Quer se encontrar comigo?



Quer se encontrar comigo?

 

Naquele final de tarde, enquanto o pôr-do-sol se despedia, Raquel continuava na catacumba abandonada, pacata, suja, assustadora, onde só os mortos conseguem dormir profundamente. Ela gritava desesperadamente, quase não sabia como se comportar naquele exato momento, pois ora batia com bastante força na portinhola, ora pedia ajuda na intensidade de uma guitarra velha desafinada. Coitada já estava inerte com todas as cordas vocais oxidadas, havia tempo que não comia ou bebia algo.

- Como fui tola em acreditar naquele psicopata Ricardo! Por que eu não pensei antes de aceitar aquele maldito encontro? ... E logo no cemitério. – falou ela para si mesma em voz baixa e arrependida

Raquel estava com muita raiva e com desgosto de Ricardo. Como podia um indivíduo fazer aquilo? Claro que ia ter vingança, seja qual fosse o preço, aquilo não ia ficar assim! Ela já estava naquela tortura fazia uma hora, quase desmaiando, quando ouviu barulhos estranhos parecidos com sons de trovões que se propagam no horizonte, e também ouviu vozes. Todos esses tumultos ocorreram para quem tem ouvidos atentos, uma vez que estava no subsolo.

Esses barulhos foram consequências de duas crianças que estavam dentro do cemitério procurando por uma bola, que antes estava sendo usada para a diversão deles. Felipe, um dos garotos, falou para o colega:

- Veja, Romão, a bola de futebol onde está!

- Onde?

- Está em cima da catacumba! Não havia outro lugar melhor para ficar?

- Felipe, acho melhor não chegarmos perto daquela sepultura, porque pode ser aterrorizante... Por mim não iremos!

Quando Felipe e Romão decidiram evadir-se da casa dos mortos, e também não mais pegar a bola, eles ouviram pedidos de socorros, ajuda, além de palavras altamente suplicantes. Era a pobre moça Raquel, talvez naquele momento criou-se mais esperança, pois a sua vida estava pelo subsolo, uma vez que corria o risco de ninguém passear por aquele local.

- Socorro! Socorro! Alguém pode me ajudar a sair daqui? Estou trancada aqui na catacumba, por favor, alguém que esteja por perto venha me ajudar a sair daqui, não aguento mais ficar neste local, já sofri demais por causa daquele infeliz do Ricardo! - suplicava Raquel desesperada e esperançosa

Felipe e Romão resolveram chamar Pedro, um garoto bastante corajoso e o mais velho entre eles, além disso, ele gostava de aventuras e de ajudar as pessoas. Perto da portinhola, existia uma barra de ferro que se encontrava no solo, que era coberto por areias e folhas desertas. Pedro e seus colegas pegaram a barra, que era grande e resistente, então, eles a colocaram entre a grade e a forçaram até abrir um espaço suficiente para que Raquel pudesse escapar.

Depois disso, Raquel conseguiu sair daquele cubículo, no entanto, aparentava exausta, decepcionada, aterrorizada... Mal podia falar, pois já estava sem forças, perdera todas as energias do seu corpo, entretanto agradeceu aos garotos:

- Muito obrigada por terem me ajudado, estou muito grata a vocês!

- Por nada! Mas... Você está bem?

- “Estou bem sim”, apenas... Preciso ir.

Raquel, depois de ter conversado com os garotos, saiu distraidamente com a visão quase escura a caminho da sua casa, desceu aquela tortuosa ladeira observando as pobres casas do vilarejo, que iam ficando cada vez menos rareadas, como também as crianças barulhentas na rua. Enquanto caminhava, chamava bastante atenção dos moradores, pois estava muito suja, andava titubeando, seu olhar falava algo aterrorizante de forma subliminar, o brilho do seu luxo, da beleza, do sorriso... Já perdera o encanto, não brilhava mais como antes.

Quando ela chegou a casa, foi logo tomar banho no seu banheiro superluxuoso, com direito a tudo que uma mulher amada por um rico pode ter: banheira de hidromassagem com pétalas de orquídeas; toalhas de algodão finíssimo; sabonete líquido à base de frutas... Enquanto tomava banho nas águas minerais filtradas, ela estava pensativa, e também relembrando aquele encontro, tudo o que Ricardo fizera. Isso só fazia com que aumentasse ainda mais a fúria dela, pois cada momento de sofrimento que lembrava, com mais raiva Raquel ficava. Como podia? Ainda não estaria acreditando naquilo? O que ela faria para se vingar? Qual seria seu plano?

Ainda no banho, ela acendeu um cigarro importado e, em seguida, ligou para o seu esposo Augusto Telles, um indivíduo rico e ciumento:

- Oi amor! Tudo bem, Augusto? 

- Tudo sim! E como você está?

- Foi por isso que te liguei... O psicopata do Ricardo estava querendo marcar encontro comigo, falei a ele que já estava comprometida, mas nesse momento ele falou que iria te matar para ficar comigo, e depois que recusei o convite, o psicopata disse que me incluiria também na lista de morte.

- Não sei o que falar! Estou sem palavras para esta situação, mas fique tranquila, próxima semana, quando chegar de viagem, iremos resolver esse problema. Já não gostava muito dele, com um dessas...

 - O que você vai fazer com ele depois de tudo isso?

- O que você quer que eu faça? Sou capaz de fazer qualquer coisa!

- Então... Você pode mandar alguém assassinar ele?

- Você disse: assassinar?

- É...

- Claro que sim! Mas sou muito homem ao ponto de não mandar ninguém fazer isso; deixa que eu mesmo irei matá-lo.

- Não vejo a hora de isso acontecer. Aquele drogado agora vai ter um fim...

- Com certeza! Pode esperar em meu nome, eu te prometo! Quero experimentar uma nova arma que comprei aqui em Portugal.

- Então está combinado... Vou ligar para o otário pela última vez para marcar o encontro da morte dele. E tem que ser aqui em casa não é? Assim podemos cobrir provas e não haverá testemunhas para supostos...

- O ideal seria que eu estivesse na casa escondido. Então, quando você desse o sinal avisando, eu mataria aquele vagabundo.

- Está bom, meu amor eterno! Será um favor! Você não imagina o quanto estou contente! E já estou morrendo de saudades de você!

- Também, minha Raquel! Tchau!

- Tchau, Augusto! Beijos!

 Depois que Raquel ligou para o seu companheiro, aparentava muito feliz por saber que sua vingança estava prestes a acontecer, e que sua farsa estaria dando certo. O Ricardo agora iria morrer! Ele pagaria tudo que fez, seu dia estaria marcado. Agora o que bastava, era ela ligar para Ricardo, marcar o encontro e esperar o dia mais feliz dela.

- Olá, Ricardo! Tudo bem?

- Alô! Quem está falando?... Raquel?

- Sim, é ela mesma!

- E... Você não morreu?

- Claro que não! Liguei porque gostaria de marcarmos uma conversa entre nós dois.

- Mas... Não estou entendo. Conversar o quê?

- Poderíamos marcar para a próxima semana, pois tenho várias notícias boas, tenho certeza que você iria gostar!

- Quais são as notícias? Me fala!

- Sabe quando você me trancou na catacumba, que nem da sua família era, aquilo só me ajudou, você nem imagina, gostaria até de te agradecer...

- Sério! Não estou entendendo nada! Você está me deixando confuso e curioso.

- Você pode vir na minha casa próxima semana?

- Não sei se posso fazer isso! Mas... E o seu esposo?

- Essa é uma das coisas que queria conversar com você nesse encontro, amor... Se você for vir, não venha acompanhado, você sabe não é? Mais tarde...

- Sendo assim, eu vou...! Próxima semana então?

- Sim, sim, próxima semana na... horas... Não esqueça, na minha casa!

- Não vou esquecer. Também gostaria de conversar com você, pedir desculpas pelo que fiz...

- Então está marcado o nosso encontro! Tchau, Ricardo!

- Tchau, meu anjo!

Raquel agora estava mais aliviada, pois sabia que a vingança estava cada vez mais próxima e o desaparecimento de Ricardo iria ser duradouro, para sempre. Então, ela vai à sala, senta no seu sofá altamente confortável, acende um cigarro, toma seu drink... Com a luz de baixa luminosidade, som ambiente, ela comemora seus planos da morte de Ricardo, o drogado, o psicopata, alguém que veio ao mundo de atrevido.

No dia do encontro com Ricardo e, consequentemente, da chegada de Augusto Telles, ela acordou cedo para tomar café. Quando ela foi escovar os dentes no banheiro que se viu no espelho, ao redor dos olhos dela estavam cheias de ruguinhas. Nesse dia, ela arrumou toda a casa, não só para ser a cena da morte de Ricardo como também para demonstrar que fazia algo na casa a não ser aproveitar e usufruir.

De repente, a campainha toca. Quem será? Ricardo chegou primeiro que o esposo? Ela foi abrir a porta, era Augusto Telles que acabara de chegar de Portugal, como combinado. Como ele já sabia do encontro, foi logo subindo a escada em direção ao quarto deixar as bolsas... E se preparar para executar Ricardo. Antes disso, Augusto repara a arma de fogo, preenche-a completamente de balas, desce a escada a caminho de um porão na casa e fala em voz baixa para ela:

- Raquel, estou preparado! Assim que você der o sinal, poderei matá-lo.

De novo a campainha toca. E agora? Ricardo chegou? Telles já está prontíssimo para executá-lo. Raquel foi abrir a porta, enquanto o esposo ficava escondido no porão, que era próximo à sala de estar, olhando e escutando atentamente. Quando ela abriu a porta, realmente era o Ricardo, ela ficou surpresa, pois acreditava que ele viesse, porém havia as suas dúvidas. Nesse momento, o infeliz do Ricardo foi logo se desculpando pelo que fizera.

- Me desculpe por eu ter trancado na catacumba. Nem sei por que fomos para o cemitério...

- Mas, Ricardo... – falou Raquel tentando impedir a conversa do psicopata

Raquel, nesse momento, ficou nervosa, pois Augusto estava ouvindo tudo o que Ricardo falava, e em versão diferente. O esposo de Raquel começa a ficar furioso, pois tudo fazia por ela, e estava percebendo que ela mentira para ele. Raquel então percebeu que era o momento de dar sinal ao esposo, para que o matasse, antes que Ricardo falasse mais sobre aquele encontro dos dois.

Quando Raquel deu-lhe o sinal que pudesse executá-lo, ela saiu assustada, nessa hora Augusto Telles atirou em Ricardo que veio a óbito quase simultaneamente, uma vez que o acertou no peito, e logo em seguida, desesperadamente, também mata Raquel, que morre com um tiro no abdômen. Augusto, ao ver aquela cena, não suportou, pois era triste e aterrorizante. Ele começou chorar e sentir-se culpado de tudo aquilo, isso o levou ao suicídio alguns minutos depois da morte de Raquel. Augusto Telles suicidou-se com um tiro na boca, e ao redor dos olhos, também estavam as ruguinhas. 

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Autor: Francisco Erivan De Almeida Júnior


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