A desapropriação em face da função social da propriedade



1 Introdução

 

O art. 170 da Constituição Federal reconhece a propriedade privada e a função social da propriedade como princípios norteadores da ordem econômica, em conformidade com o previsto no art. 5°, incisos XXII e XXIII da CF, que consagra os referidos institutos como direitos fundamentais do cidadão.

O reconhecimento constitucional de tais princípios é dado da seguinte forma:

 

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

(...) II - propriedade privada;

III - função social da propriedade; (...). (BRASIL, 1988).

 

            O instituto da propriedade está previsto no art. 1228 do Código Civil e, de acordo com Nelson Rosenvald, entende-se como propriedade o direito real por excelência, em torno do qual gravita o direito das coisas, garantindo ao proprietário as faculdades de usar, gozar, dispor e reivindicar a coisa que lhe serve de objeto. Referido instituto tem como principais atributos a exclusividade, posto que a mesma coisa não pode pertencer com exclusividade e simultaneamente a duas ou mais pessoas, em idêntico lapso temporal; a perpetuidade, uma vez que a propriedade tem duração ilimitada, subsistindo independente do exercício de seu titular, sendo transmitida por direito hereditário aos sucessores; e a elasticidade e consolidação, tendo em vista que esse direito subjetivo abrange um complexo de faculdades, que não sofrerá cisão se uma delas for temporariamente desmembrada do conjunto, prevalecendo sua unidade.

            A função social da propriedade permite o real reconhecimento e garantia do direito de propriedade. Esse princípio corresponde à adequada utilização dos bens visando atender um interesse social, ainda que esse não coincida com o interesse do seu proprietário. Dessa forma, o uso da coisa deve estar condicionado ao bem-estar da sociedade.

            Verifica-se, portanto, que a propriedade não pode ser considerada como um direito puramente privado, mas também como elemento da ordem econômica.

Nas palavras de André Ramos Tavares, a ordem econômica, na qual se insere expressamente a propriedade, tem como finalidade “assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social” (caput do art. 170), além da referência específica ao necessário cumprimento da função social por parte de toda e qualquer propriedade. (TAVARES, 2011, p. 151).

 

2 Desenvolvimento

 

Apesar de o direito de propriedade ser um direito vitalício do proprietário, pode o Poder Público transferir para si, de forma compulsória, observadas as condições jurídicas de utilidade pública, de necessidade pública, ou de interesse social, a propriedade de terceiro.

A Constituição do Império de 1824 estabeleceu que essa transferência deveria ser indenizada ao proprietário, passando a Constituição de 1934 a exigir, ainda, que essa se desse de forma justa e prévia. A Constituição Federal de 1988 corroborou tais determinações em seu art.5°, inciso XXIV.

A indenização do imóvel desapropriado deve ser feita em dinheiro, salvo as exceções constitucionais de pagamento em títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, no caso de área urbana não edificada, subutilizada ou não utilizada, e de pagamento em títulos da dívida agrária, no caso de reforma agrária.

A desapropriação é considerada como forma originária de aquisição de propriedade, cuja efetivação se dá através de um processo administrativo. De acordo com André Ramos Tavares (2011), a desapropriação:

 

(...) está calcada na previsão constitucional da função social da propriedade e, ademais, à necessidade de desenvolvimento do país. (TAVARES, 2011, p.165).

 

A desapropriação pode se dar por interesse do Poder Público, em razão da necessidade ou utilidade pública, ou por interesse da coletividade, em função do interesse social, como ocorre na reforma agrária.

Existe, ainda, a figura da desapropriação-sanção, que passou a ser regulamentada no início da Ditadura Militar. Referido instituto está previsto no art.182, §4°, III da CR, que possui a seguinte redação:

 

§ 4º - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:

(...) III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais. (BRASIL, 1988).

 

            A desapropriação-sanção é aplicada àquele que não dá à sua propriedade uma função social, ou seja, não estando o imóvel em conformidade com o estabelecido pelo plano diretor - responsável pela fixação de diretrizes econômicas da cidade -, o Poder Público determinará a desapropriação do referido imóvel. Incide, portanto, sobre o solo urbano não edificado, subtilizado ou não utilizado.

            A desapropriação-sanção também se dá em imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, salvo se for pequena e média propriedade rural, assim definida em lei e o proprietário não possuir outra, conforme previsto no art. 185 da CF. O art. 184 da CR prevê a desapropriação para fins de reforma agrária, senão vejamos:

 

Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei. (BRASIL, 1988).

 

            Verifica-se que a desapropriação em imóvel rural, além de ser considerada uma sanção para aqueles que não derem a propriedade sua devida função social, também tem como finalidade o assentamento, visando uma maior produção no campo e justiça social.

 

3 Conclusão

 

A Constituição Federal dispõe que a propriedade atenderá a sua função social (art. 5º, XXIII), bem como determina que a ordem econômica deverá observar a função da propriedade, estabelecendo limites à atividade contrária ao interesse coletivo.

Dessa forma, embora a norma constitucional assegure o direito de propriedade ao cidadão, este deve estar condicionado ao desempenho da função social do bem, estabelecendo-se como eixo central desse direito a coletividade, e não mais o indivíduo. Passou-se a priorizar, portanto, o interesse da coletividade em detrimento de interesses particulares.

Assim, o direito à propriedade, permanece plenamente garantido ao indivíduo, desde que a função social da propriedade seja satisfeita.

A desapropriação é, portanto, nos casos em que é estabelecida como sanção, meio de busca a concretização do desenvolvimento urbano, posto deve-se exigir do proprietário o atendimento às normas urbanísticas e ambientais pertinentes.

Ademais, no que tange a desapropriação-sanção de imóveis rurais, faz-se essa necessária uma vez que a reforma agrária é objeto indispensável para que o país construa uma sociedade livre, justa e solidária.

 

Referências Bibliográficas

ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito administrativo descomplicado. 19. ed, São Paulo: Método, 2011.

 

CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. Disponível em: . Acesso em: 30 mai. 2012.

 

ROSENVALD, Nelson. Direitos reais: teoria e questões. 2. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2003.

 

TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. 3. ed. São Paulo: Método, 2011.

 


Autor: Bárbara Araújo Barbosa


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