Josué De Castro: Uma Vida Contra A Vergonha Da Fome
Os estudos de Josué de Castro eram uma firme denúncia às injustiças criadas pelo sistema capitalista em seus cinco séculos de existência. Sistema que ainda continua a privar multidões em todo o mundo do direito mais fundamental que é o de alimentar-se adequadamente.
Melhem Adas
Há cem anos, nascia Josué de Castro. Figura imprescindível, imortal! Suas marcas? Inteligência, honradez, caráter, desprendimento e realizações.
Seu fazer científico era profundamente dialético tendo por base facetas de nossa realidade. De "Geografia da Fome" até seus últimos trabalhos, conceitos geográficos estão presentes alicerçando análises que nos "espantam", que nos provocam e nos incitam a mudanças estruturais.
Das conhecidas cinco grandes áreas brasileiras esquematizadas em seus estudos, nada menos que três delas – amazônica, Nordeste açucareiro e sertão nordestino – são áreas de extrema miséria, áreas de fome.
O escândalo da fome é nódoa que nos acompanha faz muito tempo. A questão é que, além de se tentar impingi-la como algo natural, ela não passa de resultados predatórios, de conseqüência de um modelo de desenvolvimento marcado, acima de tudo, por explorações colonialistas.
Se isso não é verdade, pense na monocultura da cana-de-açúcar e no ciclo da borracha. Essencialmente, o foco econômico se voltava, é claro, para exportações. O resto que se dane.
Nada escapa a questões sociais, políticas e econômicas. Não há ingenuidades, menos ainda neutralidades nas construções humanas. Os interesses estão por toda parte, quase sempre latentes. Josué de Castro, como sabemos, foi achincalhado, esculhambado e censurado por fazer os silêncios falarem. Queriam que o mestre se ativesse apenas aos fenômenos de desnutrição e subalimentação; jamais penetrasse no problema fome.
Se alguns pontos de suas abordagens estão ultrapassados, a fome continua firme e implacável. Afinal, quase um bilhão de pessoas dormem, todas as noites, clamando por um prato de comida. Cerca de duzentos milhões são crianças, acometidas por doenças provenientes desse câncer moral (fome). Nos alerta Castro: "A fome não é um fenômeno natural e sim um produto artificial de conjunturas (estruturas) econômicas defeituosas: um produto de criação humana e, portanto, capaz de ser eliminada pela vontade criadora do homem".
Humanista de primeira grandeza, cientista engajado e educador progressista, Josué de Castro precisa ser levado aos brasileiros, principalmente aos jovens. Afinal, nessa época carregada de fetiches, em que nos deparamos com falsos intelectuais vomitando asneiras, em que tantos acabam sendo arrastados, conforme Charpak (prêmio Nobel de física), por gurus, mercadores da vingança, adoradores de lendas ou iluminados, uma voz como a do mestre pernambucano, plena de conhecimento, lucidez e ação esclarecedora, é absolutamente necessária. Ademais, a fome não continua um escândalo? Um crime ignominioso?
Autor: Ary Carlos Moura Cardoso
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