As escolhas da fundação Nobel



No mês de outubro, a Fundação Nobel divulgou a relação de laureados de 2007. A organização, que vem se consolidando internacionalmente desde 1901 por sua seriedade, não deixa de ser um porta-voz da comunidade científica internacional, dado o reconhecimento amplo do mérito das pessoas e instituições laureadas.

Neste ano, o Nobel de Física premiou um trabalho relativo à utilização do magnetismo no controle de fluxos elétricos em escalas nanométricas, e o de Química foi atribuído a um estudo de comportamento de compostos químicos em superfícies sólidas, ambos estudos de grande aplicabilidade. O Nobel de Medicina reconheceu um trabalho de genética experimental, e o de Economia foi outorgado a uma teoria explicativa do comportamento econômico em ambientes interativos, com foco no desenvolvimento das instituições sociais. O Nobel de Literatura, por sua vez, foi atribuído ao conjunto da obra da inglesa Doris Lessing, que tem uma forte característica de ressaltar a experiência feminina no mundo contemporâneo e, finalmente, o Nobel da Paz foi outorgado a Al Gore e ao IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, em inglês) por seu trabalho de conscientização em relação ao problema do aquecimento global.

Parabéns aos laureados, seja pelo reconhecimento, pela medalha, pelo diploma ou pelo cachê. Mas o quê faz deles “notáveis?” Os cientistas laureados não são mais inteligentes que as dezenas de milhares de físicos, químicos, médicos e economistas que existem no mundo. Al Gore não é certamente o “mais engajado” dos empreendedores sociais do planeta, e Doris Lessing, como todos os laureados em Literatura, o foi por sua arte, dada a necessidade de escolher uma obra, um artista dentre tantos. Mereceriam um Nobel cientistas como os laureados em Física, que descobriram por acaso (é isso mesmo, por acaso) as propriedades magnéticas que lhes renderam o prêmio?

Mereceriam e merecem, e por um motivo muito simples: como poucas vezes, as escolhas da Fundação Nobel retratam o cerne das preocupações da Civilização Ocidental Contemporânea, a saber, tecnologia voltada ao dia-a-dia, a genética, o controle da economia, a implementação dos seus mecanismos sociais e, principalmente, o meio-ambiente.

Muitas vezes, devido à onipresença da ciência e da tecnologia em nosso cotidiano, acabamos por tomar seus produtos como fins em si mesmos, esquecendo-nos de seu papel de instrumentos para a solução de problemas e lhes atribuindo um valor discutível. Dizer hoje que algo é “cientificamente comprovado” traz uma garantia de certeza similar à que se atribui a um dogma religioso. É um processo de alienação, a transformação da mercadoria em fetiche, nos termos de Marx, devido à justificação ideológica da sociedade de consumo, onde se impõe um meio através do qual criamos nossas certezas “inquestionáveis”. Nesse diapasão, os valores que subsistem na nossa cultura e no processo educacional ao qual estamos sujeitos em todos os momentos de nossas vidas é o que, em última análise, dirige o julgamento dos fatos, e a atribuição de maior ou menor valor a determinada descoberta científica está sujeita a esse processo, mesmo que inconscientemente.

Tomemos como exemplo a outorga do Nobel da Paz ao ex-presidente dos Estados Unidos, Al Gore. A imediaticidade com que o Nobel da Paz foi atribuído por um trabalho que ganhou o mundo a tão pouco tempo causa espécie, se nos lembrarmos dos prêmios Nobel outorgados à Madre Teresa, a Nelson Mandela, a Koffi Annan ou ao Dalai Lama, em que o Comitê da Fundação Nobel  levou em conta o trabalho de vidas inteiras. Mas no caso presente, a urgência do tema “aquecimento global” cria a necessidade do reconhecimento imediato. São nossos valores e nossas preocupações justificando a visão que nós construímos do mundo. Quanto mais consciência desse modus operandi  tivermos, melhor compreenderemos o mundo e a nós mesmos.

Jacintho Del Vecchio Junior

E-mail: [email protected]

Publicado originalmente no Jornal de Jundiaí em 02 de novembro de 2007. 

Download do artigo
Autor:


Artigos Relacionados


A Prescrição Intercorrente No Processo Do Trabalho

Abandono

Folclore: Resgate Da Cultura Através Da Leitura

Reforma Da Educação Pública

Instrução Normativa N.º 001 De 27 De Setembro De 2010

Crime De Amor...

Sem Comentário...