Artigo: A natureza jurídica dos Tribunais de Contas e a necessidade de sua extinção



Artigo: A natureza jurídica dos Tribunais de Contas e a necessidade de sua extinção

Roberto Ramalho é advogado, jornalista, blogueiro e servidor público estadual

O Tribunal de Contas é a instituição suprema de fiscalização e controle de dinheiro e verbas públicas.

A Constituição Federal de 1988, atribuiu a esse Órgão de ficalização amplos poderes.

Podemos definí-lo como a entidade máxima responsável pela fiscalização externa e auditoria da utilização e gestão de dinheiro e valores públicos, independentemente de quem os utiliza ou deles se beneficia.

Assim sendo, sua configuração institucional permite se pronunciar sobre a legalidade, a economicidade, a eficiência e a eficácia da gestão públicas, assim como no que diz respeito bem como a agir no controle interno.

Dessa forma, não objetiva, assim, fazer apreciações de índole política sobre as opções tomadas pelos Governos, mas sim de proceder à avaliação técnica e económica sobre o modo como o dinheiro público, proveniente das receitas cobradas aos contribuintes, é utilizado e aplicado pelo bem da coletividade.

Além da função de controle financeiro, o Tribunal de Contas possui em exclusividade a competência jurisdicional para julgar infrações financeiras que envolvam dinheiro ou verbas públicas.

O Tribunal de Contas de Alagoas, tem sede na cidade de Maceió, Alagoas, e é formada por sete Conselheiros, escolhidos por critérios hoje duvidosos, notadamente de deputados oriundo da Assembléia Legislativa de Alagoas, e que em sua grande maioria não possui o conhecimento devido em matéria jurídica, finanças públicas, administração, legislação administrativa, constitucional, entre outras.

O Presidente do Tribunal de Contas é escolhido entre seus pares por voto secreto e é nomeado pelo governador do Estado de Alagoas.

Em consequência do princípio da separação de poderes, o Tribunal de Contas é totalmente independente, com autonomia administrativa, financeira e patrimonial próprias. Os seus Conselheiros são inamovíveis e responsáveis pelas suas decisões.

Franco Montoro, em sua obra Estudos de Filosofia do Direito, assinala que: “Não se trata, simplesmente, de receber passivamente os benefícios do progresso, mas de tomar parte nas decisões e no esforço para a sua realização. Em lugar de ser tratado como objeto das atenções paternalistas dos detentores do poder, o homem tem o direito de ser considerado pessoa consciente e responsável, capaz de ser sujeito e agente no processo do desenvolvimento”. (1)

A instituição do primeiro Tribunal de Contas no Brasil teve, a priori, como expoente, Felisberto Caldeira Brandt e José Inácio Borges, que apresentaram projeto de lei ao Senado Imperial com o escopo de estabelecer uma Corte de Contas que viesse a fiscalizar o dinheiro e o patrimônio púbicos.

No entanto, nos governo de Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto, esses poderes foram bastante diminuídos, surgindo, então, crescentes debates acerca desta temática que fizeram com que as discussões perdurassem por praticamente um século, dividindo-se em duas correntes antagônicas, a primeira defendia a necessidade de se implantar um Tribunal de Contas, a fim de que as contas públicas fossem devidamente analisadas por intermédio de um órgão independente, afastado de quaisquer percalços que obstaculizassem a consecução dessa atividade e, contrariamente, uma segunda corrente que sustentava a negação da criação de uma Corte de Contas, por entenderem que as contas públicas podiam continuar sendo controladas por aqueles mesmos que as realizavam.

Mas foi somente com o declínio do Império e o advento de reformas político-administrativas ocorridas no Brasil - República, que a instituição de um Tribunal de Contas amplamente se efetivou.

 

A iniciativa partiu do então Ministro da Fazendo Rui Barbosa, que por meio do Decreto nº 966-4, criou o Tribunal de Contas da União, constituindo-se por intermédio de características basilares como a autonomia, fiscalização, julgamento e vigilância.

Portanto, a decisão tomada pelo jurista Rui Barbosa, foi essencial rumo ao advento de uma Corte de Contas, vez que exerceu colossal influência para a definitiva concretização e presença deste órgão no corpo da primeira Constituição republicana brasileira, inscrevendo-o no seu artigo 89.

Assim sendo, originariamente o Tribunal de Contas teve competência para exame, revisão e julgamento de todas as operações relacionadas com a receita e a despesa da União, ademais, a fiscalização se fazia pelo sistema de registro prévio. Portanto, a Constituição de 1891 institucionalizou o Tribunal e conferiu-lhe competências para liquidar as contas da receita e da despesa, bem como verificar a sua legalidade antes de serem prestadas ao Congresso Nacional. O decreto n. 966-A, de 7 de novembro de 1890, da lavra de Rui Barbosa, inspirou a inserção desse órgão de contas no texto constitucional (art. 89 da Lei Magna de 1891). E por sua iniciativa que passou a existir daí em diante o Tribunal de Contas, que está presente em todas as Constituições federais (2).

Importante relembrar os ensinamentos do jurista Manoel Gonçalves, que, em poucas linhas, traduz a razão de ser da Corte de Contas:

“A existência de um órgão especializado que fiscalize a realização do orçamento e a aplicação do dinheiro público pelas autoridades que o despendem, é necessidade de há muito sentida, no Brasil e fora dele. Entre nós, já no Império, tentou-se implantar um órgão com essas funções”. (3).

A professora Samantha Meyer, em seus apontamentos de aula, explana que “o Tribunal de Contas é órgão auxiliar e de orientação do Poder Legislativo, embora a ele não subordinado, praticando atos de natureza administrativa, concernentes, basicamente à fiscalização”. Conquanto o Tribunal de Contas não integre o elenco de órgãos do Poder Judiciário, há muito, de fato, já assinalava Seabra Fagundes que: Inobstante isso, o artigo 71, § 4º, lhe confia o julgamento da regularidade das contas dos administradores e demais responsáveis por bens ou dinheiros públicos, o que implica investi-lo no parcial exercício da função judicante. Não bem pelo emprego da palavra julgamento, mas sim pelo sentido definitivo da manifestação da corte, pois se a regularidade das contas pudesse dar lugar à nova apreciação pelo Poder Judiciário, o seu pronunciamento resultaria em mero e inútil formalismo. Sob esse aspecto restrito (o criminal fica à Justiça da União), a Corte de Contas decide conclusivamente. Os órgãos do Poder Judiciário carecem de jurisdição para examiná-lo. (5).

O silogismo fundamental para a correta equação assenta-se nas seguintes premissas:

1) a separação das funções legislativa, administrativa e judiciária não é absoluta, nem é restrita aos órgãos do respectivo Poder. Verifica-se torrencial exemplificação na própria Constituição Federal:

Poder Executivo – exerce funções legislativas quando se lhe comente a iniciativa de leis (art. 84, III) ou editar medidas provisórias, com força de lei (art. 84, XXVI), sancionar, promulgar e vetar leis (artigo 84, IV), e também funções judiciais, como comutar penas e conceder indulto (artigo 84, XII);

Poder Legislativo – além das funções legislativas, constitucionalmente lhe foi deferida competência judiciária para processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República e outras autoridades (artigo 52, I e II) e funções administrativas, como a de dispor sobre sua organização (art. 51, IV);

Poder Judiciário – foi-lhe conferida à competência administrativa de organizar suas secretarias (art. 96, I, b), e legislativa, para propor leis (art. 96, II) ou declarar a inconstitucionalidade de leis (artigos 97 e 102, I, a) e impor a sentença normativa em dissídio coletivo (artigo 114, § 2º).

A situação de que o modelo jurídico estabelecido pela Constituição Federal de 1988 determina a organização, composição e atribuições fiscalizadoras aos tribunais de contas dos estados, municípios e Distrito Federal é reconhecida e proclamada pelo STF, entendendo que os requisitos para nomeação dos membros do Tribunal de Contas da União, inscritos no artigo 73, § 1o, da Constituição Federal de 1988, devem ser reproduzidos obrigatoriamente, na Constituição dos Estados-membros, porque são requisitos que deverão ser observados na nomeação dos conselheiros dos Tribunais de Contas dos Estados e Conselhos de Contas dos municípios. (6).

Pela necessidade imperante de obediência à Constituição Federal de 1988, e a simetrização tendo como paradigma o Tribunal de Contas da União, os tribunais de contas dos estados e do Distrito Federal terão suas atribuições determinadas em lei específica estabelecendo o regimento interno de cada um.

Assim sendo, tais órgãos devem se constituir com sete conselheiros, correspondentes aos ministros do Tribunal de Contas da União, por disposição do artigo 7º da Constituição Federal de 1988, e cada um deles serão escolhidos pelo Governador do Estado e pela Assembléia Legislativa respectiva, bem como pelo Governador do Distrito Federal e pela Câmara Legislativa do Distrito Federal, e terão as mesmas garantias e prerrogativas, impedimentos, vencimentos e vantagens dos desembargadores do Tribunal de Justiça do respectivo estado ou Distrito Federal.

Todas as disposições constitucionais relativas ao Tribunal de Contas da União aplicam-se à organização, composição e fiscalização dos tribunais de contas dos estados e do Distrito Federal, como ensina Bandeira de Mello. (7).

Os tribunais de contas estaduais exercem o controle financeiro sobre a administração pública estadual e elaboram o parecer quanto às contas das respectivas Assembléias Legislativas, o que uma total incoerência, já que o referido órgão está subordinado ao poder legislativo.

Concluindo, pode-se afirmar que, o controle externo exercido tem o alcance de fiscalizar as contas anuais prestadas pelo governador, emitir parecer prévio e julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiro, bens e valores da administração direta e indireta e que estejam sob sua responsabilidade. Também estão incluídas as fundações e sociedades instituídas ou mantidas pelo poder público. No território do estado respectivo ou Distrito Federal compete ao Tribunal de Contas do Estado apreciar, também, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de pessoal da administração direta e indireta.

Todas as disposições constitucionais relativas ao Tribunal de Contas da União aplicam-se à organização, composição e fiscalização dos tribunais de contas dos estados e do Distrito Federal, de acordo com o ensinamento de Bandeira de Mello. (8).

Embora se tenha observado o extraordinário leque de competências e atribuições dos Tribunais de Contas, sua utilidade nos dias atuais é bastante duvidosa.

Em todo o Brasil e particularmente em Alagoas, o Tribunal de Contas constituiu-se num cabide de empregos para deputados estaduais e na nomeação de pessoas sem nenhuma ou pouca formação para ocupar cargos comissionados.

Além disso, a maioria é de despreparados e desqualificados, e mesmo com alguma formação superior, praticamente não sabem nada ou muito pouco.

Com o advento da lei da Ficha Limpa, provavelmente haverá dificuldades na nomeação desse pessoal, uma vez que será necessária a comprovação de que uma pessoa para exercer cargo ou função pública, não responda a nenhum processo por desvio de verbas, tenha praticado peculato ou improbidade administrativa.

Outro instrumento importante no combate a essas mazelas é o advento da lei da informação, que na minha modesta opinião, serve não somente para pedir informações e documentos referentes à sua vida pública, como, também, para quem exerce cargo ou função pública que o cidadão e contribuinte têm direito de saber, em razão de se buscar um “estado” eficiente, e que tenha por objetivo o bem-estar da coletividade.

Referências Bibliográficas

  1. MONTORO, Franco. Estudos de filosofia do direito. 2ª Edição, São Paulo: Saraiva 1995, p. 228.
  2. BRASIL. Tribunal de Contas da União. Disponível em: . Acesso em: 2 out. 2006.
  3.  FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 19ª Ed. São Paulo: Saraiva, 1992. p. 137.
  4. 4. PFLUG, Samantha Meyer. Apontamentos de aula, p. 21.
  5. FAGUNDES, Seabra. O controle dos atos administrativos pelo poder judiciário. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense. p. 142; o texto refere-se a artigos da Constituição de 1946, mas é atual, porque a CF/88 repete a expressão “julgar” e continua não elencando o Tribunal de Contas entre os órgãos do Poder Judiciário.
  6. ADIN 793-RO, RTJ 163/52.
  7. Cf. MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo.
  8. Cf. MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. op. cit. p. 802.

 

 


Autor: Roberto Jorge Ramalho Cavalcanti


Artigos Relacionados


Tribunal De Contas Estadual E O Julgamento Das Contas Do Prefeito Ordenador De Despesas

O Tribunal De Contas Da União E Dos Estados Da Federação

A Clássica Questão De Quem Controla O Controlador

Artigo: Dos Tribunais De Contas.

Fiscalização Não-jurisdicional (breve Análise)

A Lrf E Os Tribunais De Contas

José Graciosa Vota Por Multa A Ex-prefeito Que Não Respondeu Sobre Irregularidades Na Tesouraria De Armação De Búzios