AUTONOMIA: Desenvolvendo a Criticidade Através da Leitura



(Autonomy: Developing the critic sense through the reading)

Rodrigo Avelar[1]

RESUMO

Este trabalho apresenta aspectos importantes que são integrantes da pedagogia da autonomia, buscando uma relação entre essa prática educativa e a leitura. Ao analisar aspectos do mundo de hoje, uma urgente mudança de comportamento do ser humano integrante desta sociedade capitalista neoliberal se faz necessário. Com a substituição dos sentimentos humanos pelos sentimentos comerciais, a sociedade sofre as conseqüências da busca exacerbada pelo lucro, e conseqüentemente, pela exploração do proletariado. Buscando encontrar mecanismos que visem assunção da educação como uma via de transformação da sociedade que esse trabalho se faz necessário.

Palavras-chave: Autonomia. Leitura. Sociedade.

ABSTRACT

This work presents important aspects that are part of the pedagogy of autonomy, searching a relation between this theory and the reading. When aspects of the world today, a urgent changing on the behavior of the human being whose is part of that neoliberal capitalist society are necessary. With the substitution of the human feelings to the market ones, the society sufers the consequences of this overwhelming search for profits, and consequentily, the poverty exploration. Aim to find a way of increasing the education, as a pass to the society's transformation wich this work is necessary.

Key words: Autonomy. Reading. Society.

1INTRODUÇÃO

Um conceito muito importante para o desenvolvimento humano está cada vez mais esquecido na sociedade atual: a autonomia. Com toda a certeza, esse mundo não é o mesmo de anos atrás. Nossos avôs e avós conheceram tecnologias e experiências diferentes da que nós somos obrigados a vivenciar atualmente. Estamos vivendo a era do comércio mundial, da globalização, onde o lucro é o maior objetivo de toda a manobra administrativa, e quando alcançado gera mais busca por ele. A intenção maior é sempre duplicar, triplicar o ganho em uma determinada atividade, fazendo com que toda a máquina administrativa do Estado trabalhe em favor do crescimento econômico.

Em meio a essa avalanche, se encontram os seres mais vulneráveis a esse sistema: o ser humano, que vê cair por terra sua dignidade, direitos e até sua própria vida. Tudo isso em favor do lucro. Mas mesmo com tudo isso, sabendo do mal que sofre, o povo se submete a isso de forma tranqüila, como se estas coisas fossem normais, uma fatalidade. Tudo isso não passa de uma ideologia, criada para dominar as massas e fazê-las agir de acordo com essa administração, ou seja, a minoria dominante, a parcela da sociedade que detém os lucros e o poder provenientes do trabalho do povo. Eles têm tudo a favor, inclusive a educação, onde os profissionais escolhem o caminho da acomodação e do desdém para com a sua prática, perpetuando a produção tampões que impossibilitam aos educandos enxergar criticamente tudo que acontece a seu redor e exigir que seus direitos sejam respeitados. A transformação não seria só a educação, mas esta serviria como um caminho para a transformação, pois pessoas mais conscientes seriam formadas, fazendo-se respeitadas pelo sistema e formando uma sociedade mais humana.

Por conta disso, a prática de uma educação voltada para o desenvolvimento da autonomia do indivíduo, seja ele educador ou educando se faz importante.

Segundo Freire (1996) não existe docência sem discência, pois no processo de formação, o educador não está apenas transferindo seu conhecimento para o educando, mas sim participando no processo de produção do conhecimento por conta do educando, que ao ter seu conhecimento de mundo respeitado e utilizado pelo educador na exposição dos conteúdos, é capaz de pensa-lo de forma a ativar sua criticidade, produzindo novos conceitos a partir dos antigos.

A partir disso, faz-se visível o motivo desse documento, elucidando alguns aspectos que se tornam muito importantes para a produção de conhecimento e visão crítica de mundo, presentes na teoria de Paulo Freire, a Pedagogia da Autonomia, aliando-os a leitura, mas não só a leitura de símbolos da escrita humana, no nosso caso, da língua portuguesa, como também a leitura de mundo. A importância destas é vital, pois elas devem trabalhar juntas para o pleno desenvolvimento crítico do educando. Também há de se ressaltar nesse trabalho a importância do educador e do educando no processo educativo, sendo que o educador vai exercer papel de maior importância, sendo também educando.

2AUTONOMIA: CONCEITOS

Como já percebemos, o mundo passou por muitas mudanças devido à modernização e as relações construídas entre os países tendo em vista o desenvolvimento do comércio. Porém, foram deixados de lado alguns conceitos primordiais para o pleno desenvolvimento da sociedade, tanto no âmbito econômico como no humano. A educação sendo manipulada em prol dos interesses da elite, veio durante anos formando indivíduos para servir a seus propósitos, fazendo com que seus desejos prevaleçam e não sejam digladiados. Como conseqüência dessas práticas acríticas, a sociedade vem crescendo na busca pelo lucro, com indivíduos cegos, que não tem consciência dos seus direitos, tendo suas vidas completamente tomadas pela tirania da globalização e do comércio.

A educação participa desse processo reproduzindo as ideologias da sociedade, não permitindo que o educando desenvolva a criticidade, que garante um indivíduo capaz de conhecer seus deveres e reclamar pelos seus direitos, e assim iniciar o processo de mudança da sociedade.

Freire (1996) aponta como uma das mais nocivas formar ideológicas é a mítica, ou seja, aquela em que os indivíduos têm na fatalidade explicação para os problemas da sociedade. Isso é um grande problema, mostra a falta de criticidade dos indivíduos que a constituem, pois essa idéia acaba por amarrar toda e qualquer ação que venha de um indivíduo, não permitindo o início do processo de transformação da sociedade, pois para isso, se faz necessário que o ator social seja crítico, não aceitando as situações como fatalidade.

Um dos grandes responsáveis por isso é a "educação bancária", que se limita a transferir o conhecimento do educador para o educando, não proporcionando nenhum tipo de produção de conhecimento, ou seja, a utilização de um conceito já existente como cerne para a eclosão de um novo conhecimento, permitindo ao educando desenvolver seu senso crítico.

Freire trata a curiosidade do educando como fator importantíssimo para o desenvolvimento da criatividade e da criticidade:

É que o processo de aprender, em que historicamente descobrimos que era possível ensinar como tarefa não apenas embutida no aprender, mas perfilada em si, com relação a aprender, é um processo que pode deflagrar no aprendiz uma curiosidade crescente, que pode torná-lo mais e mais criador. O que quero dizer é o seguinte: quanto mais criticamente se exerça a capacidade de aprender tanto mais se constrói e desenvolve o que venho chamando 'curiosidade epistemológica', sem a qual não alcançamos o conhecimento cabal do objeto (FREIRE, 1996, p.27).

A "curiosidade epistemológica" é o ponto onde educador deve chegar para elevar a sua prática ao patamar de formadora de indivíduos conscientes. Mas para que ele chegue a isso, se faz necessária uma densa reflexão crítica sobre sua prática docente, tendo o cuidado de analisar teoria e como a relação com a prática vem sendo efetuada. Também é importante que, durante esse ato de reflexão, o educador se torne consciente de sua posição na histórica, ou seja, ser capaz de aceitar-se como ser inacabado, sempre em busca de elementos que o completem. Tendo contemplado todo esse processo crítico, o educador está pronto para formar um educando crítico, consciente politicamente e conhecedor de sua natureza inacabada, tendo na "curiosidade epistemológica" seu ponto de partida para o desenvolvimento de conceitos novos.

Tendo essas etapas contempladas, o educando será capaz de, através da curiosidade, viver, que compreende o experimento, a aventura e a descoberta, que o torna protegido de todo e qualquer efeito negativo provocado pela prática do ensino bancário.

Essa prática educativa traz mais do que podemos imaginar. O significado dela acaba sendo maior pelo fato da vivência do educador. Um educador que se considera reformista não pode dividir vivência e prática, pois elas sempre andam juntas. Essa prática deve ser vivenciada, sendo os atos do educador o reflexo de sua prática educativa. Apenas dessa forma o educador pode formar o educando de forma verdadeira e eficaz.

Nenhuma formação docente verdadeira pode faze-se alheada, de um lado, de exercício da criticidade que implica a promoção da curiosidade ingênua à curiosidade epistemológica, e do outro, sem o reconhecimento do valor das emoções, da sensibilidade, da afetividade, da intuição ou adivinhação. Conhecer não é, de fato, adivinhar, mas tem algo que ver, de vez em quando, com adivinhar, com intuir. O importante, não resta dúvida, é não pararmos satisfeitos ao nível das intuições, mas submete-las à análise metodicamente rigorosa de nossa curiosidade epistemológica (FREIRE, 1996, p.51).

Essa fala de Paulo Freire desvela um sentido importante ligado à autonomia, que seria, por conseguinte, a valorização da humanidade dentro da sociedade. Além de mostrar como o professor deve agir na sua prática para promover a assunção da criticidade, reforçando os conceitos já citados acima, também faz com que os indivíduos desenvolvam a capacidade de pensar e agir humanamente, coisa que nesse mundo de hoje seria muito relevante para que as pessoas respeitassem o direito umas das outras e não cometessem atrocidades em busca do lucro imposto pelo capitalismo globalizado.

3CARACTERÍSTICAS DO EDUCADOR E DO EDUCANDO

Para o sucesso da prática educativa para a autonomia, é necessário haver um comprometimento do educador com a sua prática, tendo como prerrogativa à figura do educador-educando. Esse indivíduo precisa ter a consciência da sua origem, até chegar ao papel de educador, que passa pela formação.

Freire (2001) ressalta que passa despercebido pela maioria dos educadores que a descoberta da possibilidade de ensinar só foi possível pela experiência de homens e mulheres aprendendo socialmente através da história. Por esse motivo, essa característica se torna essencial, pois só por via desta podemos nos colocar no lugar dos alunos para saber como melhor explorar a prática educativa para a autonomia.

Temos também na vivência da prática uma importante característica para o educador frente ao educando, sendo muito forte o conceito do testemunho:

[...] não há pensar certo fora de uma prática testemunhal que o re-diz em lugar de desdizê-lo. Não é possível ao professor pensar que pensa certo mas ao mesmo tempo perguntar ao aluno se sabe com quem está falando (FREIRE, 1996, p.38).

Não existe prática de ensino sem outras características que se fazem presentes no ambiente escolar. O educador deve ser metódico, pesquisador, crítico de sua prática. Porém, para que tudo isso funcione, deve haver um grande comprometimento, um senso forte de responsabilidade dentro da prática do educador, como podemos ver nesse trecho:

Em primeiro lugar, qualquer que seja a prática de que participemos, a de médico, a de engenheiro, a de torneiro, a de professor, não importa de quê, a de alfaiate, a de eletricista, exige de nós que a exerçamos com responsabilidade. Ser responsável no desenvolvimento de uma prática qualquer implica, de um lado, o cumprimento de deveres, de outro, o exercício de direitos (FREIRE, 2001, p.89).

Dentro dessa responsabilidade, podemos citar também o respeito ao educando, por parte do educador, sempre criando condições para que este desenvolva a curiosidade epistemológica, necessária para a sua autonomia. Para que isso aconteça, o educador deve respeitar os saberes dos educandos, buscando utilizar os conteúdos de forma eficaz, envolvendo-os no conhecimento de mundo do aluno, e a partir desse ponto começar a expandi-lo. Esse trecho ilustra este pensamento:

Por isso mesmo pensar certo coloca ao professor ou, mais amplamente, à escola, o dever de não só respeitar os saberes com que os educandos, sobretudo os das classes populares, chegam a ela – saberes socialmente construídos na prática comunitária – mas também, como há mais de trinta anos venho sugerindo, discutir com os alunos a razão de ser de alguns desses saberes em relação com o ensino dos conteúdos (FREIRE, 1996, p.33).

Mas pode-se perceber que essas coisas não existem separadas. Essas características acabam se completando no exercício da prática educativa. Para que essa prática seja a mesma que leva o educando a autonomia, ela deve ter todos esses elementos.

4 LEITURA DO MUNDO

De acordo com Freire (2001) não há prática educativa, como de resto nenhuma prática, que escape a limites. Limites ideológicos, epistemológicos, políticos, econômicos, culturais, ou seja, a prática sempre será norteada por limites impostos pelas classes dominantes.

Partindo desse princípio, ele deixa o otimismo exacerbado de práticas que prometem transformar a sociedade por si, mas deixa o caminho aberto para a prática educativa que desvela o mundo ao redor do educando, começando assim, o caminho para a transformação da sociedade. Pode-se perceber isso através desse trecho: "Creio que a melhor afirmação para definir o alcance da prática educativa em face dos limites a que se submete é a seguinte: não podendo tudo, a prática educativa pode alguma coisa" (FREIRE, 2001, p.96).

Com essa visão, abre-se a possibilidade do desenvolvimento da leitura de mundo, por parte do educando, sendo esse modo de ver e agir perante a alguma situação, o cerne para a (re) construção da sociedade.

A leitura de mundo é denominada como a capacidade que um indivíduo possui para enxergar os acontecimentos a sua volta, ou seja, as coisas que ocorrem dentro de sua sociedade, tendo o discernimento para agir de forma correta perante o ocorrido. Com essa capacidade, o indivíduo passa a buscar mais a verdade sobre os fatos e o por que determinados desenhos sociais são perpetuados, tendo como principal ganho para sua vida a liberdade intelectual, permitindo-se pensar sem a influência das ideologias presentes na sociedade em que vive.

Nesse trecho, podemos entender como funciona a construção desse olhar crítico para com a sociedade em que o educando vive:

Por que não aproveitar a experiência que têm os alunos de viver em áreas da cidade descuidadas pelo poder público para discutir, por exemplo, a poluição dos riachos e dos córregos e os baixos níveis de bem-estar das populações, os lixões e os riscos que oferecem a saúde das gentes. Por que não há lixões no coração de bairros ricos e mesmo puramente remediados dos centros urbanos? Esta pergunta é considerada em si demagógica e reveladora da má vontade de quem a faz. É pergunta de subversivo, dizem certos defensores da democracia (FREIRE, 1996, p.33).

Essa é apenas uma amostra do quanto um simples processo de significação dos conteúdos pode ser proveitoso para o educando, sendo o cerne de sua formação histórica e social, dando essa condição, como já foi dito acima, de afrontar o sistema imposto pelas classes dominantes e deixar de ser movido apenas por ideologias.

5 LEITURA COMO ATIVIDADE SIGNIFICATIVA PARA O DESENVOLVIMENTO DA CRITICIDADE

Para que o senso crítico seja desenvolvido plenamente no educando, o educador dispõe da leitura como uma ferramenta decisiva para a concretização desse processo. Porém, essa não seria a simples leitura de um livro dado pelo educador em sala de aula, mas sim uma leitura sistematizada, que respeite fatores como os conteúdos aplicados, os saberes do educando e sua própria autonomia.

Esses fatores, sendo respeitados, tornam-na uma "leitura significativa", facilitando a assimilação por parte dos alunos. Nesse trecho, vemos a organização desse ensino na prática:

Uma questão que nos leva a inúmeras mudanças é a forma de organizar o ensino da leitura e da escrita. Tais mudanças, junto com pesquisas realizadas neste campo (Ferreiro, E.; Teberosky, A., 1979) têm-nos mostrado que não se trata de ensinar a ler e a escrever decompondo o código escrito em peças (vogais, consoantes, sílabas, palavras e frases), mas de toda uma exploração para aprender a descobrir relações, interrogar-se sobre os significados deste sistema e, assim, continuar aprendendo. Este percurso indica que o código escrito tem de estar presente nas salas de aula com todas as modalidades textuais e também como referência para desenvolver diferentes tipos de explorações (PÉREZ; GARCÍA, 2001, p. 58).

O educador deve elaborar modos de estimular a curiosidade do educando, respeitando os fatores já citados acima, fazendo ligações dessas leituras com a realidade e conhecimento de mundo do mesmo, possibilitando assim, o desenvolvimento da autonomia. Pode-se utilizar, por exemplo, tipos de leitura relacionada aos conteúdos que mexam com a realidade do educando, tornando a aprendizagem significativa. Essa disposição de vários formatos textuais também vai familiarizar o educando com esses códigos lingüísticos e vai fazer com que ele não apenas memorize ou tenha uma aprendizagem por "osmose", mas que ao educando seja proporcionado a direito de analisar e produzir novos conceitos por si, a partir desses conhecimentos prévios.

6 CONCLUSÃO

A partir das analises efetuadas sobre os conceitos desenvolvidos, pode-se constatar que para uma formação docente, e conseqüentemente, uma prática educativa progressista, o educador deve respeitar alguns fatores importantes, tendo como principal cerne à noção de discência, ou seja, para que um profissional chegue ao patamar de educador, ele teve que ser um educando, fazendo dessa experiência uma parte importante de sua prática. O respeito ao discente, seja da sua autonomia como de seus saberes é indispensável para o sucesso de uma prática educativa que visa o desenvolvimento da autonomia.

Podemos ver que esses processos que envolvem a prática, embora apareçam destacados um dos outros na análise, eles se misturam em meio o processo educacional, como fica explicito no ato de leitura significativa, onde os fatores de respeito ao educando e as características do professor progressista se misturam, fazendo com que o trabalho de desenvolvimento da autonomia seja bem executado na comunidade.

Tendo todos esses fatores presentes na educação, a autonomia poderá se fazer presente, colocando seus benefícios em prol da sociedade e de sua mudança, fazendo com que a animosidade do comércio, do mecanicismo e da "globalização ideológica" sejam substituídas pelos sentimentos mais humanos, com cidadãos críticos capazes de discernir sobre seus direitos e deveres na sociedade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes Necessários à prática Educativa. 16. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

______. Política e Educação. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2001.

PÉREZ, Francisco Carvajal; GARCÍA, Joaquín Ramos (orgs.). Ensinar ou Aprender a ler e a escrever?. Porto Alegre: Artmed, 2001


Autor: Rodrigo Avelar


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