Guilherme de Ockham



Guilherme de Ockham

Guilherme de Ockham, (assim chamado no Brasil) nasceu, provavelmente, entre 1285 e 1290, no vilarejo de Ockham, no condado de Surrey, a 20 milhas de Londres. Entrou jovem na ordem franciscana e estudou em Oxford, universidade na qual se tornou bacharel sentenciário entre 1318 e 1319. Nunca pôde lecionar como mestre, apesar de passar cerca de 4 anos esperando uma vaga. Em 1324 é acusado de escrever textos “perigosos”. Perseguido e excomungado, Ockham fica sob a guarda de Luis da Baviera até a morte deste em 1347. Pouco tempo depois, morre ele próprio, em 1349, do mal da peste negra que arrasou Munique.
Comentador de Aristóteles, Ockham desenvolveu um método interpretativo baseado na argumentação lógica, focando nas estruturas conceituais do texto comentado. Este é totalmente fragmentado e reformulado com ajuda de uma bateria de regras lógico-linguísticas, o que seria bem difundido e até hoje o é, correntemente, em países anglo-saxões.
Há muito tempo tenta-se encaixar Ockham em alguma categoria filosófica, mas as características de seu pensamento são bem diversificados: ele visa uma brusca redução ontológica, adotando a lógica como um dos princípios básicos de seu pensamento, além de ter um caráter naturalista, no sentido em que “as únicas relações admissíveis são, para ele, as que unem entre si os objetos naturais do mundo natural: proximidade ou afastamento temporal, causalidade, semelhança, etc” (LIBERA, 2004).
Ockham apresenta características empiristas e antiplatônicas, usando-se de um realismo gnosiológico (quando o real é acessível e diretamente cogniscível) e de antirrealismo ontológico (que defende a existência de cosias universais), centrando seus ataques naquilo que ele acha ser a tese central realista: a assimilação do universal a uma coisa extramental.
É basicamente semântica a tese ockhamiana, agregando teoria da referência, semiótica e psicologia cognitiva, assim o universal não é uma coisa, e sim um conceito, que não é apenas conteúdo “objetivo”, mas um ato conceitual, referencial, que remete a uma pluralidade de objetos singulares. O conceito é um “acidente mental” que mantém uma relação de similaridade com o que ele representa. Assim, conceitos são signos naturais. Um signo natural faz remeter-se a uma infinidade de coisas, que são possuidoras, concomitantemente, do significado do signo, apesar de resem coisas diferentes. Cada uma dessas coisas existentes na linguagem mental é antescendente à linguagem vocal e à linguagem escrita.

A Obra

Costuma-se agrupar os escritos de Ockham em duas divisões, sendo a primeira composta por seus escritos filosóficos e teológicos e a segunda composta por escritos polêmicos, que iam contra a autoridade e o poder do Papa. Seguem suas obras em ordem cronológica de escritura.

Obras Teólogo-Filosóficas

. Questio super Bibliam
. Exposito in librum Porhyrii de praedicamentis, in librum praedicametorum Aristotelis, in librum perihermeneias Aristotelis, super libros elenchorum
. Expositio em libros physiorum Aristotelis
. Summula philosophiae naturalis
. Scriptum in librum primum Sententiarum
. Quaestiosnes in librum secundum, tertium et quartum Sententiarum-Reportatio
. Summa logicae
.Quodlibeta septem
. Tractatus de quantitate; Tractatus de corpore Christi
. Quaestiones in libros physiorum Aristotelis
. Tractatus de praedestinatione et de praescientia Dei respectum futurorum contingentium

Dentre as obras tóloo-filosóficas, há algumas que não são comprovadamente da autoria de Guilherme de Ockham. São elas:

. Quaestio de relatione
. Tractatus minor
. Elementarium logicae
. Tractatus de principiis theologiae
. Centiloquium theologicum
. Tractatus de successivis
. De puncto, de negatione
. De indivisilibus
. De quantitate in se
. Quaestiones disputatae

Obras Polêmico-Políticas

. Allegationes religiosorum virorum
. Opus nonaginta dierum
. Dialogus, prima pars
. Epistola ad frates minores in capitulo apud assirium congregatos
. De dogmatibus papae Johannis XXII
. Tractatus contra Johannis XXII
.Tractatum contra benedictum XII
. Compendium errorum papae Johannis XXII
. Allegationes de potestate papae
. An princeps
. Dialogus, pars tertia
. Breviloquium de potestate papae
. Octo quaestiones
. Tractatus de jurisdictione imperatores in causis matrimonialibus
. De imperatorum et pontificum potestate
. De electione Caroli quarti

A lógica

Apesar de não definir “lógica” diretamente, Ockham a caracteriza e mostra sua importância, e baseia todo seu pensamento na lógica. Esta é definida em 3 partes: termos, proposições e raciocínio.
A lógica é uma “ciência dos entes de razão”, que resulta de vários hábitos mentais, É uma ciência que foca nos fatos reais; reais por seus significados, enquanto possuam valor simbólico e enquanto indicarem algo.
Na lógica, o “termo” é a base dos estudos, tendo seus valor e natureza analisados, para que possa ser utilizado na construção de sistemas que tentem exprimir verdades.
A lógica é uma ciência ostensiva, que indica “como é que uma coisa pode ser feita, uma vez que se decidiu que ela será feita” (GHISALBERTI, 1997).

Os Termos

Um “termo” é um sinal repleto de significado, que “chama à mente os objetos”. Os nomes instituídos para remeter às coisas cotidianas são termos, que substituem as próprias coisas no ato do discurso. Segundo Ockham, são termos também os sinais mentais, além dos signos linguísticos, apesar de os linguísticos serem apenas convenções e os mentais serem livre iniciativa humana, formados pelo encontro do intelecto com as coisas.
Ockham diz que os termos mentais antecedem os orais, e prova isso ao mostrar que não existe termo oral sem que haja antes um conceito, apesar de os dois significarem um objeto. Por exemplo, sabe-se o que é “bola”: uma esfera inflada. Se acabamos com o conceito “esfera inflada”, acabamos com o termo “bola”. Se trocamos o conceito de bola para “cubo vazio”, o termo “bola” remeterá a um cubo vazio, não a uma esfera inflada. Se tomarmos várias línguas, veremos que o conceito “bola” é definido oralmente por termos diferentes: ball é uma esfera inflada. Balle é uma esfera inflada. Pelota é uma esfera inflada. O termo oral foi mudado, mas o termo mental continua o mesmo, mostrando que o conceito (termo mental) é mais importante que o termo oral, seja ele escrito ou falado.
Os termos, mentais e orais, são sinais de coisas, basicamente, divididas em dois grandes grupos: categorimáticos e sincategorimáticos. Alessandro Ghisalberti (1997, p. 41) diz que estes são



termos que representam os constitutivos formais de uma proposição, no sentido que não lhe definem conteúdo, e sim a estrutura formal. Tomados em si mesmos, possuem um certo sentido, mas não possuem um significado verdadeiro ou próprio;

Aqueles [os categorimáticos] são termos muito diversificados, sendo que, dentro do grupo dos categorimáticos, há divisões, como os termos concretos, abstratos, absolutos, e conativos de primeira e de segunda imposição. Analisaremos os termos de distinções mais importantes para que se possa entender melhor a fundamentação ockhamista. Ghisalberti considera a distinção entre absoluto e conativo cruciais. Seguiremos sua linha de raciocínio.
O termo absoluto significa diretamente pelo título, exprime, de cara, o objeto, sem significar ao mesmo tempo outra coisa, direta ou indiretamente. “Livro” é um exemplo. O termo conativo significa algo, diretamente, mas pode significar outra coisa, indiretamente, ao mesmo tempo. “Azul”, por exemplo: pensa-se no azul abstraído, mas nunca se vê só o “azul”, sempre se vê um carro azul, uma parede azul, tinta azul, mas não o “azul”, apenas.
Uma segunda distinção a ser feita é entre os termos de primeira imposição e os de segunda imposição, sendo que aqueles são divididos em termos de primeira e segunda intenção. Antes, imposição é “o ato com o qual vem imposto um nome a um sujeito ou a um termo”. Comecemos pelos termos de segunda imposição. Nas palavras de Ghisalberti (1997)

São chamados de segunda imposição os termos inventados para indicar outros sinais convencionais, isto é, trata-se de nomes de nomes, resultantes de uma reconsideração dos termos já impostos às coisas.

Por exemplo, os termos referentes às classes gramaticais, como adjetivo, substantivo e conjunção são termos categorimáticos de segunda imposição.
Os termos de primeira imposição são os que se referem a somente a objetos, e não a outras palavras ou signos. São os termos que não são de segunda imposição.
Dividindo os termos de primeira imposição, temos os termos de primeira intenção e os de segunda intenção. Os primeiros são os termos que são signos naturais das coisas, como homem, mesa, cadeira. Os segundos são o contrário. São termos que significam conceitos ou intenções da mente, que são signos de signos naturais, como os termos universais.
Assim, chega-se à conclusão que Ockham pensa em três níveis de termos: no primeiro estão os objetos que são significados, mas não significam; no segundo estão os signos naturais, termos que significam os objetos; no terceiro estão os signos dos signos, termos que significam outros termos.

As Suposições
 
Ockham usa um tipo de suposição não muito comum àquela que se costuma pensar, e que será crucial para que expliquemos a verdade na visão ockhamiana. Primeiro, ele diz que existem três tipos de suposição: a pessoal, a simples e a material. Por suposição pessoal entendamos que seja uma suposição na qual funções significativas e próprias dos objetos, transcritos como termos, são conservadas. Vejamos: o gato mia. O gato come. Ambas são suposições pessoais por que gatos miam e comem, funções inerentes a tais sujeitos, e o termo “gato” pode se referir a qualquer gato, tanto ao gato da vizinha quanto ao gato da garota, contanto que sejam todos gatos, preservando o conceito “gato”. Por suposição simples entendamos que seja uma suposição na qual um termo deixa de ter significado próprio e passa a significar outras coisas, abarcando um universo maior que o que lhe é próprio, muitas vezes substituindo outros termos que estariam ocupando seu lugar de sentido primeiro. Vejamos: o homem é uma espécie. Neste caso, o termo “homem” não conservou seu sentido primeiro. Agora não designa um homem, como João ou Joaquim, e sim a humanidade. Por suposição material entendamos que seja uma suposição na qual o termo não designa nem uma realidade física nem um conceito, designando somente a si mesmo, auto afirmando-se ou auto explicando-se. Vejamos: elefante é uma palavra. Elefante tem oito letras.

A Verdade

A teoria da suposição de Ockham é usada, visivelmente e imponentemente, na construção da verdade ockhamiana. Diz ele que tanto a verdade quanto a falsidade não podem ser realidades distintas da própria proposição, mas devem, até, confundir-se com a própria proposição. Pode parecer um pouco estranha e confusa esta ideia, mas se levarmos em conta que as proposições (na visão nominalista) são jogos de sujeitos e predicados, podemos entender, como Ockham pretendia, que a verdade proposicional só existe quando sujeito e predicado supõem pela mesma coisa. Assim fica claro que Ockham não bebe da definição consensual comum de verdade, na qual há uma adequação “forçada” entre objetos, sujeitos e predicados.
Para mostrar que verdade e falsidade não fazem parte de diferentes realidades, Ockham diz que a ambas são confirmadas pelas hipóteses contrárias absurdas de suas proposições, e que se verdade e falsidade não fossem de uma mesma realidade, “haveriam de inerir à proposição tal como a brancura inere aos corpos” (GHISALBERTI, 1997, P. 49). Tanto a brancura não está intimamente ligada aos corpos, pois nem todos os corpos são obrigatoriamente brancos, quanto nem todas as proposições são obrigatoriamente verdadeiras ou falsas. Ockham chega a essa conclusão guiado por um pensamento de Aristóteles, no qual a capacidade de receber atributos contrários é exclusiva das substâncias.
Para se chegar a uma verdade, deve-se analisar a realidade¹ e a proposição. Serão verdadeiras aquelas que possuírem sujeito e predicado em ordem de concordância, de coincidência de significados, enquanto falsas serão aquelas que possuírem discordância entre sujeito e predicado. Vale ressaltar que, por serem termos de segunda intenção (que significam conceitos), verdadeiro e falso não podem tornar-se predicados de si mesmos.
Podemos usar um exemplo para simplificar o pensamento ockhamiano sobre verdade: “O gato (1) é um gato (2)” e “O gato (1) mia” são contingentes, pois se o gato (1) não miasse, ele não seria um gato (2), logo o gato (1) sujeito da primeira proposição não seria um gato (2) também, e estas proposições seriam falsas, pois afirmam algo que não faz sentido algum: no conceito “gato” está a característica “miar”, assim todos os gatos miam. Se se muda o conceito “gato” retirando a característica “miar”, aquilo que percebemos serem gatos, como o são na realidade, não seriam mais gatos, o que traz o caráter falso das afirmações.

Pode-se falar de necessidade só com referência a certas proposições negativas, as quais, exatamente porque são negativas, não implicam correspondência alguma com a realidade; e pelo fato de que seu contraditório é falso, segue-se que são necessariamente verdadeiras.

Referências Bibliográficas

GHISALBERTI, Alessandro; Guilherme de Ockham. Tradução de Luís A. de Boni. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1997. 314 p. Tradução de: Gugliermo de Ockham.

LIBERA, Alain de; A Filosofia Medieval. Tradução de Nicolás Nyimi Campário; Yvone Maria de Campos Teixeira da Silva. São Paulo: Edições Loyola, 2004. 532 p. Tradução de: La Philosophie Médiévale.


Download do artigo
Autor:


Artigos Relacionados


O Ter E O Ser Se Coadunam?

Melhor Animação - Oscar 2012

Resenha Do Livro ''escola Cidadã'' De Moacir Gadotti

Estudo Dos Logaritmos Parte 1

Uso Racional De Medicamentos

Eutanásia

O Que é Verdade?