteiradas por uma ficção, ou seja, a pessoa jurídica. Explicita, também, mais
uma vez a deriva que o capitalismo flexível exerce sobre os indivíduos,
propiciando não apenas situações intrageracionais, como também, de forma
implícita as intergeracionais.
A velha ética do trabalho impunha pesados fardos que tinham que provar seu
próprio valor pelo seu trabalho, existia o uso autodisciplinado do tempo,
chegando ao ponto de ser mesmo uma autopunição, pondo-se ênfase mais na prática
voluntária que na simples submissão passiva a horários e rotinas.
A moderna ética concentra-se no trabalho de equipe, prática de grupo da
superficialidade degradante, na interminável automodelação, enfatizando mais a
responsabilidade mútua do que a confirmação pessoal. A ética flexível enfoca
que o adiamento é interminável, a autonegação o presente inexorável e as
recompensas prometidas jamais chegam. As pessoas sentem falta de relações
humanas e objetivos duráveis
O homem
torna-se intensamente competitivo, mas não pode gozar do que ganha. Os líderes
são meros administradores do processo, facilitam as soluções e mediando as
informações entre clientes e corporações, dessa forma um poder sem autoridade
que desorienta os empregados, os quais lutam agora para adquirir poderes sobre
si mesmos. As aptidões individuais parecem portáteis - processo de linguagem,
lógica e tecnologia - mas que não servem de guia para recompensas presentes,
tudo sempre começa do zero absoluto,
Ele enfatiza também, que o trabalho de equipe obriga os indivíduos a manipular
comportamentos e aparências com os demais, são máscaras de cooperação gerando
tipos de caráter irônicos, servindo a uma implacável campanha por
produtividades cada vez maiores, em que os operários responsabilizam-se uns aos
outros para tal intuito.
E que a verdadeira ética que se conhecia pela ciência da moralidade
transforma-se em técnicas persuasivas de fragmentação social, individualismo
metodológico, estilos de espionagem e sabotagem cada vez mais alicerçados na
especulação expansionista de exploração humana e no intuito único de obter lucro.
No capitulo em que o fracasso na ótica do capitalismo flexível é analisado por
Sennett, torna-se elemento cotidiano, tanto dos desprivilegiados quanto da
classe média, qualificada ou não, que se encontra exprimida, mais se tornando
um bloco único com a plebe do que existindo uma verdadeira separação de classes
sociais. O capitalismo não se foca em pessoas, somente em valores.
O
capitalismo destrói carreiras - antídotos de fracasso pessoal - definidas com
objetivos de longo prazo, padrões de comportamento profissional ou não, e o
senso de responsabilidade por sua conduta. Antes mesmo de surgirem já foram,
exterminadas com o poder da revolução tecnológica, das infovias, que destroem
não as carreiras, mas sim e, contundentemente, as personalidades em simples flashs
de luz.
As corporações tiram empregos, até mesmo de profissionais altamente
qualificados, quando posteriormente são tratados como seres inferiores. Esse
fato apresentava-se na decodificação dos funcionários, de três formas: 1)
traição premeditada - que não resistia à lógica laboral, em que muitos dos
superiores transformada em caricaturas do mal - os demitia nas primeiras fases
da reestruturação das empresas (reengenharia funcional) haviam sido demitidos
em fases posteriores. Baseia-se no conhecimento factual da empresa; 2) Busca de
forças externas para culpar - as pessoas da pós-modernidade não queriam deixar
traços pelos quais pudessem ser responsabilizados, buscando na concorrência de
mão-de-obra estrangeira ou não, de igual ou superior potencial de qualificação,
que recebiam salários menores a solução de sua demissões, meros processos de
vitimização. Baseia-se no progresso tecnológico e no seu senso de qualidade
profissional. E, finalmente, e mais correto; 3) Acreditava-se mais nas
corporações do que neles mesmos - as pessoas começaram a falar do que poderiam
e deveriam ter feito pessoalmente antes em de suas carreiras para prevenir as
demissões. Baseia-se no princípio de sermos autores de nossas próprias vidas,
e, não apensa de meros coadjuvantes.
Um ser maleável, uma colagem de fragmentos em incessante virem a ser, sempre
aberto a novas experiências, essa tem que ser a personalidade dos agentes
econômicos que querem continuar no mercado, segundo Sennett, além de conviver
com sucessivos fracassos que necessitam constantemente de estruturas de caráter
Somente
O fracasso que é abordado no capítulo corrompe o corpo, a alma e o caráter dos
indivíduos. Chega-se, ao ponto de que para alcançar o sucesso, somente será
possível em uma realidade virtual, idealizada; nunca em uma vida real regada das
ideologias neoliberais da pós-modernidade e fortalecida pelas alienações
humanas.
No último capítulo do
livro, Sennett explana acerca das duas versões do pronome pessoal reto
"nós" dentro do capitalismo flexível.
Segundo o autor, um
lugar se torna uma comunidade quando as pessoas usam o pronome "nós",
enfatizando uma das conseqüências não pretendidas do capitalismo moderno, o
fortalecimento do valor do lugar, despertando o anseio de comunidade. Contudo,
rejeita-se imigrantes e outros povos marginais, tratando-os como parasitas
sociais tantos na região anglo-saxônica como na européia, que pode ser mostrado
em uma alusão a Montesquieu
"o
comércio...lustra e suaviza modos bárbaros" (p. 168).
O 'nós' é fundamental para as transações
comerciais, que sem necessidade do outro, não há troca, contudo a vergonha da
dependência tem uma conseqüência de corroer a confiança, o compromisso e a
responsabilidade mútua. Quanto mais vergonhoso nosso senso de dependência, mais
inclinados estamos à raiva dos humilhados, irradiando desconfiança. Nesse
contexto o "nós" será o individualismo metodológico de uma
comunidade, somente, trocando o elemento isolado do indivíduo pela comunidade.
Pode-se perceber que o
trabalho em equipe do capitalismo flexível não reconhece diferenças em
privilégio ou poder, e por isso é uma relação fraca de comunidade, já que
fortes laços entre as pessoas significam enfrentar com o tempo suas diferenças
e não se tornar um bloco sólido, mas que em compensação estará oco e vazio por
existirem apenas semelhanças. É necessária a constante fidelidade em si, para
não deixar ser corrompido pelas armadilhas do "ter", bem como a
mutabilidade da manutenção em si, já que nossas circunstâncias mudam e nossa
experiência se acumula. Então, o "nós" habita confortavelmente
a desordem econômica, mas teme-se o confronto organizado, principalmente,
focado no ressurgimento dos sindicatos, em um momento que o "nós"
poderia ressurgir o sentimento de coletivo, de público em detrimento do
privado. .
Conclusão
Richard Sennett
nos mostra como o capitalismo flexível é devastador. Tão nocivo que consegue
destruir um pronome que indica união, compreensão e sabedoria; para se entregar
ao individualismo, cuja ética renega valores que não signifiquem facilitar a
acumulação do dinheiro de maneira compulsiva, corrompendo o caráter do
individuo, os laços que nos tornam realmente fortes, a família, as
instituições, os relacionamentos de amizade e solidariedade, a essência boa que
deve permear nossas vidas. Podemos criar formas inéditas para avaliar o bem que
nos convêm, e por que não?Diante desta quase ausência de valores, da falta de
lealdade e de compromisso mútuo, se avalia a força e a fraqueza de cada um.
Fraqueza que não é sinônimo de fracasso, "fracasso" que não deva
significar motivo de luta, de levantar-se com dignidade, tendo ciência que a
fraqueza é inerente ao ser humano em etapas de sua existência, mas pode e deve
ser encarada como mola propulsora, não exatamente ao sucesso como obrigação,
mas ao sucesso como resultado de um sonho que não necessariamente signifique
resultado econômico ou poder.
Autor: Rosany Mary Souza
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