Sustentabilidade: em que pé estamos?



“Infelizmente, as pessoas que tomam as decisões são sempre muitíssimo bem nutridas e não se preocupam muito com o problema da subsistência.”     Aldous Huxley (1959)

“A ecologia só será viável quando passar a dar lucros.”                                    Peter Drucker (anos 60)

Dizem que o Congresso Nacional é o reflexo da sociedade brasileira. Será a Rio + 20 o reflexo do atual estágio da nossa humanidade? Parece que sim.

 A reunião dos chefes de Estado

 Todos nós aprendemos que a solução de um problema depende de um enunciado correto e sua perfeita compreensão. Pois bem, a Terra é um só organismo e a sustentabilidade é um problema planetário, mas a Rio + 20 insistiu em resolvê-lo no âmbito das localidades e fronteiras. Não dá para passar no ENEM. Envoltos em suas necessidades econômicas, eleitoreiras ou afirmativas dos seus poderes, os chefes de estado não foram capazes de produzir um documento com metas e cronogramas de execução, muito menos fortalecer um organismo para que ele exercesse um mínimo de governança mundial sobre os principais temas propostos. O PNUD segue sem poder, pelo menos por enquanto.

 Em lugar disso, a Austrália cria a maior rede de proteção marinha do mundo, enquanto o governo brasileiro coloca um comercial na televisão dizendo, com todo orgulho, que continuam queimando e desmatando, mas o número foi reduzido. As soluções e pseudo soluções existentes até agora são locais. A mentalidade é competitiva, quando deveria ser colaborativa.

 O fato mais pragmático da Rio + 20 ficou por conta de um documento de 58 grandes cidades lideradas pelo prefeito de Nova York, que se comprometeram com uma série de medidas até 2030. É a tal história: na falta de um hipermercado, vamos nos socorrer nos armazéns das esquinas.

 O que sobrou da reunião

 A RIO + 20 de verdade foi constituída por mais de uma centena de eventos paralelos da sociedade civil e de uma fantástica massa de notícias e artigos de opinião em todas as mídias. Como sempre ocorre quando as discussões se alastram, muitas propostas são bem formuladas, outras são baseadas em premissas falsas. Uma das falsas é justamente aquela que sobrepõe o local ao planetário:

 __ Vamos produzir e consumir localmente, evitando fretes e consumo de combustível.

 Ora, em 1994 nove cientistas lançaram um dos Consensos de Copenhagen, afirmando que os principais problemas ecológicos do mundo eram a AIDs, a má nutrição, a malária e as barreiras comerciais. Em outras palavras, vivendo em condições sub humanas o homem degrada o ambiente e faz parte dele. Se vamos produzir e consumir localmente, o que será de todas as regiões que esperam melhores condições da Organização Mundial do Comércio para se desenvolver?

 E veio a polêmica maior: não existe aquecimento global, o CO2 não tem nada a ver com isso, muito pelo contrário. O cientista Richard Lindzen, do MIT, chegou a declarar que “o movimento ambiental é imoral. Sua finalidade é empurrar uma agenda política que prevê zero de crescimento populacional e impede o desenvolvimento dos países mais pobres”. Como não sou cientista, só posso esperar que a comunidade científica alcance uma conclusão correta, que possa orientar soluções adequadas.

Fora a polêmica, é importante lembrar que sustentabilidade não se restringe ao clima. Temos um planeta para cuidar: não podemos sair por aí cortando florestas, poluindo rios e mares, nem destruindo montanhas. Desnecessário dizer que o ar, a água, a cobertura do solo e a biodiversidade são vitais para todos. Nem ao menos temos ideia do que a biotecnologia poderá nos oferecer. E temos um problema colossal de 7 bilhões de pessoas, sendo que 2 bilhões ganham menos que U$2,00 por dia. Todos precisam de vestuário, alimentos, moradia, todos defecam, todos urinam. E precisam ser saudáveis e educados. Não havendo programas de realocação de pessoas ou recursos, como fazer? A lógica é dos estadistas: ações para o desenvolvimento sustentável, mas cada um dentro das suas fronteiras, competindo pelo que o planeta possa oferecer, inclusive mercados. Sem contar aqueles que acham que os pobres não podem ser educados para o planejamento familiar, não têm o direito de ter filhos, muito menos de ganhar um dinheirinho a mais. Para eles o consumo vai asfixiar o planeta; inteligência, inovações sociais e novas tecnologias não valem. Tomam bomba no ENEM sucessivamente.

Aliás, não se consegue consenso nem mesmo dentro de casa. Que o diga o Código Florestal.

Neste ponto, vale citar Carlos Diegues:

“Tenho um amigo que garante que o Juízo Final foi bolado para ser um gesto de Deus a nos pedir desculpas pela cagada que ele fez. Aqueles que forem capazes de O perdoar terão direito ao céu.” (O Globo, 16/06/2012)

Como pensa a sociedade brasileira?

Aqui, quem é miserável luta pela sobrevivência: bolsa família, trabalhos informais, talvez o crime. Quem é classe CD ascendente quer comer “bife a cavalo, batata frita, goiabada cascão e uma mulata chamada Leonor”. E a classe AB mais instruída, sobretudo os jovens, está aderindo aos conceitos sustentáveis. Não sei dizer em que proporção porque não vi pesquisas com pessoas físicas, mas é muita gente. No mínimo, é uma gente ruidosa, principalmente na internet.

Para a população em geral, sustentabilidade é um palavrão quase incompreensível. Mas economia de energia, de água, coleta seletiva de lixo, reciclagem, compostagem residencial, exercícios físicos, alimentação mais saudável, residências que incorporem materiais e sistemas sustentáveis, saneamento básico, mobilidade urbana, educação, parques, áreas verdes, tecnologias verdes, ações sociais, voluntariado – são conceitos em alta que deverão influenciar o poder público, além de gerar imagem e negócios para políticos e empreendedores.

Participei de duas reuniões com representantes de várias classes empresariais. Estão todos ávidos pelo mercado verde. No Green Building Brasil, por exemplo, há mais de uma centena de construtoras e fornecedores de materiais sustentáveis. O diretor de sustentabilidade da Volkswagen alemã mostrou um minicarro elétrico para trabalhar com energia limpa e facilitar o trânsito nas cidades.

__ Ainda não podemos vender, disse ele. O preço é muito alto.

O que ele quer? Mais desenvolvimento tecnológico e subsídios dos governos. Aliás, que ele ande rápido, porque a Renault já lançou um similar – Twizy – ao preço de 7.000 Euros. Mas, quando chegar ao Brasil, com impostos de importação e outros, por quanto será vendido?

__ O Brasil é muito caro, disse o representante da Febraban.

E ninguém duvida que a sustentabilidade precisa ser acessível...

O presidente da Alcoa para a América do Sul afirmou que poderia facilmente fabricar painéis solares, mas o custo é inviável. No mais, eu ouvi empresas demonstrando seus bem feitos em favor da sustentabilidade. A CNI chegou a publicar um suplemento especial que chamou de “transição acelerada para a economia verde”. É um bom começo, impulsionado em parte pela redução de custos (água, energia etc.). Mas ainda é parcial ou pequeno em relação às necessidades. Em relação ao social, se examinarmos os balanços das grandes empresas em comparação com seus lucros declarados, veremos a desproporção. A Petrobras, por exemplo, aplicou R$110 milhões no Programa Desenvolvimento e Cidadania de 2010. Representaram 0,33% do seu lucro líquido em 2011: R$33,3 bilhões.

O economista Jeffrey Sachs, conselheiro do secretário geral da ONU, autor de “O Fim da Pobreza” e “A Riqueza de Todos”, afirma que são necessários US$1 trilhão por ano para solucionar os problemas de todo o mundo. É muito dinheiro, mas segundo o FMI, o PIB mundial em 2011 foi de US$78 trilhões. Pede-se uma boa vontade de 1,3%. Talvez desse. Somente o orçamento militar dos Estados Unidos, em 2010, somou US$664 bilhões. Em sua corrida contra o tempo, a China já anunciou US$106 bilhões para 2012. Falta só uma palavrinha: solidariedade.

E não é que a Hillary Clinton, “a mulher mais poderosa do mundo”, discursou que os Estados Unidos vão destinar US$20 milhões para projetos de energia limpa na África? 20 milhões de dólares para um continente onde 600 milhões de pessoas vivem em casas sem energia elétrica! “No comments”.

O que podemos esperar em nosso país?

Em rápidas palavras: os cidadãos pressionam, os governantes dão uma mãozinha para ganhar os eleitores, a iniciativa privada desenvolve mais tecnologia e ganha escala e preço em produtos e serviços considerados sustentáveis. Além disso, patrocinam alguns projetos de responsabilidade socioambiental. É o que já começou a ser feito. Mas que ninguém pense que o processo será completo nem rápido. O Dr. Cooper treinou a seleção brasileira de 70, que foi a mais bem preparada naquela Copa. Venderam tênis à beça, mas só de poucos anos para cá as academias prosperaram. E tem muita gente que ainda não correu 100 metros até hoje.

Crescem também os movimentos de respeito humano: cor da pele, gênero, trabalho infantil, direitos trabalhistas, diversidade sexual, inserção social etc. Acho que a tendência vai continuar nessas áreas. Só precisamos tomar cuidado com o patrulhamento dos supostamente corretos!

E há uma corrente que prega uma sustentabilidade despojada, que não tem a ver com economia, mas sim com a felicidade – vida mais simples, mais espiritualizada. Tenho certeza que não verei esse filme nesta existência.

Outro fator a considerar é a dissonância cognitiva. O que se aprende com nossos pares, ou nas escolas, nos livros e na mídia expande as consciências, mas a pragmática pode ser outra. As pessoas não querem ou simplesmente não podem deixar seus carros na garagem, não abrem mão dos shopping centers nem do bem estar que é supérfluo para uns, necessário para outros. Tanto Daslu quanto Casas Bahia podem representar primeira necessidade, assim como a pintura do corpo e os adereços são imprescindíveis aos indígenas. Centenas de revistas estão nas bancas vendendo luxo e vaidade. E nada indica que vão sair de circulação.

O que a Deloitte apurou entre 108 organizações locais ou multinacionais operando no Brasil

(Essas empresas representam 17% do PIB. Os líderes empresariais responderam antes de começar a Conferência)

  1. Quais os temas da Rio + 20 que vão gerar maior impacto na sua organização depois da conferência?

- adoção de novas tecnologias – 20% das 108 empresas

- implementação de certificações e auditorias – 19%

- uso racional de recursos naturais – 16%

- adequação às regulações ambientais – 14%

No acumulado, 77% das empresas pesquisadas incluem formalmente a sustentabilidade nos seus planejamentos estratégicos. 47% adotam políticas e linhas de ação neste sentido e 26% planejam fazê-lo. 43% produzem relatórios de sustentabilidade e 25% têm intenção de fazê-lo.

2. Quais as melhores maneiras de transformar as discussões da Rio + 20 em ações concretas

            - estabelecer metas claras – 30% das 108 empresas pensam assim

            - estabelecer sanções legais aos países e companhias que não cumprirem o estabelecido – 30%

            - incentivar cidadãos e consumidores a se engajar nas questões da sustentabilidade – 22%

            - incrementar o engajamento do governo nas questões da sustentabilidade – 13%

Conforme se vê, os números e ações ainda são tímidos. E as expectativas do item 2 não foram atendidas pela Conferência. Adicionalmente, vale dar uma olhada em http://www.cebds.org.br/cebds-lanca-visao-brasil-2050-uma-nova-agenda-de-negocios-para-o-pais/ e conhecer o que o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável pretende.

E é bom saber que o PNUD vai investir de US$3 a US$5 milhões em prédio da Coppe-UFRJ para a criação de um Centro Mundial de Desenvolvimento Sustentável com o apoio de 25 instituições brasileiras e internacionais, públicas e privadas.

Apesar do fracasso dos líderes mundiais e seus prepostos na Rio + 20, o noticiário leva a crer que muitos atores não ficarão de braços cruzados esperando um possível colapso. Para além dos bons espíritos, há ganhos de imagem e dinheiro envolvidos. Algumas lideranças e intelectuais, como Marina Silva, Leonardo Boff e Edgar Morin  devem continuar contribuindo para a melhor consciência. E foi lançado o “Day After”, para continuar impulsionando indivíduos e empresas a buscar uma “economia mais ecológica e humanizada”. O Instituto Ethos faz parte.

Se a Rio + 20 quisesse ter um documento sério

Poderia discutir com profundidade uma das propostas que surgiram nos Diálogos Sustentáveis promovidos pelo governo brasileiro (cf. Agostinho Vieira, em O Globo). As observações entre parênteses são minhas:

1) “Vamos promover a educação global como forma de erradicar a pobreza e atingir o desenvolvimento sustentável. Assumimos o compromisso de retirar da miséria, até 2030, 1,5 bilhão de pessoas que vivem com menos US$ 1,25”.

2) “Reconhecemos que a igualdade de gêneros e o direito da mulher à informação e à liberdade sobre o próprio corpo são importantes para o nosso futuro comum. Incluindo o acesso a serviços de saúde reprodutiva”.

3) “Assumimos o compromisso de universalizar, até 2030, o acesso à energia. Além de dobrar os níveis de eficiência energética e a produção a partir de fontes renováveis”.

4) “Vamos restaurar, até 2020, 150 milhões de hectares de florestas desmatadas e de terras degradadas. Também nos comprometemos a zerar o desmatamento ilegal no planeta até 2030”.

5) “Tomaremos medidas concretas para acabar, gradativamente, até 2050, com os subsídios para os combustíveis fósseis”. (A confirmar viabilidade com os economistas e a comunidade científica).

6) “Criaremos mecanismos de proteção dos oceanos, em especial do alto-mar, e evitaremos, de todos os modos, a poluição das águas por plástico”.

7) “Garantimos o fornecimento de água limpa para todas as pessoas, por meio da proteção da biodiversidade, dos ecossistemas e dos recursos hídricos”.

8) “Assumimos o compromisso de criar um PIB Verde, que substituirá o Produto Interno Bruto, até 2030, considerando, além dos efeitos econômicos, os impactos sociais e ambientais de nossas vidas”. (considerar que os impactos locais são refletidos em todo o planeta).

9) “Estamos comprometidos com a alteração dos padrões insustentáveis de consumo e produção, e vamos dissociar o crescimento econômico do uso de recursos naturais.” (com a palavra os economistas).

10) “Todas estas medidas serão financiadas por um fundo com a participação de todos os países na base de US$ 1 por tonelada de CO2 emitida. Considerando níveis históricos de emissão e as responsabilidades comuns, mas diferenciadas.” (a confirmar com os economistas e a comunidade científica).

Faltou falar, na minha opinião, em incrementar pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias verdes, inclusive sociais, a serem aplicadas em alta escala e baixo custo. Sem elas, seremos impotentes.

A luz no fim do túnel

 

INVESTIMENTOS NA TRANSIÇÃO VERDE (Green Transition Scoreboard)

2007 – 2011

Setor

(US $)

Energia Renovável

$1.813.514.837.600

Construção & Eficiência Verde

$800.011.200.000

Tecnologia verde

$148.464.254.073

Rede Inteligente

$214.532.960.000

P&D Corporativo

$329.528.188.007

Total

$3.306.051.439.680

“Este montante valida os vários estudos, modelos e relatórios de computador que propõem que investir $1 trilhão por ano até 2020 em eficiências de material e energia eólica, solar, geotérmica e outras energias renováveis, uso sustentável da terra e florestamento, infraestrutura inteligente, transporte, construção e redesign urbano irá solidificar a Transição Verde no mundo todo. O resultado do relatório atualizado de 2012 de mais de $3,3 trilhões coloca os investidores globais e os países no caminho para atingir $10 trilhões de investimentos até 2020.”

Tomara que os números estejam certos. Não abrangem tudo, mas é muita coisa.

Mensagem final

“Enquanto a poluição, a instabilidade financeira, problemas de saúde e desigualdade continuarem a crescer, e enquanto o sistema político continuar paralisado, o futuro do capitalismo pode não parecer tão seguro em algumas décadas como parece agora.” Kenneth Rogoff, professor em Harvard, ex-economista chefe do FMI. (O Globo, 18/12/2011)

 

 

 

Marcelo C. P. Diniz

24/06/2012

 


Autor: Marcelo Diniz


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